Entrevistas

"Há tempos não me sentia tão leve": conversamos com Rebeca sobre "Corar", seu primeiro disco solo

Resultado de uma jornada de autoconhecimento através da música, Rebeca lançou recentemente "Corar", seu ótimo disco de estreia solo.

Rebeca
Foto: Duda Morteo

Todos nós buscamos autoconhecimento na vida. A cada dia que passa, mais queremos encontrar o nosso lugar e, principalmente, encontrar a nós mesmos. A jornada, no entanto, é longa.

Corar, novo álbum da niteroiense Rebeca, foi resultado desse processo de se conhecer melhor. Misturando elementos de indie pop, MPB e música experimental, ela versa sobre inseguranças, amores e desejos em um disco atmosférico e colorido.

Trata-se do primeiro álbum solo de Rebeca, conhecida por seu trabalho na banda Gragoatá e por participações em canções de outros artistas. A ideia partiu de um desejo de anos da cantora, que queria explorar um som que fizesse parte dela.

Para isso, Rebeca contou com a ajuda de amigos do meio musical, que contribuíram bastante nas composições e nos arranjos. Rodrigo Martins (Tereza) assina a produção do álbum, enquanto Ana Beatriz Brêtas, João Barreira (Barcamundi) e os colegas de banda Fanner Horta e Renato Côrtes ajudaram nas composições. O trabalho foi lançado através do selo MangoLab, uma agência que está crescendo na cena carioca e que trabalha com nomes como Heavy Baile, Biltre e Julio Secchin.

 

“O resultado foi como um reflexo de algo que eu estava sentindo”

No ano passado, conversamos com Rebeca na época do lançamento de seu primeiro single solo, “Cinema Norte Americano“. Desde então, a cantora se conheceu muito mais enquanto compositora e intérprete.

Conversamos recentemente sobre esse processo de autoconhecimento e também sobre outros aspectos relacionados ao disco. Confira abaixo o papo:

Capa de "Corar" (Rebeca)
Foto: Divulgação

TMDQA!: Como você se sente ao ver que seu primeiro trabalho solo está finalmente no mundo?

Rebeca: Eu estou bem aliviada e muito feliz! Há muito tempo eu tenho a ideia de fazer um álbum solo na minha cabeça. Foi uma longa jornada, mas finalmente saiu e dá um alívio poder mostrar isso para as pessoas. Parece que as ferramentas foram aparecendo ao longo do tempo, sabe? Todo o processo de descobrir que eu podia compor e de conhecer o Rodrigo [Martins, da banda Tereza], que foi essencial para eu conseguir o tipo de produção que eu pensava… Conhecer pessoas possibilitou que isso acontecesse. Pessoas certas, que entendessem o meu universo. Tanto os compositores com quem trabalhei quanto o Rodrigo foram essenciais para que eu conseguisse fazer isso.

TMDQA!: Lembro que, da última vez que conversamos, você falou sobre seu plano de lançar o disco no ano passado. A que se deve a demora?

Rebeca: Eu não sabia como lançar um álbum, na verdade. Sabe quando você faz a sua parte, tipo “ah sou artista, então vou fazer a parte artística e show de bola”? Eu não sabia como trabalhar o disco. Ele seria lançado sem ter show pronto, sem ter clipe pronto e sem ter o direcionamento certo. Eu preferi esperar mais um pouco para que eu pudesse amadurecer um pouco mais esse lado estratégico. Acabou que a MangoLab apareceu, um selo aqui do Rio. Eles foram parte essencial dessa fase de pós-produção do disco, me acompanhando na questão do planejamento. Eu me senti muito mais segura para lançar o disco este ano. Nós, músicos, sabemos fazer música, mas existe todo esse outro universo que é super importante para conseguirmos mostrar o nosso trabalho. Eu comecei a ver isso em Janeiro. Em seis meses, eu tive que fazer muita coisa. Clipe, identidade visual… Parece pouco, mas é um processo intenso e importante. Queria que fosse lançado na hora certa. É como um filho que eu quisesse muito que fosse para o mundo.

TMDQA!: Como se deu o seu primeiro contato com a MangoLab?

Rebeca: Foi no SOFAR Sounds. Eu estava me apresentando lá, e acho que eles me viram. Depois começamos a trocar ideia. Eles me contaram de vários projetos maneiros. E aí, virando o ano, decidi embarcar nessa com eles. Eu gosto muito dessa parceria. É uma galera boa, sabe. Estão crescendo.

TMDQA!: No início do papo, você disse que estava se sentindo aliviada. A frase “Há tempos que eu não me sentia tão leve” me marcou a ponto de eu entender o disco como um processo de autoconhecimento. Você também o vê assim?

Rebeca: Com certeza! Muitas vezes eu acho que faço música sem entender por que eu estou falando aquilo. Depois eu percebi que o resultado foi como um reflexo de algo que eu estava sentindo, sabe? Tem tudo a ver com algo que aconteceu (risos). Eu acho que, várias vezes, eu vou ouvir esse disco e lembrar de um momento específico da minha vida. Eu acho que a música tem esse grande papel de fazer alguém desabafar e, ao mesmo tempo, se perceber. Eu acho que é aquela coisa que já conversamos sobre, de se transcrever em forma de som. É uma forma de análise. Eu acabo me conhecendo muito por causa desses desabafos. A gente vai vendo que as pessoas também se sentem dessa forma. Conseguimos nos entender juntos.

