Entrevistas

Colibri vai do rock progressivo à música nordestina em disco de estreia; ouça

Disco é inspirado no cancioneiro nordestino e no rock progressivo, além de contar com uma interessante narrativa dividia em momentos diferentes.

Colibri
Foto: Laryssa Machada

Colibri é um artista multifacetado. Mesmo tendo trabalhado com diversos gêneros musicais, o produtor, cantor e compositor baiano nunca escondeu suas influências nos clássicos.

Misturando influências que vão desde os Beatles até Geraldo Azevedo, Colibri lança, com exclusividade do TMDQA!, o seu primeiro registro solo. Trata-se do álbum Canto de Colibri, que mistura influências do rock progressivo com elementos do cancioneiro nordestino.

Em um disco para lá de imersivo, o compositor a sua individualidade através de um jeito afetuoso e familiar. Ao mesmo tempo, no entanto, convida o ouvinte para experimentar uma universalidade própria, através de uma ambientação confortável que evoca imagens de tranquilidade.

 

Sentidos e texturas auditivas

Com produção de Tiago Simões, o disco é dividido em quatro momentos diferentes, que estão interligados. Começa em rio/céu, vai para mata/caverna, depois para chuva/vento e encerra em tempo/além. O resultado é um disco rico, sensível e atento aos detalhes.

Acompanharam o músico nas gravações os colegas Rodrigo Santos, Levi Vieira, Victor Vogel, Bernardo Passos e Gabriel Burgos. Vale destacar que o instrumental é de suma importância para o conceito do projeto.

Conversamos com Colibri sobre sua trajetória artística e sobre o álbum. Confira abaixo o nosso papo, tal como o álbum na íntegra no player!

TMDQA!: Queria ouvir de você sobre a divisão do disco em momentos. Como isso foi pensado?

Colibri: O processo todo do disco partiu da ideia de explorar o universo dos sentidos e das texturas auditivas que as músicas contemplam. A ideia da divisão das faixas no disco é mostrar uma paisagem, um mundo de um universo contido no disco, com sua dinâmica própria, em que determinados elementos são representados em músicas, formas de interpretação e sentimentos que estão embutidos nelas. Dividir os elementos pelos quais o disco perpassa vem com essa mensagem de tentar criar um mapa musical. Eu sempre tive uma ligação muito forte com a experiência de fechar os olhos e colocar o fone de ouvido. Assim você começa a imaginar o mundo que tal álbum está te apresentando. Eu sempre fui apaixonado por isso e, como eu acho que isso está presente em todos os discos que considero muito bons, eu tentei trazer isso para o meu.

TMDQA!: Tem “quês” de Lô Borges, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Geraldo Azevedo… Tem muito da música brasileira dos anos 70, mas traz também elementos de rock progressivo e toques percussivos inspirados pela música africana. O que o levou a desenvolver essa sonoridade, justamente com essas referências?

Colibri: Para mim, foi uma coisa de despertar as próprias influências enquanto me apropriava da minha linguagem enquanto músico. Isso me faz passar por todas as coisas que já ouvi com meu pai quando era criança, ou as coisas que estavam nos vinis da minha tia. Aí fui descobrindo uma linguagem que meio que hoje faz parte da minha essência. Eu acordei para uma brasilidade que é minha. Antes eu fazia um som mais voltado para o rock progressivo, que também tinha a ver comigo, mas esse projeto me ajudou a abrir os horizontes. Eu tentei mesclar essas influências de uma forma sincera para mim. Para mim, a soma dessas duas vertentes, que são o sentimento de vanguarda na sonoridade e o sentimento de familiaridade na voz, compõem o universo do CD.

Fomos construindo a sonoridade aos poucos. O processo, para mim, é algo que vai sendo vagarosamente construída. Temos um timbre específico para o violão, e esse timbre vai ser específico para uma música específica. Foi uma composição onde eu já tinha todas as músicas na voz-e-violão e depois fui agregando elementos.

Eu cresci em Alagoinhas, no interior da Bahia, rodeado de músicos de barzinho, que eram pessoas estupidamente talentosas que, infelizmente, não tiveram a oportunidade de viver o mercado da música de uma maneira intensa, mas que traziam uma verdade muito grande no que expressavam, por mais que fossem intérpretes. Essa parada de se apropriar da sua voz enquanto artista foi o ponto de partida da busca inteira do disco. Tudo foi muito pensado para o disco, a partir de referências de timbre e sonoridade. Foi uma coisa de lapidar um caminho próprio, com tempo, calma e paciência.

TMDQA!: Para você, como que a rebuscada sonoridade contribui para a narrativa do álbum?

Colibri: Esse sempre foi um receio para mim, de eu estar enxergando algo que não consegui transmitir para as pessoas. Cada vez mais, eu tenho percebido que as pessoas entenderam que o disco é ligado entre pontos. Eu acho que essa coisa do mapa musical surgiu até depois de pensar a lógica de como as músicas iam trabalhar juntas. É um disco que tem muitos silêncios e momentos de descanso para a imaginação. Ao mesmo tempo, é um disco muito colorido e cheio de detalhes. Eu tentei distribuir esses silêncios de uma forma que tornasse o ouvido de quem está ouvindo mais atento ao detalhe que virá depois.

Por exemplo, depois de “Sossego”, tem “Chá Rosa + Limonada”. “Sossego” é uma música sobre estar próximo de quem ama, sobre estar próximo de pessoas importantes. Já a música seguinte fala da minha relação afetiva com minha família e sobre o comportamento deles. Ela não é exatamente sobre o sentimento de sossego, mas ela se confecciona pela melancolia e pela sonoridade. As músicas estão ancoradas umas nas outras.

