Texto por Ana Júlia Tolentino e Felipe Ernani
Todo ano, durante uma semana, a cidade de Goiânia é tomada por uma invasão de diversidade cultural e conexões entre diversos pontos da música de todo país. É quando acontece o Bananada, um festival que faz parte do costume da capital goiana há 22 anos. Contudo, essa edição seguiu novos formatos: a data que outrora acontecia em maio, dessa vez foi em agosto, e o padrão da estrutura de como fora realizada no ano passado foi inteiramente modificado.
Grande Encontro da Música Nacional
Há algum tempo o Bananada se consolidou como o grande encontro da música nacional no ano.
Tanto por causa dos artistas quanto por causa dos nomes que trabalham na indústria da música, é comum encontrar pessoas que têm certeza de que se você está no meio, estará lá, pois é onde se deveria estar.
Basta dar uma olhada pelas fotos, vídeos e outros registros de pessoas que estiveram em Goiânia no final de semana do Bananada para saber que elas saíram de lá em êxtase, se divertindo e, principalmente, encontrando amigos que em muitas ocasiões são encontrados apenas nos dias do festival.
Não há dúvidas de que, culturalmente, por proporcionar tantos encontros em cima do palco e no backstage, é imensa a importância do evento, cujos pontos fortes e a serem melhorados serão relatados logo abaixo.
O Festival
A programação começou com shows durante a semana e artistas que se apresentaram por Goiânia como Realleza, Caffeine Lullabies, El Efecto, MC Tha e Ekena. Contudo, na sexta-feira, iniciou-se o evento principal no mesmo local de 2019.
O cenário pela segunda vez foi o estacionamento do shopping Passeio das Águas, e todo o molde do festival foi focado para que o público pudesse caminhar livremente entre um palco e outro. Contudo, a experiência em muitos espaços ficava perdida: havia apenas um ponto para os banheiros além de filas grandes na parte dos bares, por exemplo.
Outra ressalva também foi a falta de iluminação nas sinalizações que dificultou bastante o acesso a alguns pontos como a Arena Chilli Beans, que foi voltada para campeonatos, a Gaymada e a Batalha de Vogue, e questões de acessibilidade como degraus no estacionamento também se fizeram presentes.
O festival também mostrou, mais uma vez, sua preocupação com a hidratação dos espectadores, oferecendo água de forma gratuita.
Escalação e Shows
No entanto, como no ano passado, o maior trunfo do Bananada foi a excelente curadoria para os shows e a mescla entre gêneros, épocas e popularidade dos artistas escolhidos. Vale mais ainda destacar a presença majoritária de mulheres, seja trabalhando no backstage, na produção, na parte técnica e até na linha de frente das bandas. E o público sempre estava cativante, tão potente quanto a escalação que compôs a vigésima primeira edição.
Também houve a significativa melhoria na estrutura sonora. Foram realocados os palcos secundários, chamados de Tropical Transforma, devido à parceria com a iniciativa da cerveja Devassa, que ainda proporcionou uma área incrível com shows intimistas e deliciosos. Além dos palcos que tiveram participação das marcas Natura Musical e Red Bull, o festival entregou três dias intensos cheios de música boa na arena principal.
Confira abaixo, dia por dia, como foi esse final de semana onde o público foi protagonista.
Primeiro Dia
Com pouco atraso, as atividades da arena principal do Bananada começaram com o grave de duas mulheres incríveis: Saskia e Jéssica Caitano fizeram bons shows e aqueceram o público que ainda chegava ao local. Quando Jaloo subiu ao palco, a plateia já estava pronta para sua excelente apresentação – que ainda contou com presença da MC Tha cantando a ótima “Rito de Passá”, faixa-título de seu disco de estreia, além de “Céu Azul”, parceria com Jaloo.
Depois foi a vez do excelente e politizado Edgar, dono de ótimas músicas, como “Print”, que explorou as hipocrisias da cultura do brasileiro médio através de memes projetados no telão. Em seguida, a Luedji Luna voltou ao cerrado (depois de ter passado pelo Festival CoMA) e fez mais um lindo show – acalmando um pouco os ânimos da plateia, mas sem parar de dançar.
A madrugada chegou e com ela os shows do Black Alien e Liniker e os Caramelows, dentre discursos políticos entoados pelos próprios artistas e muita presença. Ambos promovendo seus discos recentes, os respectivos Abaixo de Zero: Hello Hell e Goela Abaixo, o público recebeu muito bem, que já se preparava para o fim do primeiro dia.
A noite fechou com o rapper baiano Baco Exu do Blues que trouxe o Bluesman pra fazer a galera cantar junto, inclusive em “Flamingo”, que teve a participação da gurias da Tuyo.
Enquanto tudo isso acontecia, o palco Tropical Transforma recebeu 11 outras atrações. A mistura foi tão grande que tivemos o xote do Goiaba e os Tranquilos sendo sucedido pela psicodélica Supervão. Entre os destaques deste palco estão o sempre bom Mateus Carrilho, que contou com a participação de Davi Sabbag e Candy Mel cantando os hits da saudosa Banda Uó, e os cariocas da Menores Atos, além do Black Pantera trazendo a cena pesada ao festival e do excelente e divertido show da Da Cruz.
