Entrevistas

Mais que influência: conversamos com Helio Flanders sobre Bob Dylan

Após quatro ótimos álbuns autorais, a banda brasileira Vanguart está lançando um disco de covers de Bob Dylan e o TMDQA! conversou com o vocalista.

Vanguart
Foto: Juan Pablo Mapeto

Todo artista tem as suas referências. Mesmo os mais inovadores pescaram influências em outros nomes. Não diferente, temos o influente grupo mato-grossense Vanguart, que não apenas passou a falar sobre uma das suas maiores inspirações, como está lançando hoje um álbum voltado a diversas de suas canções.

O nome dele é Bob Dylan. Um dos compositores mais renomados da história inspirou nomes que vão desde os Beatles até artistas recentes como Brandi Carlile e Sufjan Stevens, isso sem falar no reconhecimento de ter um Prêmio Nobel de Literatura, em 2016. Sua influência atravessa quaisquer fronteira, como comprova Vanguart Sings Bob Dylan, recém-lançado pela Deck com produção de Rafael Ramos.

No álbum, o Vanguart volta em suas origens, já que nos primeiros shows fazia covers de Dylan, e após elas se transformarem em shows, agora viraram um álbum, no nobre ato de homenagear o legado de um outro artista.

 

“Foram cerca de nove anos de mergulho na obra dele”

No álbum, há 16 covers de músicas compostas por Dylan, focando especialmente em seus primeiros 15 anos de carreira. As canções foram gravadas em uma ambientação “ao vivo” em menos de cinco dias, com todos os instrumentos juntos.

Conversamos com o vocalista Helio Flanders sobre o lançamento e, é claro, sobre o legado de Bob Dylan para a música contemporânea. Leia a entrevista logo abaixo.

Capa de "Vanguart Sings Bob Dylan" (Vanguart)
Foto: Divulgação

TMDQA!: Parabéns pelo álbum! O resultado é muito sincero, orgânico, natural e passa muita fidelidade ao material original.

Helio Flanders: Que massa! Obrigado, fico feliz em ouvir isso.

TMDQA!: No ano passado, vocês gravaram para o programa Versões, do canal Bis. O episódio teve o nome, justamente, de “Vanguart canta Bob Dylan”. Foi ali que surgiu a ideia?

Helio: Na verdade, isso de a gente tocar Bob Dylan vem de muito tempo. E vem trazendo ótimos presentes para a gente. A banda sempre tocava uma coisa ou outra. Às vezes, eu cantava uma música dele sozinho em algum momento do show. Isso vem desde os nossos primeiros shows, em 2004 e 2005. Em Janeiro de 2010 o SESC Pompeia começou um projeto de bandas representando outros artistas e propôs da gente fazer Bob Dylan.

Esse show foi muito especial porque foi a primeira vez que a gente fez esse projeto de um modo maior e marca a nossa primeira apresentação com a [violinista] Fernanda Kostchak. Foi incrível e foi um feeling muito recíproco entre nós, tanto que depois chamamos ela para fazer parte do nosso segundo álbum e ela entrou para a banda. Ela foi o primeiro presente que o Bob Dylan trouxe para nós. Fizemos no SESC Santana de novo há uns anos, e vai ser inclusive onde vamos lançar o álbum.

Quando o Canal Bis fez esse convite, percebemos que o show já estava pronto. Mas fomos com a pretensão de algo novo. E aí entrou a mão do nosso produtor, o Rafael Ramos, da Deck. Gravamos o disco basicamente em um formato ao vivo: tudo junto e valendo, com poucos overdubs. Gravamos 16 músicas em quatro dias, basicamente. Eu acredito que o disco tenha esse espírito bem de “ao vivo”. Mas, resumindo, foi algo natural que foi engatinhando aos poucos. Não surgiu do nada. Foram cerca de nove anos de mergulho na obra dele para voltarmos do Rio com essa pérola aí.

TMDQA!: À setlist original tocada no programa, vocês adicionaram mais algumas covers. Qual foi o critério usado para as escolhas?

