Vem coisa boa por aí, hein!
Vitor Isensee, conhecido por seu trabalho nos grupos Forfun e BRAZA, está dando os primeiros passos de sua carreira solo. Mas se está pensando na sonoridade de algum dos grupos, você se enganou feio.
Para Vitor, a música é um suporte para a sua grande especialidade: as palavras. Isso permitiu que se arriscasse por conta própria em novas sonoridades. Os mais de 15 anos de experiência na área o levaram a um novo projeto, sob a identidade artística IZENZÊÊ (que, na verdade, é a pronúncia correta de seu sobrenome).
Atualmente, Vitor está preparando sua estreia solo com a divulgação do álbum Vida E Nada Mais, com produção de Tomás Tróia, que será lançado ainda este ano! Como forma de aquecimento, ele disponibilizou no último mês a primeira prévia do disco, a faixa “Alfazema e Aguarrás“.
“O meu lance é a escrita, sabe?”
Tivemos a oportunidade de conversar por telefone com Vitor, que nos falou sobre a produção desse novo projeto, sobre antropofagia e sobre suas inspirações. Ele até nos adiantou, com exclusividade, um trecho de uma canção ainda não divulgada.
Ficou curioso? Confira a entrevista na íntegra abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=BwcJiZGZwwQ
TMDQA!: De onde surgiu a ideia de um projeto solo? Há quanto tempo você tem esse objetivo?
Vitor Isensee: Já tem um tempo que eu tenho vontade de fazer alguma coisa solo na música. Mal ou bem, existe um trabalho meu individual através dos meus livros de poesia. É uma mídia diferente, um outro suporte, mas, de certa forma, já foi uma estreia solo. De certa forma, eu estava a fim de tomar as decisões sozinho e, quando errar, ser o único responsável. Mais do que isso, eu acho que a substância artística, o lance que eu estava fazendo ali, não caberia em nenhum outro suporte, seja ele o BRAZA ou um livro. Era algo que eu queria dar vazão por mim.
TMDQA!: Como se deu a escolha de Tomás Tróia como produtor do disco?
Vitor: Quando começou o ano, eu coloquei isso como meta: lançar um EP. A princípio, quem ia produzir era o Sebastian (Piracés-Ugarte, da Francico, el Hombre), mas vimos que seria meio inviável, já que ele é de São Paulo e eu do Rio. Aí decidi fazer com alguém daqui mesmo. Chamei o Tomás, que já conhecia há alguns anos, desde a época do R.Sigma. Ele aceitou, e isso deu início a um segundo momento da história. Ele criou algo super original que casou bem com as coisas que escrevo. Foi uma surpresa legal, porque acabou que fizemos o disco juntos.
TMDQA!: Você tem, além de suas obras musicais, dois livros publicados (“Vivas Veredas” e “A Todo Pano”). Como é viver da arte de forma ampla, consumindo várias de suas vertentes?
Vitor: Eu acho que, no fundo, foi algo que eu me dei conta durante o processo deste disco. A minha grande habilidade, sem falsa modéstia, é com a palavra, com a comunicação. O meu lance é a escrita, sabe? A música vem como um suporte. Eu acho que, claro, tenho jeito para criar melodias, refrães, flows, métricas… Mas eu não sou um cara que vai sair tocando um instrumento maravilhosamente bem. Eu sei tocar, mas a música, para mim, é mais um veículo do que exatamente a minha primeira paixão. Quando eu publiquei os livros, percebi que eles também são o suporte, de forma mais explícita, já que é a palavra ali. É meio natural.
“Nada que eu nunca tenha feito antes, mas agora de uma forma mais intensa e pessoal”
TMDQA!: A capa do álbum me remete à questão do elemento água. Como esse suporte foi pensado?
Vitor: Eu sou pisciano (risos). Não sei se isso influencia, mas acho que sim. O ambiente de água sempre foi muito bom para mim. O mar é uma válvula de escape. Eu cresci no Rio e tive o privilégio de crescer relativamente perto da praia. É algo que sempre esteve presente na minha vida. Eu fui percebendo que é uma paleta de cores que eu sempre gostei de usar. Enquanto estudava pintura, essas cores sempre apareciam. Eu percebi essa influência quando comecei a fazer o disco, e quis dar esse enfoque de maneira cautelosa, sem deixar a estética estereotipada, já que a água e o mar já foram cantados milhões de vezes.
TMDQA!: O álbum fala sobre o mistério da vida e sobre as peculiaridades da existência. Como um ótimo poeta, que temáticas circulam as letras do novo disco?
Vitor: Sendo bem objetivo, acho que é a tríade que acho que me acompanha há um tempo. Tem a questão existencial e filosófica de “Por que estamos aqui?”, com todo o drama e gozo que é ser um ser humano. Tanto que o nome do disco é Vida E Nada Mais. Existe também uma questão política e social sobre tudo que está acontecendo, que está ali em várias letras do disco. A terceira via, que talvez esteja mais escondida, é a coisa do amor conjugal. Passeia por aí.
E acho que todos esses assuntos são tratados por um ponto de vista que eu gosto de adotar sempre que escrevo, que é me botar no olhar de um cronista. Assim, eu tento convidar a pessoa a refletir sobre o que ela está ouvindo. No fim das contas, estou colocando para fora o que eu tenho vontade de exprimir. Nada que eu nunca tenha feito antes, mas agora de uma forma mais intensa e pessoal.
