Foto por Cadu Andrade
Textos por Tony Aiex, Ana Júlia Tolentino e Felipe Ernani
No primeiro final de semana de Agosto, entre os dias 1 e 4, rolou em Brasília a terceira edição do Festival CoMA, cujo nome traduz para Convenção de Música e Arte e representa muito bem o que aconteceu em 2019 no Complexo Cultural Brasil 21, o Gramadão da Funarte, o Planetário e o Clube do Choro, locais que tornaram-se palcos para as discussões da indústria da música e os shows do evento.
Há algum tempo os festivais de música se popularizaram mundo afora e mais recentemente houve um efeito global de “padronização” das grandes reuniões de fãs da música: line-ups parecidos, experiências similares e ideias inovadoras que não são lá tão inovadoras assim.
Com o CoMA é diferente, e além do trabalho árduo de planejamento e preparação, muito tem a ver com a deliciosa atmosfera do local, algo que obviamente é pensado pela organização mas tem grandes doses de acaso, e esse fator imponderável acabou ajudando demais o ainda jovem festival brasiliense.
Além disso, o fato de promover uma Conferência de Música na programação do Festival faz com que tenhamos discussões pra lá de relevantes e encontros necessários se quisermos que a arte siga em frente valorizando quem mais importa, os artistas.
Em um tempo onde muito se fala sobre o online e o digital, encontros ao vivo, cara a cara, “offline”, são mais que necessários.
Line-Up
Outra questão aqui é o line-up. Se você olhar para a escalação, perceberá que alguns pontos importantes foram seguidos à risca e realizados com sucesso: a programação local evidenciou muita coisa boa que acontece em Brasília e novos nomes da música brasileira (Rock, Hip Hop, MPB e mais) se encontraram com clássicos imperdíveis que abrilhantaram as noites.
Tem sido incomum encontrarmos uma escalação onde, por exemplo, tivemos uma sequência com Fresno, Luedji Luna, Joe Silhueta recebendo Odair José, Liniker e os Caramelows, Ney Matogrosso, Djonga e Francisco, el Hombre. Isso tudo com um show incrível de Pedro Luís rolando no Clube do Choro.
Um dia antes fomos de Aretuza Lovi até Camarones Orquestra Guitarrística passando por Maria Gadú, Scalene, Hamilton de Holanda Quarteto, BaianaSystem, Bandinha Di Dá Dó, Heavy Baile e mais.
A diversidade coerente, que abraça e faz sentido, se fez mais do que presente aqui.
Festival CoMA
Em um espaço incrível numa época do ano em que é difícil chover em Brasília, temos clima bom o dia todo, e apesar do ar seco (hidratem-se!) a experiência ganha muito com isso, e é possível apreciar os belos caminhos arborizados entre os palcos, os beer gardens, locais de descanso, pontos para aquela foto incrível e, é claro, os shows.
Em 2019 foram cerca de 25 mil pessoas, com o público foi bastante convidativo e enérgico, tão poderoso quanto as próprias atrações, vivenciando a troca de energias absurdamente incríveis em meio a um cenário de cartão-postal.
Vale também dar o destaque à acessibilidade e à preocupação genuína da organização do CoMA com questões sociais. Em tempos onde muita gente quer fazer bonito só pelo marketing, era visível que os profissionais por trás do festival se preocuparam com assuntos envolvendo meio ambiente, pessoas e o bem estar de todos que ali estavam.
Tivemos tradução em Libras, acesso aos banheiros que tinham cabines apenas para cadeirantes, passarelas por todo o gramado para facilitar a passagem, com auxílio de brigadistas a todo momento e mais.
Conferência
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O CoMA iniciou as atividades na quinta-feira (1) com a programação de sua conferência. Entre conversas e workshops, o festival trouxe diversas atividades ao coração da capital e explorou questões que englobam boa parte das áreas do mercado musica, além de fomentar a presença de mulheres nessa área.
Micaela Neiva conduziu uma conversa sobre carreira, criação e feitiçaria com as artistas Anelis Assumpção e Consuelo. Já na sexta-feira (2), tivemos um papo incrível sobre análise de dados, uma das ferramentas mais importantes do mercado atualmente, que contou com Luísa Martins (Time4Fun), Dani Ribas (DATASIM) e Karla Megda (Sympla), além de um workshop sobre conteúdo na era da pós-curtida, já que o Instagram alterou a função recentemente, com Carol Navarro (Supercombo), Ekena e Mariana Stabile (SHARP).