Segundo Dia
No sábado, o atraso foi maior e com uma programação mais numerosa, o que complicou parte do público. De qualquer modo, foi um dia que contou com shows históricos, importantes e surpreendentes.
Logo depois da OQuadro abrir os trabalhos, o incrível Felipe Cordeiro colocou todo mundo pra dançar. A guitarrada do artista, que lançou recentemente seu disco Transpyra, foi acompanhada de vídeos engraçados projetados no telão e deixou o público (sor)rindo à toa. Uma ótima preparação para o momento histórico que viria a seguir. Na sequência, a fada Luiza Lian embalou o Azul Moderno e deixou todo mundo ali imerso em uma energia intensa.
No dia de seu aniversário de 85 anos, o lendário João Donato subiu ao palco ao lado de Tulipa Ruiz para uma das apresentações mais especiais e belas que o Bananada já recebeu, com direito ao público cantando parabéns ao músico.
Inclusive, parece que a proposta desse dia era colocar o público para dançar mesmo. Os colombianos da Frente Cumbiero trouxeram o ritmo característico de seu país natal para a cidade goiana e a Drik Barbosa explorou toda a ginga de suas rimas, enquanto o Bixiga 70 manteve o público bem acordado com uma apresentação enérgica.
Antes disso, no entanto, o Criolo subiu ao palco com um excelente show que contou inclusive com sua mais recente canção, “Éterea”. Discursos sinceros e importantes do músico complementaram a apresentação, bem como uma dancinha que viralizou, e nesse sentido, o Teto Preto fechou a noite com um show bem conceitual e recheado de protestos.
Já no palco Tropical Transforma, 13 atrações que foram do eletrônico da Høstil até o rock psicodélico da Catavento colaboraram com a mistura que o festival propõe. Glue Trip, Romero Ferro e Trava Bizness foram os grandes destaques da noite, além do excelente show da Raça (com participações de Brvnks e Helo Cleaver) e da obra sinestésica de Papisa.
Terceiro Dia
Com uma proposta de começar mais cedo e acabar mais cedo, a programação de domingo teve atraso mais uma vez – o público parecia já esperar isso e demorou pra chegar, o que levou a shows bem vazios da Sinta a Liga Crew e da banda de Portugal Paus. Contudo, os portugueses mandaram muito bem com a “bateria siamesa”, e ainda contaram com a participação do Dinho, vocalista do Boogarins.
Porém, quando a multidão foi chegando, se viu recebida pela emocionante performance da Tuyo. Nos presenteando mais uma vez com execuções irreparáveis de suas canções, a banda paranaense proporcionou uma troca incrível com o público e a choradeira foi liberada – tanto do público quanto dos próprios artistas. O único defeito desse show foi ter sido colocado no mesmo horário da ótima Terno Rei, que se apresentou quase que simultaneamente no palco Tropical Transforma.
Depois dessa catarse sentimental, o Boogarins marcou presença mais uma vez. Talvez a mais importante do atual cenário de Goiânia, a banda trouxe o show do disco Sombrou Dúvida para o Bananada.
Em seguida, veio um dos nomes mais esperados: a diva Duda Beat subiu ao palco com um look maravilhoso – mas logo reduziu a quantidade de roupas para se ajustar ao calor da cidade.No meio de uma apresentação ótima e cheia de hits, a cantora pernambucana resolveu ser bem ousada e ficar “chapadinha no cerrado”, aceitando um cigarro (não sabemos do quê…) oferecido pelo público.
Com um público ameno e disperso, a banda Metá Metá fechou o palco Red Bull. Posicionados de forma propositadamente transgressora, como uma urgente disposição de elementos do jazz clássico, atmosferas típicas da cultura/música africana e demais referências que circundaram a densidade do trio liderado por Juçara Marçal.
Enquanto tudo isso acontecia nos palcos principais, o Tropical Transforma recebeu mais 10 atrações. Além do já citado Terno Rei, os chilenos do The Holydrug Couple e os brasilienses da Joe Silhueta fizeram excelentes shows, assim como as atrações locais e figurinhas carimbadas do festival Brvnks e Bruna Mendez.
Por fim, não havia atração melhor para encerrar o Bananada 2019 do que a Pitty. Com um show inesquecível unindo hits do passado com faixas de seu novo e ótimo trabalho Matriz, ela personificou a proposta do festival. Entre uma música e outra, o discurso da cantora baiana a todo tempo remetia ao seu passado e a conexão que teve com o festival. Muitas surpresas rolaram nesse show, como a versão acústica de “Teto de Vidro”, a saudosa “Dançando” relembrando os bons tempos de Agridoce e “Bad Guy”, da norte-americana Billie Eilish que apareceu no ápice de “Memórias”.
Tudo isso para mostrar que, mesmo rebuscando as raízes e se firmando nelas, o novo sempre vem. E o mesmo vale para o Bananada.