“O quarto grande momento antropofágico na cultura brasileira”
TMDQA!: IZENZÊÊ é um nome artístico diferente baseado no seu nome real, que tem origem alemã. O jeito que se assemelha a palavras tupis remete muito à cultura antropofágica que marca a nossa música. Como isso vai estar refletido na estética das músicas? O que você pode nos adiantar sobre as novas canções em termos de sonoridade?
Vitor: Acho que a principal influência, em termos de sonoridade, é o lance do future bass, que conheci através do Tomás. Virou uma sub-vertente do future house e está surgindo em todos os lugares do mundo. O Tomás, sempre atualizado em relação à cena eletrônica, viu que uma coisa casava com a outra. Não é exatamente um estilo brasileiro, mas tentei, ao longo do processo e principalmente através das letras, trazer para a realidade do Brasil.
Eu fui percebendo, ao longo dos anos, que curto explorar as possibilidades da língua. Até porque o nosso português é um idioma muito rico e tem muita coisa a ser explorada. Precisamos valorizar a nossa língua. Acho que, nisso aí, também cabe uma antropofagia. E é muito legal você perceber isso do nome. É a pronúncia do meu sobrenome. A maioria das pessoas nem sabia que era assim. É a pronúncia de uma palavra em alemão, cultura com a qual eu não tenho nenhuma ligação, mas que, por acaso, tem um fonema que me remete a uma coisa iorubá ou tupi. É uma tentativa de subverter isso, para dar essa ênfase na questão da mistura.
TMDQA!: Você falando disso da métrica, me remeteu à questão da Tropicália. É uma mistura que, no fundo, é o Brasil.
Vitor: Total, cara! Eu acho que, hoje em dia, a gente vive o quarto grande momento antropofágico na cultura brasileira. Primeiro é o Modernismo, com Oswald de Andrade, Tarsila de Amaral e afins. Pouco depois, veio a Tropicália, que leva isso a um outro extremo, da música e do cinema. Depois, eu considero como o terceiro momento o Chico Science. Junto à Nação Zumbi, eles trazem novamente essa ideia, com o maracatu e o hip-hop. Agora estamos vivendo um novo momento muito doido disso tudo. Tem relação com a questão da globalização, e tem muito a ver com o que está sendo feito no Brasil todo atualmente, com talvez mais força na Bahia, com o pessoal do BaianaSystem, do ÀTTOOXXÁ…
Influências, participações e evolução
TMDQA!: Levando em conta o seu processo criativo para desenvolver o álbum, quem você considera suas maiores influências?
Vitor: Para o trabalho, tem muito a coisa do future bass e algo do vaporwave, que tem a ver com o estilo de produção do Tomás. É um disco que, essencialmente, é de rap, por causa da forma do flow. Em termos de letra e das coisas que ouço, tenho referências como Kendrick (Lamar), J. Cole, Anderson.Paak, Mick Jenkins, The Internet, Saba… Já no Brasil, eu acabo remetendo o trabalho, enquanto escrevo, a nomes como o Djonga, o Sabotage e o Mano Brown. E tem muito da música mais antiga brasileira, que é algo que eu também ouço muito. João Donato, João Bosco, Aldir Blanc, Milton Nascimento…
TMDQA!: Além da produção de Tomás Tróia, que outros nomes participam do disco?
Vitor: Tem alguns feats! Tem uma música com o Lucas Castello Branco, e já queremos fazer algo junto há um tempo. Tem uma outra com a Duda Beat, que também chegou a um resultado bem legal. Tem uma que vai ser assinada como um feat com o Tomás, porque ele já tinha a música pronta. É a minha favorita do disco. Tem a Luê, que conheci através da galera da Francisco. Ela canta muito e é uma pessoa muito legal. Por último, mas não menos importante, tem uma participação de um moleque da nova cena que eu acho incrível: o Morcego. Ele já tinha feito algumas coisas com o BRAZA, e acabamos super amigos.
TMDQA!: Desde a época do Forfun até hoje, passando por toda a experiência que você foi tendo enquanto artista, como você avalia a sua evolução?
Vitor: Eu evoluí em muitos sentidos desde o início da minha trajetória. Eu acho que eu escrevo melhor hoje, por reflexo da minha vida e dos meus estudos. Hoje eu tenho um pouco mais de clareza em relação a duas coisas que considero muito importantes. Uma é a questão do conceito do trabalho. A segunda coisa é essa consciência de que a arte que produzo não é exatamente a minha pessoa. Essa consciência me libertou de muita coisa, e até hoje preciso ter isso em mente para não entrar em algumas nóias. Aquilo é uma expressão, algo que saiu de você, mas não é você. Até por conta disso, eu quis criar um outro nome para esse projeto, para deixar essa separação explícita para mim.
TMDQA!: Para finalizar, pode nos adiantar algum trecho da poesia do novo álbum? Estamos certamente ansiosos pelo o que você tem a nos dizer com essas canções novas.
Vitor: Claro:
“A Pomba Gira avisando, o açaí derretendo
A consciência falando, a dor da Vida doendo
A Vida é boa pra mim até onde eu me lembro
Pegar a estrada final de Dezembro
Apenas sou, e agora sim vi
Eu sei da luta de classes, mas eu não vou desistir
A gente chora que chora, até que chora de rir”