TMDQA!: É como se cada música encaminhasse o ouvinte para o que está por vir no disco.

Colibri: Já que hoje é muito difícil fazer com que uma pessoa ouça um disco inteiro, eu tentei fazer com que algumas músicas acabassem subitamente e que outras tivessem ligação com a seguinte para causar alguma sensação. Às vezes a passagem de uma música para outra é tão perfeita que você pega para ouvir, sabe? É como se a voz e a banda fossem um barquinho e a sonoridade fosse o rio. Por mais que estejamos falando sobre coisas diferentes e sejamos pessoas sujeitas a mudanças de pensamento, o barco continua o mesmo, no mesmo rio. O disco traz essa unidade. As músicas tinham universos diferentes. Tem muito instrumental no disco também. Eu tentei subverter essa lógica de a imagem do cantor ser o centro da atenção em um projeto, sabe? Eu quero que a música fale por mim mais do que qualquer coisa.

 

“A ideia é uma conversa”

TMDQA!: Ouvir o álbum nos remete também a uma atmosfera misteriosa, que se camufla em riffs de violão e melodias transcendentais. O que você espera do público em relação à recepção do disco?

Colibri: Eu tenho pensado bastante sobre isso recentemente. Depois que acabou o processo de gravação, eu tentei me despir das minhas expectativas, no sentido de tentar deixar isso aberto a qualquer pessoa que esteja disposta a ouvir a mensagem que ele tem para passar. Quando eu era mais novo, tinham discos que eu não ouvia simplesmente porque a mensagem não estava chegando para mim. Muito tempo depois, a minha atenção se voltava para aquele artista de uma maneira muito poderosa, e assim eu conseguiria me relacionar com o disco. Isso prova que não existe barreira para a compreensão da música se não a nossa própria compreensão. O que eu espero das pessoas é que elas se sintam convidadas a analisar a música de uma forma diferente.

Eu acho que a música tem essa capacidade, e eu gostaria que ouvissem o meu disco com essa disposição de serem tocadas eventualmente. Ouvir como se estivesse sentando para conversar comigo, e não como se estivesse para ouvir o novo disco de uma grande estrela. Acho que não é bem por aí que o caminho da música me leva. A ideia é uma conversa, como estou fazendo agora com você.

TMDQA!: Como você nos descreveria um show desse seu projeto?

Colibri: Começamos com instrumental e vamos aproximando aos poucos da letra. Geralmente a gente apresenta o disco mais ou menos na íntegra, mas tem mudanças. O show tem jams com a banda, interpretações que os caras fizeram também para a minha manifestação. Eu descreveria o nosso show como uma experiência atenta aos detalhes, com uma atmosfera tranquila. É um show que você pode assistir sentado ou em pé. A gente faz uma experiência de explorar até onde as melodias vão na nossa criatividade, sabe? Os meninos não estão ali só executando o que eu criei. Muito pelo contrário: eles criaram muita coisa para o disco, e já mudaram essas coisas para o ao vivo. Apesar de ser um projeto solo, os meninos engrandecem muito a obra. Eu não acho que seria a mesma coisa sem a experiência que tivemos.

Colibri
Foto: Laryssa Machada

TMDQA!: Querendo conhecer você um pouco melhor, qual ou quais discos você considera um verdadeiro amigo? Que discos que você vai carregar para sempre consigo?

Colibri: Tem muito disco que eu levo para a vida (risos)! Parece estou sempre aprendendo com as coisas que ouço muito. Eu não sei nem colocar isso em palavras. Recentemente, fez 10 anos do Humbug, do Arctic Monkeys. Eu tinha 12 anos quando o disco saiu, e lembro de identificar de primeira com ele. É o melhor disco deles para mim. Tem um outro disco que eu carrego para todo lado, que é o Magic Mystery Tour, dos Beatles. É como se fosse uma régua para mim, porque eu acho que ele tem um instrumental e uma ambiência foda. Você nem liga se é o Paul ou se é o John que está cantando.

Outro disco que me marca muito, apesar de ser moderno, é o Overgrown, do James Blake. Eu ouço repetidamente esse disco. Ele me toca de uma maneira absurda. Tem o Ram, do  Paul McCartney, que é o meu favorito dele, e talvez da vida. É uma inspiração para o meu modo de vida, e até para o disco. É muito parecido com o que rolou comigo. Eu tenho grande identificação com ele. Também lembrei do Tennessee Fire, do My Morning Jacket. É uma banda americana meio underground. Conheci o som deles em um episódio de American Dad.

TMDQA!: Alguma contribuição final?

Colibri: Gostaria de dizer que meus colegas de cena, aqui em Salvador, me influenciaram muito. O que tem acontecido musicalmente em Salvador nos últimos 5 anos é uma manifestação rara. Eu vi o BaianaSystem começar a ser tornar um grande nome musical na cidade. Daí em diante, a cidade se tornou algo muito diferente, com muita coisa acontecendo. Tangolo Mangos, Flerte Flamingo, Iorigun… São bandas que movimentam a cena de uma maneira massa. A cena do rap de Alagoinhas também vive um ótimo momento. Eu acho que tem muita coisa que a galera ainda não conseguiu ouvir. Se eu pudesse chamar atenção da galera para o que está acontecendo na Bahia…