TMDQA!: É aquilo do “música é a linguagem universal”.

Rebeca: Exatamente, cara! A gente consegue, até mesmo sem palavras, passar esse sentimento. Eu amo música. Acho que é a minha grande terapia real e oficial.

 

“Eu tenho mania de dar cor às coisas”

TMDQA!: O disco tem toda uma questão narrativa. Começa com a letra de “Cinema Norte Americano” e logo depois o eu-lírico propõe um convite ao cinema em “Fantasia”. Foi proposital? Como foi construir tudo isso? Você pensou no disco como uma história?

Rebeca: Eu acho que não exatamente como uma história, mas acho que todas as músicas conversam e fazem parte do mesmo universo. De forma narrativa, eu acho que elas foram feitas em contextos completamente diferentes. Mas acho que todas elas, juntas, fazem algum sentido. No final, as músicas, pelo menos de uma forma sonora, vieram também de lugares diferentes. O que a gente conseguiu fazer foi trazê-las para um contexto. As histórias são diferentes, mas têm um contexto similar.

TMDQA!: A música, além de sua questão sonora, tem também uma relação grande com a imagem, seja por conta de videoclipes ou da própria identidade visual proposta pelas artes do disco. Corar tem uma coisa muito interessante em relação a cores. Nem tudo é tão preto no branco, explosões rosas e amarelas em “Louro”. Tem também a “Música Rosa” e, é claro, a metáfora da faixa-título. Como foi pensada essa questão visual?

Rebeca: Eu estava meio desesperada para encontrar o nome do disco. Quando fui gravar o clipe de “Corar” com as meninas da produção, estávamos discutindo sobre possíveis nomes. Corar estava tão na cara… A palavra junta “cor” e “ar” e, para mim, cada música ali tem cores. É um disco que remete a cores. É bem coloridinho. Eu tenho mania de dar cor às coisas. Tipo “ah, essa vai ser a ‘música rosa’”. Eu fiz um áudio no GarageBand fazendo várias vozes em cima dessa melodia e pensei “nossa, que melodia rosa”. “Cinema Norte Americano”, para mim, era algo entre o cinza e o azul, mas ela tinha alguns pontinhos vermelhos… Eu sempre imaginei elas assim. “Louro” tem um som de sintetizadores que contei para o Rodrigo que achava que era o som de quando você está submerso e tem um feixe de luz com aquela “poeirinha”. A gente deu o nome de “submarino” para esse som.

Para mim, esse disco é muito atmosférico, porque tem bastante textura e, ao mesmo tempo, é bastante colorido. Eu acho que a junção entre “cor” e “ar” deu origem ao disco. Esse nem era o objetivo com a música “Corar”. Às vezes, as coisas têm sentido juntas e a gente nem sabe. É aquilo que eu estava te falando, de fazer a música e depois pensar “nossa, eu estava vivendo isso”.

TMDQA!: É bom saber que eu não estava viajando.

Rebeca: Não! Você realmente captou a essência. Eu estou adorando o feedback da galera, porque tem coisas que eu achei que estavam tão mirabolantes na minha cabeça que eu pensei “Ah, Rebeca, tudo bem. É uma música e tal. Para de viajar”. Mas o pessoal realmente está entendendo umas coisas loucas da minha cabeça, e estou muito feliz por isso. Tipo “Não sou maluca! Temos conexões” (risos).

TMDQA!: Você falou sobre o feedback dos fãs. Como você está sentindo a recepção do disco, apesar de ter sido lançado há pouco?

Rebeca: Eu acho que ele ainda não circulou bastante, mas o feedback até então foi bastante positivo. Pessoas falando coisas que eu nem imaginava que falariam. Isso que você falou agora, por exemplo. Ouvi uma pessoa dizendo que era um disco “moderno, mas sem ser pretensioso” e “pop, mas ao mesmo tempo acessível”. Era o que eu queria fazer (risos). Ver as pessoas compartilhando também está sendo ótimo. Isso é um sinal de que as pessoas estão se conectando com a minha música. Está fazendo sentido na vida delas. Isso é muito legal mesmo. Fico muito feliz.

TMDQA!: Foi uma forma de a galera que acompanha seus projetos conhecer melhor o seu lado artístico.

Rebeca: Sim! As músicas na verdade não são só minhas, porque teve muita gente que ajudou nas composições. Mas é isso na medida em que eu escolho uma música para me representar porque diz algo sobre mim. É muito bom que as pessoas se identifiquem com isso também, especialmente no âmbito musical.

 

“A gente meio que criou um ambiente muito colaborativo”

TMDQA!: Para a composição do disco, o que você usou como maiores referências? No nosso último papo, quando falamos sobre “Cinema Norte Americano”, você citou Kimbra e Dirty Projectors. As demais canções tiveram outras inspirações?