Helio: A gente foi por eliminação, mais ou menos. Existiam aquelas músicas que a gente sabia que precisavam estar no álbum, como “Tangled Up In Blue” e “Simple Twist Of Fate”, que são do meu álbum favorito dele, o Blood On The Tracks (de 1975). A partir daí fomos tentando uns “xodós” nossos, tipo “You’re a Big Girl Now” e “Restless Farewell”. Eu amo o Reginaldo cantando “I Shall Be Released”, então também tinha que estar no disco. A Fernanda cantando “The House of the Rising Sun” também. Como já tínhamos feito esse show várias vezes, inclusive no SESC Santana a gente já teve três dias seguidos de show, nós já tivemos oportunidade de trocar várias vezes a setlist. Foi coisa de banda mesmo, de “vamos testar essa”. Foram umas 12 que estavam fixas e umas quatro que fomos tentando encaixar.

A novidade mesmo, que nós chegamos a tocar uma vez, foi a mais desconhecida dentre as faixas do álbum: “I’ll Keep It With Mine”. Ela ficou mais conhecida pela Nico, que cantava no The Velvet Underground, em seu disco Chelsea Girl. O Dylan deu para ela gravar, mas nunca chegou ele mesmo a gravá-la oficialmente. Acho que só tem em demo ou lado B de discos. Particularmente, é uma das que eu mais gosto do disco.

TMDQA!: Tem também uma (ótima, por sinal) versão de “Make You Feel My Love” (1996), a única canção do álbum que foge dos primeiros 15 anos de carreira de Dylan.

Helio: Esta é a única canção pós-75 que gravamos. É do álbum Time Out Of Mind. Eu gosto muito desse disco. Por mim eu tinha até colocado mais canções dele (risos), mas acabou não rolando. Quem sabe a gente não põe no “volume 2”, se rolar. Esse, por sinal, é o meu disco favorito do Dylan hoje. É um disco maravilhoso, em que ele volta a ser o velho Dylan, com letras muito pesadas e densas. Sem falar que esta música já é um clássico, né? Até Adele gravou. É uma balada que surpreendente de um Dylan errático já, né? Nessa época, ele já estava muito voltado ao blues. Essa foi de última hora também.

 

“Descobri aquele mundo todo que ele via”

TMDQA!: Como as canções de Dylan influenciaram o Vanguart nesses mais de 10 anos de banda?

Helio: Eu acho que o Dylan influenciou mais a gente antes desses 10 anos. O Dylan foi fundamental quando eu não tinha uma banda para tocar e tocava voz e violão em casa, sentindo que tinha o mundo nas mãos, sabe? Podia fazer o que quisesse compondo, escrevendo, lendo as letras dele e estudando inglês. Descobri aquele mundo todo que ele via. Acho que ele, mais do que nos influenciar enquanto banda, nos influencia também como compositores mesmo. Talvez o Vanguart fosse a mesma banda desses últimos 3 anos sem o Dylan, mas talvez ela não existisse se não fosse ele. Ela não teria aparecido para sobreviver há 10 anos. Depois desse tempo, voltar para o começo é muito bom até para a gente encontrar esse significado de por que a gente está aqui.

TMDQA!: O Vanguart tem quatro álbuns de estúdio lançados até então. Como foi a decisão de interromper essa “história” com esse disco de homenagem?

Helio: Eu acho que foi algo meio natural. A gente não pensou muito. Foi algo como “esse show está pronto e as músicas estão prontas”. A gente sempre tem um modus operandi de “temos as canções? Gravamos. Não temos? Esperamos bater aquela vontade”. No final do ano passado, eu tinha voltado da Itália, de um outro projeto que estava fazendo. Era um disco pronto. Bastava entrar no estúdio e tocar Bob Dylan. Pensamos “Por que não gravar agora?”. Foi muito leve e representou um reencontro da banda com o estúdio. Não teve uma decisão de fazer em determinado momento. Mas é claro que agora esperamos fazer um disco autoral em breve.

TMDQA!: Para vocês, enquanto banda, o que a figura de Bob Dylan significa para a música moderna?

