Recentemente, o TOOL finalmente disponibilizou a sua discografia para streaming. O anúncio veio em boa hora, já que a banda prepara o lançamento de Fear Inoculum, seu primeiro álbum de estúdio em 13 anos, e parece que o pessoal tem sentado a mão no play para relembrar os discos antigos.
No meio desses quatro discos de estúdio (além do EP Opiate), o TOOL tem o que talvez seja a faixa mais engenhosa da história da música. A faixa-título do disco Lateralus, de 2001, é composta por 9 minutos e 23 segundos de complexidades musicais e matemáticas que dão à canção um status de obra-prima.
Sequência de Fibonacci
Um dos conceitos mais interessantes que o TOOL explora em “Lateralus” é o uso da sequência de Fibonacci. Essa série numérica é iniciada pelos algarismos 0 e 1 e, depois destes, descobre-se o número seguinte ao somar os dois anteriores: o terceiro seria 1 (0+1), depois 2 (1+1), 3 (1+2), 5 (2+3) e assim por diante. Para nós, o que importa é a sequência 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13 – ou seja, os sete primeiros “passos” dela.
A banda encontrou duas formas geniais de explorar essa ideia e a primeira foi por meio da letra. As sílabas cantadas por Maynard James Keenan vão formando uma sequência de Fibonacci, como podemos observar a seguir:
[1] black [1] then
[2] white are
[3] all I see
[5] in my infancy
[8] red and yellow then came to be
[5] reaching out to me
[3] lets me see[2] there is
[1] so
[1] much
[2] more and
[3] beckons me
[5] to look through to these
[8] infinite possibilities[13] as below so above and beyond I imagine
[8] drawn outside the lines of reason
[5] push the envelope
[3] watch it bend
Já a outra forma talvez seja ainda mais interessante e, para apreciá-la, precisamos primeiro entender o que acontece quando representamos a sequência de Fibonacci graficamente. Se criarmos quadrados cujos lados são os números da série numérica, obtemos como resultado uma espiral, como podemos ver abaixo.
Espirais
Na música, o TOOL explora a questão das espirais constantemente. Maynard canta alguns versos com menção a isso: “Swing on the spiral of our divinity and still be human” (“Balançar na espiral de nossa divindade e ainda ser humano”) e o emblemático “Spiral out, keep going” (“Mova-se em espiral para fora, continue se movendo”) do final.
Além disso, os compassos identificados no tema principal da faixa também fazem um movimento espiral: iniciando em 1:12, temos, em sequência, três compassos com os tempos 9/8, 8/8 e 7/8 respectivamente que se repetem algumas vezes. Esse toque provavelmente tem o dedo do baterista Danny Carey, que é um estudioso da geometria sagrada e cujas crenças certamente influenciaram bastante a composição dessa música.
Mais ainda: o número 987 é também parte da sequência de Fibonacci, sendo o décimo sexto passo desta.
Proporção áurea
Mas a espiral da sequência de Fibonacci é mais especial do que o normal. Ela é conhecida como espiral dourada pois se relaciona com a famigerada proporção áurea, o número obtido quando dividimos uma linha em duas partes de forma que possamos igualar a divisão da parte maior pela menor com a da linha toda pela parte maior. Representada pela letra grega Phi, a proporção tem um valor aproximado de 1,618.
Em mais uma sacada detalhista e sensacional, os vocais de Maynard começam aproximadamente na marca de 1 minuto e 37 segundos de “Lateralus” – que, convertido para minutos, totaliza 1,618 minuto de música.
Poliritmia?
Nem toda a matemática usada pelos caras é simbólica; às vezes, é apenas genialidade musical. Na marca de 4:48 de “Lateralus”, ocorre uma pausa que deixa, inicialmente, apenas o baixista Justin Chancellor tocando uma sequência simples de notas em cima de um compasso 6/8.
No entanto, os elementos vão se adicionando e formam uma espécie de confusão rítmica entre baixo, bateria e guitarra. Isso acontece porque, aos 4:56, Danny Carey adiciona um padrão de chimbais em 5/8 e, aos 5:04, o guitarrista Adam Jones entra com um outro riff em 6/8. A soma de tudo isso é o que cria essa falsa sensação de poliritmia!
Esta fusão soa conflituosa aos nossos ouvidos – como se alguma das partes estivesse fora do tempo – e cria uma tensão que é resolvida aproximadamente aos 6:20, quando os dois compassos diferentes atingem uma igualdade de notas somadas: as cordas fizeram 20 compassos de 6 tempos (20×6 = 120) e Danny tocou 24 compassos de 5 tempos (24×5 = 120), ou seja, ambos tocaram um total de 120 tempos.
Essa sensação também acaba se associando à espiral, uma vez que esse pedaço da música causa a impressão de que Danny estaria “correndo atrás” de seus companheiros, como uma espiral em constante expansão.
“Lateracci” Mix
Existe ainda uma teoria corrente na internet de que o TOOL lançou o disco com a tracklist fora da ordem original em uma espécie de desafio aos fãs. A ideia, segundo os quase-conspiracionistas, seria que os fãs entendessem o conceito matemático do disco e então produzissem uma nova ordem para as faixas.
Essa ordem ficou conhecida como “Lateracci” (Lateralus + Fibonacci) e consiste em pegar a faixa central (a sétima, nesse caso), “Parabola”, e desenhar duas espirais a partir dela: uma para fora e uma para dentro. Como essa faixa é quase que uma só com a anterior, “Parabol”, a primeira espiral consistiria em 6, 7, 5, 8, 4 e 9 e a segunda seria 13, 1, 12, 2, 11, 3, 10.
De acordo com os fãs, esse novo “mix” do álbum traria transições quase imperceptíveis entre as músicas e faria muito mais sentido. Assim, o tracklist definitivo do disco Lateralus seria 6, 7, 5, 8, 4, 9, 13, 1, 12, 2, 11, 3, 10 sendo que cada número representa a posição original da faixa. A imagem abaixo (clique para ampliar) ajuda a entender melhor:
Mensagem
Popularizada principalmente por ter sido usada por artistas como Leonardo da Vinci em obras famosas (“A Última Ceia”, por exemplo), existe uma associação quase inexplicável entre a proporção áurea e o conceito humano de beleza.
É difícil saber se essa é a explicação racional para o charme de “Lateralus”, mas o fato é que a faixa é uma das obras-primas da música moderna. Com essa música, o TOOL nos propõe parar de viver a vida de uma forma linear e passar a vivê-la de forma “lateral”, como uma espiral áurea, nos desenvolvendo e evoluindo infinitamente.
Ao final da matéria, você pode escutar a canção e observar o resultado de todo esse detalhado e cuidadoso processo de composição.
TOOL
Depois de tudo isso, não é nenhuma surpresa que o TOOL tenha passado 13 anos até anunciar que seu próximo disco, Fear Inoculum, será lançado no dia 30 de Agosto. O primeiro single do novo trabalho (a faixa-título) já foi disponibilizado e mostra que a banda promete fazer jus à espera.
Aliás, essa demora tão grande está deixando até os fãs da Taylor Swift assustados: a cantora pop lançará seu novo disco uma semana antes dos caras e algumas pessoas estão preocupadas que o desempenho comercial de Taylor possa ser ofuscado.
E, se você gostou das aventuras matemáticas da banda, fique tranquilo que vem mais por aí. O guitarrista Adam Jones revelou em entrevista recente que o novo álbum tem um conceito que gira em torno do número 7, além de ter revelado o número de faixas e a duração da obra.