Entrevistas

Conversamos com a banda portuguesa PAUS, atração do Bananada, sobre as colaborações entre Brasil e Portugal

O EP LXSP, lançado este ano, conta com participações ilustres de Dinho (Boogarins), Maria Beraldo, Edgar e produção de Guilherme Kastrup.

PAUS
PAUS no Red Bull Studios, em São Paulo, Foto: Felipe Gabriel

Conforme os avanços tecnológicos facilitaram a produção musical, percebeu-se que os limites ficaram cada vez menos ameaçadores. Uma vez em uma plataforma de streaming, a sua música pode ser ouvida pelo mundo todo. Isso também facilitou a criação de pontes que deram origem a frutíferas colaborações internacionais.

O Brasil tem visto isso não apenas no cenário mainstream (vide o fenômeno Anitta), mas também na cena mais underground. Outros gêneros têm se beneficiado desse novo mundo da produção fonográfica. Um dos melhores exemplos disso é a cada vez mais forte ligação cultural entre Brasil e Portugal.

Com um grande território em comum, que é a linguagem, os dois países têm encontrado bastante espaço para trocas entre si. Aliás, tem sido cada vez mais comum vermos artistas brasileiros indo fazer shows em Portugal. Desconsiderando um oceano que nos separa dos portugueses, as trocas têm ficado cada vez mais fáceis, e com resultados cada vez melhores.

Por falar nisso, temos aqui um exemplo bastante interessante. Recentemente, o grupo português PAUS lançou o EP LXSP, que conta com participações de artistas brasileiros. Com produção de Guilherme Kastrup, o material foi gravado em São Paulo, e traz as vozes de Dinho (do Boogarins), Maria Beraldo e Edgar.

 

“Queríamos uma matriz diferente”

A PAUS se apresenta neste final de semana no Festival Bananada. Já familiarizados com o Brasil (aliás, gravaram aqui), eles se apresentam no mesmo dia de artistas como Tuyo, Duda Beat, Pitty e Boogarins (será que rola um feat. ao vivo com o Dinho)?

Tivemos a oportunidade de conversa com Hélio Morais, vocalista e baterista do grupo. O papo se desenvolveu sobre a visão do músico sobre as colaborações entre Brasil e Portugal e sobre as cenas musicais de ambos os países.

Confira abaixo:

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PAUS no Red Bull Studios, em São Paulo, Foto: Felipe Gabriel

TMDQA!: O EP foi produzido por Guilherme Kastrup, um grande produtor musical e percussionista brasileiro. Vocês já trabalharam juntos antes? Como se deu o primeiro contato?

Hélio Morais: Foi um momento em que pensamos “E se a gente convidasse esta pessoa para o disco?”? Uma pessoa vem e diz que isso é impossível, porque a pessoa é super grande e não vai ter agenda. Mas pegamos o telefone, ligamos e ele topou. Às vezes é bom tentar. Por mais que seja distante e pareça complicado fazer uma parceria. Em última análise, as pessoas são pessoas.

TMDQA!: Como foi a experiência de gravar em São Paulo? Pelo título e energia da faixa “Perdidos em SP”, me pareceu ser uma experiência um tanto diferente.

Hélio: Nem todos nós já tínhamos ido a São Paulo antes. Eu já, porque tenho bons amigos na cidade. O Marco Antônio já tinha estado em São Paulo há uns 15 anos, mas para uma visita rápida. Fizemos “Perdidos em SP” porque nos deparamos com tanta coisa acontecendo, tanto artística quando politicamente. Nos primeiros dias, enquanto banda, foi uma avalanche de coisas para assimilar e perceber como aquela experiência nos tocou. A ideia era ir para São Paulo com a intenção de nos perdermos mesmo, para encontrarmos outros caminhos. Por isso que é um disco colaborativo. Os PAUS normalmente são estas quatro pessoas que compõem junto, mas que nunca tinham feito um trabalho completamente colaborativo. Nós queríamos perder a noção do que somos normalmente. Queríamos uma matriz diferente.

TMDQA!: O EP conta com participações de Maria Beraldo, Edgar e Dinho (Boogarins). Vocês já conheciam o trabalho deles antes? Como vocês se conheceram e de onde surgiu a ideia de fazer tais parcerias?

Hélio: O Dinho foi de imediato, porque já tivemos contato antes. Já tínhamos colaborado com o Boogarins. Em 2018, eles estiveram em Lisboa para um show, e nos convidaram para uma participação. Fazia todo o sentido que o Dinho fosse um dos convidados para o EP. O Quim (Albergaria, baterista) tinha ouvido o som da Maria Beraldo e gostado muito. Ficamos sabendo que ela tocaria em Lisboa, e tivemos a ideia de convidá-la, mas não sem a conhecer pessoalmente antes. Fomos ver o show dela e conversamos com ela e com sua empresária. Rolou tudo direitinho. Já o Edgar eu conheci este ano. Fomos apresentados e rolou uma empatia muito grande. Como estávamos querendo construir o EP com pessoas com quem temos afinidade, ele se tornou uma ótima escolha. O pessoal topou.

TMDQA!: Com que outros artistas brasileiros vocês teriam interesse em fazer parcerias?

Hélio: O Pupilo é um produtor com quem também gostaríamos de trabalhar algum dia. Estamos trabalhando em um álbum novo, mas acho que nossas agendas não batem. Agora, em relação a colaborações, há muitas bandas que eu gosto muito. Eu adoro O Terno, por exemplo, mas não sei se faria sentido com os PAUS. As quatro primeiras pessoas em quem pensamos para colaborar conosco foram justamente essas, e todas toparam de primeira. Isso já é um privilégio incrível. Existem nomes maiores que eu curto também. Criolo, Pabllo Vittar, Linn da Quebrada. Há tanta coisa boa do Brasil chegando aos nossos ouvidos que fica difícil escolher só uma.