Rebeca: Eu estava ouvindo Devendra Banhart e também estava ouvindo aquele disco do Tyler, The Creator, o Flower Boy. Também ouvi muito o disco da Solange Knowles, Frank Ocean e Mac DeMarco. É essa galera que eu ouvia mais na época. Eu ficava falando para o Leon [Navarro, guitarrista] “faz aquela guitarrinha Mac DeMarco, cara! Aquela coisa meio viajante, psicodélica e distorcida”. Acho que fluiu bastante no final.

TMDQA!: Ele conta com a participação e ajuda de pessoas que fizeram parte da sua trajetória musical. João Barreira, Fanner Horta, Renato Côrtes… Em que sentidos você acha que os contatos da sua carreira contribuíram para o resultado final?

Rebeca: Sem eles meu disco não seria nada. Não só com as composições, mas o João [Barreira, violão], por exemplo, participou dos arranjos. Sempre que eu estava precisando pensar em algum arranjo, ele passava no estúdio para me ajudar. A gente meio que criou um ambiente muito colaborativo. O João Lucchese, da ROSABEGE, ajudou a gente a produzir duas músicas no final da produção do disco.

Eu acho muito importante ter a participação das pessoas em quem confio. A opinião delas é importante e eu gosto que elas participem. Seria muita presunção, pelo menos para mim, impor que “vai ser isso e pronto”. Elas colorem as produções, e a partir disso, eu consegui crescer bastante vendo o que elas faziam e a forma como elas enxergam as músicas. É uma forma de aprender coisas que não sabemos.

TMDQA!: Em algum momento, essa opinião dada pela sua equipe fez com que alguma música do disco caísse, por exemplo?

Rebeca: Eu acho que não por causa das pessoas, mas teve uma melodia que eu comecei a fazer que caiu. Eu e Rodrigo piramos muito em uma música, sem letra, nem nada. Começamos do instrumental mesmo. Eu estava ouvindo muito Flume na época e eu falei “nossa, vamos fazer uma música assim”. No final das contas, concluímos que não tinha nada a ver com o disco e que estava muito megalomaníaco (risos). A música nem chegou a ter nome. Apelidamos ela de “Quatro Acordes Clichê Song”, algo muito abstrato.

TMDQA!: O disco conta com a participação emblemática de Rubel, que quebra um pouco o tom do disco por ser uma voz masculina no meio da narrativa até então guiada pela sua voz. Como se deu o primeiro contato entre vocês e a ideia de gravarem juntos?

Rebeca: E ele começa cantando a música, né! O Fanner [Gragoatá] é muito meu amigo e, na época em que estava morando sozinha em um apartamento, ele estava lá direto, sempre tocando violão. Ele estava compondo bastante e me mostrava muitas ideias. Essa música [“O Tanto Que Falta”], ele tocava direto, mas nunca tinha passado pela minha cabeça gravar ela. De repente, tive um estalo e pensei que seria um dueto muito bonito e que tinha como fazer uma produção bem maneira.

Ao mesmo tempo, o Rodrigo estava produzindo o último disco do Rubel. Eu já estava ouvindo os sons dele, e o Rodrigo também mostrava as minhas canções para ele. A gente se conhecia de forma sonora (risos), mas não pessoalmente. Enquanto produzíamos o álbum, pensei e sugeri que Rubel poderia cantar. O Rodrigo fez a ponte e ele topou. Fiquei muito feliz que ele participou e foi muito legal conhecer ele. Já tocamos juntos depois. Ele fez um show em Niterói e me chamou, depois tocamos Mac DeMarco em um show em Ipanema. Foi uma troca muito legal.

TMDQA!: Além do Rubel, com que outros artistas você se imaginou dividindo palco?

Rebeca: Não sei se me imagino dividindo palco com alguém porque não sei se isso seria possível. Mas, pirando e pensando alto, eu adoraria tocar com o Devendra. É meu sonho. Eu já até consegui falar com ele uma vez, no Circo Voador. Eu dei o disco da Gragoatá e até disse qual música nossa foi influenciada por ele. Consegui tirar uma foto com ele. Imagina: no próximo encontro eu dou o meu disco para ele…

TMDQA!: Naturalmente, você já deve ter uma leva de shows para fazer, certo?

Rebeca: Pois é! A gente está mirando em fazer algum show em São Paulo em breve. E vou tocar também no Rock The Mountain. Eu estou lá embaixo no line-up, com o nome bem pequenininho. Acho que vai ser um circuito maneiro de shows, porque estou doida para tocar.

https://www.instagram.com/p/Byp3oYqgoDp/

TMDQA!: Como você descreveria os seus shows para a galera que ainda vai conhecer você?

Rebeca: A gente está fazendo dois formatos de show. Alguns arranjos vão estar um pouco diferente dos do disco, mas tem um formato em que estou mexendo mais nos loops. Não é nada parecido com a Gragoatá ou com algum show que eu tenha feito antes. Vamos ver.

TMDQA!: Você tem alguma consideração final?

Rebeca: Sou bem geminiana. Acho que falei bastante (risos). Mas queria agradecer por me darem esse espaço.