Atração do CoMA, Djonga fala sobre tempo, rap brasileiro, contradições e sonhos

Djonga se apresentará no último dia do festival CoMA, que acontecerá em Brasília neste fim de semana. Conversamos sobre sua trajetória artística até então.

Djonga no Palco Ultra
Foto por Aline Krupkoski

É inegável que o hip-hop nacional cresceu bastante nos últimos anos, especialmente a cena independente. São vários rappers que têm usado o gênero para afirmar sua existência e apontar o dedo na cara da sociedade, criticando vários de seus aspectos.

Um deles é o mineiro Djonga, que chama atenção como um dos nomes mais ativos na cena. O motivo? Sem perder a qualidade de suas mensagens, ele lançou três álbuns em três anos!

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Não é para qualquer um, certo? Em 2017, ele lançou Heresia. Em 2018, O Menino Que Queria Ser Deus ganhou destaque em várias listas de fim de ano. Fechando o “hat-trick” (termo usado no futebol quando um jogador faz 3 gols na mesma partida), Djonga lançou, na mesma data (13 de Março), o elogiado Ladrão. “Três anos, três grandes obras”, reconhece o cantor em uma das novas canções.

Com a repercussão, o rapper tem sido escalado para alguns dos mais incríveis festivais nacionais. Entre eles, está o CoMA 2019, que acontecerá neste fim de semana (2 a 4 de Agosto) em Brasília. Djonga se apresentará no domingo, mesmo dia de atrações como Fresno, Ney Matogrosso e Liniker e os Caramelows.

Crescimento na cena

Divulgação

Em um curto espaço de tempo, Gustavo Pereira Marques (nome de nascença de Djonga) foi de um simples “herege” a “Deus”. Pelo menos, é o que comprovam as letras de “Fantasma” (do álbum de estreia) e de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (de Ladrão), além do nome usado em seu Twitter.

Mas a vida de Deus não deve ser fácil. A agenda apertada fez com que conseguíssemos trocar mensagens com Djonga apenas por meio de áudios de Whatsapp. Não podemos culpá-lo. De 2017 para cá, cresceu o número de shows e, paralelamente, cresceu também o comprometimento com seu trabalho. “A rotina está ficando cada vez mais corrida, está é a verdade”, contou para o TMDQA!.

Um dos detalhes mais impressionantes em um artista que lança um álbum por ano é o fato de que ele precisa conciliar shows e composições. Ou seja, enquanto está na estrada, provavelmente está escrevendo novo material também. Apesar de considerar algo muito complexo, Djonga tentou nos esclarecer um pouco sobre seu processo criativo:

Eu vou compondo toda hora que vem a vontade. Eu acho que é meio que um chamado, sabe? Tem hora em que estou conversando com uma pessoa e ela fala uma coisa tão interessante que dá vontade de compor. Ou eu ouço o álbum novo de algum brother meu e dá vontade de compor também. Eu acho que uma das coisas que mais me inspira, fora a minha família, é o trampo mesmo. Ouvir meus amigos e pessoas que admiro fazer música, dá vontade de fazer mais música! No entanto, esse lance do processo criativo é uma coisa tão pessoal que é muito difícil falar sobre como ele funciona.

Perguntamos ao rapper como ele descreveria a evolução de sua carreira, e ele retrucou com “Eu que te pergunto”.

“Abram alas pro rei”

Isso respalda na questão humilde que Djonga carrega consigo. É necessário ter humildade para conseguir chegar ao topo sem cair. Ele falou sobre a importância de não esquecer sua origem. “Esse esquecimento pode prejudicar qualquer ser humano. Em árvore sem raiz não cresce fruto: eu tenho dito muito isso nos últimos tempos”, comentou. É preciso ser livre para se fazer o que quiser, mas existe uma questão de responsabilidade.

Para Djonga, seu sucesso é uma prova de que trabalho tem a ver com tempo. “É por causa do tempo que o Djonga se tornou esse nome tão grande para a cena do rap, para a música brasileira e para a cultura negra também”, conclui.

Existe toda uma questão de contexto que fez com que os holofotes se virassem para o mineiro. A produção musical independente mais distribuída e acessível na internet foi um desses fatores. No mais, isso trouxe à tona questões de afirmação de identidade e discursos de outras realidades. O objetivo não é apenas provocar, mas também (e talvez principalmente) fazer com que as pessoas reflitam. Existem diferentes verdades, e isso tem sido combustível para diversas discussões com temáticas sociais. É a música provando seu potencial de mudança:

Tem hora que eu acho que a gente só intensifica a reflexão de quem já pensa igual a gente, mas tem hora que eu acredito muito na mudança também. Talvez seja inocente da minha parte, ou porque costumo ouvir isso dos fãs nos shows. Todo show alguém me fala que pensava diferente e hoje concorda com a minha visão, mas visão de mundo é algo que se cria também.

Existem alguns pensamentos, algumas formas de enxergar o mundo que nascem da coletividade, mas acho que é algo meio individual também. Temos nossas questões, nossas nuances, nossas contradições, que é o que é mais interessante. A pessoa que não tem contradição não é confiável, sabe? Eu não sou capaz de confiar em uma pessoa que está sempre certinha, sabendo muito bem do que está falando. Acho que a provocação serve para estimular o que já está dentro da gente.

“Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou”

Não podíamos deixar de lado a oportunidade de perguntar sobre a incrível releitura que Djonga fez de “Moleque Atrevido”, clássico de Jorge Aragão. Em sua versão (estilizada como “MLK 4TR3V1D0“), o rapper trouxe o discurso da letra para o contexto do rap.

Questionado sobre que outras músicas ou artistas gostaria de reinterpretar, Djonga falou que faria de tudo, desde Elza Soares até Amy Winehouse. A ideia é não se restringir e continuar fazendo arte. É a veia artística, que pulsa intensamente por manifestações, que atiça outros sonhos no rapper, como o desenho:

Uma das minhas maiores frustrações é não saber desenhar do jeito que eu queria. Não que exista um padrão de desenho, mas eu queria saber desenhar para expressar a minha arte nesse âmbito também.

É essa mesma veia pulsante que fez com que o rapper conquistasse um lugar no line-up do CoMA. Convocando as pessoas para o evento, Djonga prometeu colocá-las para cima com sua apresentação. Por sinal, garantimos que a experiência ao vivo vai muito além de simplesmente contemplar a letra e os beats. “Foda-se o que eu possa dizer aqui”, disse Djonga após ressaltar o lado contemplativo da arte. “Quem não conhece, tem que ir lá ver”.

Aproveitamos a ocasião para parabenizar o rapper pelo álbum e, é claro, desejar um bom show para ele. “Tomara que seja foda. Vamos roubar”, concluiu Djonga, fazendo menção ao título de um dos melhores álbuns de 2019, a sua terceira grande obra nesse “hat-trick”: Ladrão.

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