Enquanto aconteciam essas palestras, a sala ao lado recebia os pitches e showcases. O primeiro dava 5 minutos para bandas apresentarem seus projetos para organizadores de festivais e personalidades da música do Brasil e do mundo, enquanto o segundo fornecia 20 minutos para grupos tocarem suas canções e tentarem convencer esses mesmos players do mercado. Entre os nomes que mandaram ver em incríveis performances ao vivo tivemos Sound Bullet, Black Pantera, Raissa Fayet, Pata de Elefante, Kilotones, Tiju e mais.
Na parte “gringa”, os sul-coreanos da TRISS mostraram uma simpatia absurda com seu power pop e a canadense Sate fez um show explosivo que definitivamente representou um dos pontos altos do festival.
Outras conversas e atividades que abrilhantaram a feira foram a de experiências em festivais, com Franklin Costa e Carol Soares, uma aula de direito autoral com Guta Braga, um workshop incrível de marketing digital com Marina Amano (Listo) e o papo do editor-chefe do TMDQA!, Tony Aiex, com a banda Tuyo, que encerrou a programação da Conferência.
Ainda na sexta, a música começou a predominar no festival com a festa de abertura que foi realizada pela primeira vez no gramadão da Funarte, e teve apresentações incríveis de nomes nacionais como o Aeromoças e Tenistas Russas e o Forró Red Light, além da canadense Sate e a suíça Da Cruz.
Contudo, isso foi apenas um aquecimento para a intensidade que seria o final de semana. No sábado e domingo, o evento se dividiu em 5 palcos – 2 principais e 3 secundários, com experiências diferentes – e você pode conferir abaixo a cobertura de tudo o que rolou, além dos nossos registros que estão nos destaques do @podcasttmdqa.
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Primeiro dia
Os palcos principais estavam divididos entre Norte e Sul – tal qual as “asas” do Plano Piloto. As atrações tocavam alternadamente, ou seja, não houve shows simultâneos nestes. Enquanto isso, o festival trouxe uma tenda (chamada de Conexões) reformulada, misturando bandas e atrações de música eletrônica, além dos já conhecidos shows no Clube do Choro e no Planetário.
Em ambos os dias, os trabalhos começaram e terminaram no palco Sul, e a energia se renovava a cada atração. Enquanto os arredores da cidade pareciam silenciosos, o lado de dentro do festival reverberou entre gritos de protesto e muita música boa.
No sábado, Barro deu o pontapé inicial com direito a uma ciranda e um clima bastante amigável durante o show. Em seguida, Filipe Ret trouxe o trap brasileiro e levantou a galera que estava ali. No finzinho da tarde, foi a vez dos sul-coreanos da Triss – que já haviam se apresentado no showcase – conquistarem o público presente com carisma e um synthpop muito bem feito.
Ao anoitecer, a brasiliense Nãnan e sua excelente banda fizeram um show cativante e bastante conectado com a música africana. Depois, tivemos ainda apresentações de Aretuza Lovi e Letícia Fialho (com participação de Pedro Luís) antes de uma aula com o mestre Hamilton de Holanda e seu quarteto, seguido pela Scalene, que apresentou um repertório com apenas uma novidade, “Furta-Cor”, do novo álbum Respiro. O show ainda contou com participações de China, e dos percussionistas Macaxeira e Richelmy.
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Já a sempre ótima Maria Gadú cedeu espaço do seu show para um discurso importante e forte de Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Para fechar a noite, BaianaSystem e Heavy Baile fizeram o que fazem de melhor: colocaram o público para dançar noite adentro.
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A tenda Conexões cumpriu com sua nova proposta, trazendo shows com uma pegada mais dançante – como as garotas do Obirin Trio, o ótimo Sandro e o surpreendente Kafé, que fundiu uma boa performance musical com uma interessante apresentação coreografada – com a atração francesa Scratch Massive e um DJ set de Perrelli e Preta para contemplar o público de música eletrônica.