Helio: Eu acho que ele quebrou a cabeça de todo mundo. Todo mundo estava indo para um lado e ele mostrava que era no outro. Todo mundo se seduzia por ele, por sua força poética, pela excentricidade, pelo tamanho da personalidade dele de ditar coisas… Era um cara que era respeitado pelo Elvis [Presley], pelo Roy Orbinson, pelos Beatles… O cara era a grande influência para todos nos anos 60. Isso mostra o tamanho dele. Todo mundo ficava de olho no que ele estava para fazer, porque era alguém muito avançado poeticamente e muito sofisticado. Era um cara com uma rebeldia sagaz, uma excentricidade genuína, uma sofisticação com o violão na mão. Tem que ser muito genial para ser sofisticado com um violão apenas.

 

“É muito importante as pessoas entenderem a dimensão poética do Dylan”

TMDQA!: É muito interessante pensar na distribuição das vozes no álbum. Fernanda canta “House of the Rising Sun”, enquanto o David assume a voz em “Hurricane”. Como vocês pensaram essa divisão? É algo como “a música favorita de cada um”?

Helio: Basicamente, foram coisas que aconteciam nos shows. A Fernanda ama essa música e já tem um tempo que ela começou a cantar, o que por mim é algo que acontecerá cada vez mais. A gente sempre incentivou muito isso, porque ela canta muito bem. Já o David é o único capaz de cantar “Hurricane” inteira (risos). E o Reginaldo canta essas que mostram um pouco mais o lado roqueiro de Dylan. Desde os primeiros shows que fizemos que eu sugiro essa música para ele. O “It’s All Over Now, Big Blue” eu achei que ficaria legal na voz dele.

Já no estúdio, a gente tentava uma coisa ou outra e acabava sobrando um pouco mais para mim, já que eu estou há mais tempo. E tem canções também, como “You’re a Big Girl Now”, que se eu cantar, eu “morro”. Eu tenho histórias pessoais de adolescente com essas músicas, porque os meninos foram conhecer essas músicas mais tarde, com 18, 20 anos. Eu conheço de uma adolescência um pouco anterior. Me passa um filme muito grande meu cantando, especialmente as três do Blood On The Tracks. Para mim, elas possuem uma dimensão que ainda estou buscando entender melhor. 

TMDQA!: Conseguiriam se imaginar fazendo uma homenagem dessas para algum outro artista?

Helio: A gente toca Beatles há muito tempo também, mas não sei se gravaríamos um álbum só de músicas deles. Mas eu acho que tocamos com muita naturalidade. Foi a primeira banda que tocamos, junto com Dylan. No entanto, acho que faríamos facilmente um disco do Neil Young, porque tem muito a ver com a gente. Eu até acho que eu canto de uma maneira suave que se aproxima mais do Young do que do próprio Dylan hoje em dia. Acho que seria uma boa pedida, apesar de querer fazer o “Bob Dylan Volume Dois”. Tem muita coisa para gravar.

TMDQA!: Como serão os novos shows?

Helio: Vamos tocar nos dia 5, 6 e 7 de Julho aqui em São Paulo, no SESC Santana e também na Fundição Progresso, no Rio, no dia 12, junto com a Maglore. Eu traduzi as letras com o David e elas vão passar no telão. É muito importante as pessoas entenderem a dimensão poética do Dylan. Até para quem fala inglês, é um show longo. Ter as traduções é importante também para entendermos porque ele ganhou um Prêmio Nobel de Literatura. É um show bem bonito para entendê-lo melhor.

TMDQA!: Talvez a geração moderna não tenha noção do peso que o nome Bob Dylan carrega.

Helio: Ou até tem, mas não entende exatamente. Quando você lê as letras dele, você tem ideia de que ele é muito sofisticado poeticamente. Ele consegue ser um poeta de rua quase como um cara do rap, mas com uma erudição diferente.

TMDQA!: Alguma consideração final?

Helio: Obrigado pelo espaço! Vocês são sempre muito queridos com a gente.