 

“Uma galera mais alternativa do Brasil já entendeu como vir para cá e mostrar a sua música”

TMDQA!: Vemos uma aproximação cada vez mais natural entre a música de Portugal e a música brasileira. O que vocês mais gostam da música feita aqui? Por que essa parceria de países está cada vez mais presente em termos musicais?

Hélio: Não falo isso baseado em dados ou estudos, mas é o que eu sinto que. Essa coisa de o Bolsonaro ter ganhado as eleições assustou muita gente, muitos artistas. Por causa disso, muita gente veio para cá, e eu imagino que o simples fato de existir em meio a tudo isso seja meio complicado. Por outro lado, sabemos o posicionamento do presidente sobre cultura e sobre incentivos para a cultura. Fora isso, sinto que, no passado, a maior parte dos artistas brasileiros que vinham para Portugal eram artistas maiores e mais mainstream. Acabava que rolava parcerias entre os artistas populares do Brasil com os daqui.

No atual momento, uma galera mais alternativa do Brasil já entendeu como vir para cá e mostrar a sua música. Este ano, aqui teve Teto Preto, Edgar, Jaloo… Naturalmente, há muito mais bandas alternativas do que há mainstream. Ou seja, as possibilidades de colaboração são muito mais diversas. Talvez seja por isso que esteja acontecendo uma troca cultural maior entre artistas brasileiros e portugueses. Enquanto artista, eu me sinto privilegiado de poder contemplar outras linguagens. A música europeia está muito enraizada na anglo-saxônica, e estes artistas brasileiros que vêm pra cá têm coisas muito interessantes. É muito bom viver este momento.

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TMDQA!: Existe uma questão também de que casas portuguesas estão abrindo portas para os novos artistas brasileiros. Às vezes, pode ser mais fácil fechar um show por aí do que aqui mesmo.

Hélio: É incrível também por outra razão. É claro que houveram bandas alternativas que já colaboraram antes. Eu lembro da parceria entre Toranja e Los Hermanos, por exemplo. No entanto, como no passado as colaborações eram mais mainstream, eu acho que existia a sensação, por parte dos portugueses, de que não havia uma vontade muito grande por parte dos brasileiros para que artistas portugueses fossem para o Brasil. Esta ida para São Paulo foi muito importante para entendermos que não é assim.

Acho que a questão, na verdade, é outra. Isso deveria ser visto ao contrário. Nós conseguimos nos colocar no Brasil? Não. A dificuldade é esta. Houve uma grande política cultural. No passado, criaram-se estruturas para que qualquer artista pudesse vir à Europa, por exemplo. Já do nosso lado, não havia esses incentivos, da mesma forma que continua não existindo. Há muito pouco incentivo para cultura nesse ponto de vista. É mais do que uma questão de ser algo mútuo. É questão de ter que encontrar os meios para maior apoio da cultura. São coisas pontuais.

 

A cena de Portugal

TMDQA!: Aqui no Brasil, por sinal, vemos o crescimento de uma cena musical cada vez mais inventiva e interessante. É assim aí também?

Hélio: Durante muitos anos, o rock tomou conta da cena musical daqui. Isto no universo mais pop. O David Fonseca, por exemplo, faz um pop rock. Era um dos artistas mais conhecidos, tal como Pedro Abrunhosa. Esta coisas dos artistas pop se assemelharem mais com os artistas pop “lá de fora” é uma coisa mais recente que tomou muito espaço. Mas é isto: se as pessoas ouvem, tem que estar presente. A verdade é que, neste momento, há uma cena muito em volta do beat making. Antes, Beyoncés e Rihannas não tinham espaço por aqui. Hoje me dia, não é bem assim. Temos a Blaya, o Dino D’Santiago, o Prodígio, o Plutónio… É uma nova cena, misturada. O trap também está muito forte por aqui, com Sam The Kid, Regula e mais.

Mas as bandas de rock mais antigas continuam com seu espaço. Existe também uma outra galera crescendo, como a Capitão Fausto. Apesar de ser tipicamente rock, eles são a última banda daqui a quase chegar a um nível mais popular. Depois, em níveis um pouco menos abrangentes, temos Linda Martini, The Legendary Tigerman, os PAUS também. A cena indie rock é grande também.

TMDQA!: A exemplo não só dos artistas brasileiros, até que ponto, nos dias de hoje, fronteiras de países podem limitar a possibilidade de parcerias internacionais? Digo, até que ponto estamos, ao nos fecharmos em fronteiras, estamos perdendo a chance de parcerias frutíferas?

Hélio: Eu não sei até que ponto nos perdemos. Às vezes, nem tem a ver com fronteira física, mas sim com indústria. Nós fizemos muita tour na Europa. Para resultar em algo substancial, implica em um esforço muito grande. Eu lembro que, em 2014, os PAUS fizeram uns 60 shows pela Europa. Eu lembro que das apresentações todas, eu devo ter faturado muito pouco. É preciso um grande investimento, não só monetário como também um investimento pessoal. Por aqui, tocar fora rende um cachê menor do que tocar em casa. É necessário fazer, mas o fato de estarmos distante do centro da Europa nos prejudica.

Uma banda de Luxemburgo, por exemplo, consegue todos os fins de semanas fazer um festival em vários lugares. Já uma banda portuguesa precisa entrar em tour durante um mês para conseguir renda. O cachê é quase todo consumido só com os voos. Fica complicado criar mais ligações com mais artistas em outros países porque a própria logística e a forma como a indústria está montada giram muito ali pela Inglaterra e pela França. Implica um esforço pessoal muito grande.