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Enquanto isso, as mulheres vinham dominando os outros locais. Raquel Reis deu início às atividades do Clube do Choro, seguida pela banda potiguar Camarones Orquestra Guitarrística; no Planetário, foi a vez das brasilienses Natália Carreira e Moara se apresentarem. Fechando esses dois palcos estavam o Gypsy Jazz Club e o Paulo Chaves, respectivamente.
O destaque da noite, entretanto, foi o penúltimo show no Clube do Choro. A Tuyo fez com que o público levasse o nome do local ao pé da letra e desmoronasse em lágrimas. Canções como “Solamento” e “Vidaloca” protagonizaram alguns dos momentos mais emocionantes que o festival já viu. A simpatia e carinho da banda ficou ainda mais visível quando, ao perceberem que muita gente ficou de fora devido à lotação do local, resolveram tocar mais um pouco após o final do show no karaokê de um patrocinador do evento.
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Segundo dia
O domingo começou com a galera de Brasília fazendo o nome. Hodari executou o sucesso “Teu Popô” e deu uma roupagem bem interessante com banda de apoio, enquanto completava o setlist com canções que estarão em seu primeiro EP.
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Depois dele, o 2Dub traduziu vários clássicos do rock para o estilo reggae/dub e, em seguida, a Fresno tomou conta da multidão que já estava presente. A banda apresentou diversas faixas do ótimo disco Sua Alegria Foi Cancelada, enquanto a plateia entoava o coro alto e em bom som, mesmo que nem se compare à resposta de clássicos como “Quebre as Correntes” e “Milonga”. Depois de serem chamados de “emos safados” pelo vocalista Lucas Silveira, foi a vez do público acompanhar o ótimo show da Luedji Luna, que fez do seu momento palco para reflexão e muito samba.
Na sequência, os brasilienses da Joe Silhueta fizeram valer a pena estarem ali, com toda a presença ensandecida da frontwoman Gaivota Naves. Em um som psicodélico e bastante visceral, o sexteto recebeu o mítico Odair José, entoando os clássicos e recentes do disco Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio.
Destaques em festivais e shows pelo mundo também deu o ar da graça na capital do país. A estonteante Liniker e a banda Os Caramelows deu uma aula de presença e harmonia. Explodindo em tons de vermelho, a banda trouxe canções do disco novo Goela Abaixo, intercalando entre sucessos do disco Remonta e do EP Cru. Com muita dança e afeto, equilibram muito bem o show entre êxtase e calmaria.
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Nos palcos alternativos, vimos a Ellefante (vencedora do Road to Indie Week) se apresentar no Clube do Choro, seguida pela ótima Adriah e depois por Pedro Luís Vale o Quanto Pesa e Marlene Souza. No Planetário, a experiência imersa na cúpula começou com Litieh, e em seguida com as excelentes musicistas que compõem a banda de Paula Zimbres. A noite fechou por lá com os músicos virtuosos e sensíveis do Daniel Santiago Quarteto Union.
A tenda Conexões, nesse dia, deu espaço para os artistas locais. Com Beatriz Águida, Realleza, Vavá Afiouni (Passo Largo) e Karla Testa representando a cena brasiliense, apenas o colombiano Dionísio completou o line-up que passou por diversos gêneros musicais.
Chegando na reta final do festival, Ney Matogrosso mostrou por que é – e sempre será – um artista inigualável. O ícone da música brasileira deu uma aula de performance e repertório, agradando praticamente todos os presentes, e provou o quanto é maravilhoso quando ele põe o bloco na rua. Como já era de se esperar, Djonga fez um dos shows mais importantes do evento, com músicas do seu disco mais recente Ladrão, além do hino anti-racista “Olho de Tigre” que foi tão catártico quanto era previsto.
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Falando em catarse, os “Guerreiros da madrugada” da Francisco, el Hombre fecharam com chave de ouro a terceira edição do CoMA. Mais atual do que nunca, a canção “Bolso Nada” extasiou o público presente. Da mesma forma, as já clássicas “Calor da Rua” e “Triste, Louca ou Má” (que teve participação das Obirin Trio) provam de fato que a banda é realmente mestre o que rola ao vivo. Tanto em mensagem quanto em energia, esse show resumiu o sentimento de quem esteve no festival: apoteótico e representativo.
Até 2020, CoMA!