É natural que, conforme uma banda consolide sua carreira, comece a ter um som bem definido e reconhecível. São inúmeros exemplos de elementos que ajudam a identificar a sonoridade de um grupo – seja a guitarra, a voz, o baixo, a bateria ou qualquer outro ingrediente que se defina como marca registrada.
No entanto, felizmente muitas vezes essas bandas decidem inovar e sair da zona de conforto, seja explorando recursos menos utilizados ou dando voz a influências menos presentes em seu trabalho geral.
Com isso em mente, montamos uma lista com 15 músicas que representam esses momentos em que grupos cujas sonoridades são bastante familiares expandem seus horizontes e soam quase irreconhecíveis. Confira!
Paramore – “Future”
A faixa que encerra o incrível disco homônimo do Paramore é muito peculiar. “Future” começa com uma gravação acústica, que soa “distante” – como se alguém estivesse gravando a canção de forma amadora – e se desenrola em uma jam que remete ao post-rock, algo que nunca havia acontecido na carreira da banda americana.
Em entrevista ao site Artist Direct, a vocalista Hayley Williams explicou a história dessa música:
Nós brincamos com ela por um longo tempo. Por fim, eu estava no estúdio um dia com o Jeremy [baixista], Taylor [guitarrista] e o Justin Meldal-Johnson [produtor]. Justin falou tipo, ‘Façam uma jam com isso agora! Vamos ver se a gente consegue resolver a letra’. Sem brincadeira; essa jam ao vivo que foi gravada naquele dia na sala de estar do estúdio com aplicativos de bateria de iPhone e pequenos teclados que o Jeremy estava tocando é o que está no disco. Isso acabou sendo a versão final. A outra metade são os caras fazendo uma jam no Sunset Sound [estúdio de gravação] na sala ao vivo. É uma canção muito especial. É super emotiva para mim.
Green Day – “Misery”
Uma das maiores bandas de punk rock do mundo. Essa certamente não seria a impressão que você teria do Green Day se “Misery” fosse a primeira música que você ouvisse deles – aliás, a canção passa longe do gênero que popularizou Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tré Cool.
Porém, essa divertida faixa apresenta uma sonoridade mariachi e é uma das poucas oportunidades de ouvir Tré tocando acordeon, Billie Joe tocando bandolim e Mike tocando farfisa (uma espécie de órgão eletrônico).
Espremida entre duas faixas que expressam bem as características do Green Day (“Castaway” e “Deadbeat Holiday”), “Misery” aparece em Warning (2000), disco onde o trio explorou diversas sonoridades não convencionais na sua carreira.
Foo Fighters – “The Colour and the Shape”
Talvez você não saiba, mas antes mesmo de ser o baterista do Nirvana – e bem antes de assumir os vocais do Foo Fighters – o lendário Dave Grohl tocou bateria na banda de hardcore Scream, que inclusive relançou o disco No More Censorship com uma nova mixagem no ano passado.
O passado de Grohl veio à tona de forma muito clara na faixa-título do disco The Colour and the Shape, de 1997. Com muito peso nas guitarras e vocais gritados, a canção certamente é bem mais agressiva do que sucessos como “Times Like These” e até mesmo a (supostamente) pesada “The Pretender”. Talvez o único outro momento em que esse peso se repetiu foi em “White Limo”, do disco Wasting Light (2011).
A pedrada acabou sendo lançada como b-side do single “Monkey Wrench” e apareceu como faixa-bônus em lançamentos especiais do disco.
Arctic Monkeys – “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”
A convivência do Arctic Monkeys com Josh Homme (Queens of the Stone Age), que atuou como produtor no incrível disco Humbug (que completou 10 anos recentemente) rendeu muitos frutos mesmo depois do lançamento do álbum.
Certamente uma das heranças que Homme deixou na banda foi a influência do stoner, encontrada de algumas formas no disco produzido por ele mas totalmente abraçada juntamente com a estética garage rock na faixa “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”, que viria a estar presente no disco Suck It and See.
Talvez um dos poucos momentos em que os macacos do ártico colocaram um pézinho na música pesada, a música em questão é a mais rockeira do disco (apesar de “Library Pictures” ser uma forte candidata) e, mesmo assim, foi o primeiro single do álbum. Sobre isso, o vocalista Alex Turner disse:
As pessoas nos perguntam por que lançamos ‘Don’t Sit Down…’ como o primeiro single, porque não é a mais pop ali – é bem cheia de guitarras. Mas por nós termos uma base de fãs e nós somos uma das bandas com guitarra que tem uma chance de estar na rádio durante o dia, eu sinto que é quase nossa obrigação lançar esse tipo de música.
Dream Theater – “Space-Dye Vest”
O Dream Theater é conhecido, entre outras coisas, por suas longas músicas. Mas talvez essa seja a única semelhança entre “Space-Dye Vest”, faixa que encerra o disco Awake (1994), e o restante da carreira dos virtuosos músicos.
Isso se deve ao fato da música ser praticamente uma carta de despedida do tecladista original do grupo, Kevin Moore, que anunciou sua saída logo antes do lançamento oficial do álbum. Com uso de vários samples e elementos eletrônicos, a sombria canção soa muito mais como algo que faria parte do Chroma Key, projeto subsequente de Moore.
The Strokes – “One Way Trigger”
Um dos maiores nomes do indie rock e provável headliner do Lollapalooza Brasil 2020, o The Strokes buscou sair do lugar comum quando lançou Comedown Machine, seu último disco de estúdio até o momento, em 2013.
Mesmo assim, a faixa “One Way Trigger” ainda se destaca das demais por ter uma sonoridade anos 80 – muitos comparam a canção à icônica “Take On Me”, do A-ha – com uma predominância de sintetizadores ao invés de guitarras e um ritmo e melodia vocal também bem característicos dessa época.
Ela também, é claro, foi comparada aos brasileiros da banda Calypso e ganhou homenagens como o vídeo abaixo.
Slipknot – “‘Til We Die”
Presente apenas na edição especial de All Hope Is Gone, “‘Til We Die” é uma música bem diferente do que o Slipknot costuma fazer. Com um tom épico e um instrumental leve – mas não o suficiente para encaixá-la nas baladinhas ao lado de “Vermilion Pt. 2” e “Snuff” – a faixa fala da união e irmandade da banda, com letras embaladas pela voz limpa de Corey Taylor.
Desde seu lançamento, “‘Til We Die” acabou se tornando um lembrete do falecimento do baixista Paul Gray e é executada até hoje no sistema de som dos shows da banda após o término da apresentação.
Bring Me the Horizon – “nihilist blues”
Mesmo com inúmeras mutações durante toda sua carreira, o Bring Me the Horizon surpreendeu muita gente com o lançamento do disco amo em 2019. No entanto, apesar de ser um disco com uma pegada mais pop alternada com momentos que retomam o característico rock pesado do grupo, ainda há uma faixa que se destaca das demais.
Em “nihilist blues”, canção que tem participação da cantora Grimes, os britânicos vão para um lado totalmente novo. Parece uma música de rave, com uma abundância de elementos eletrônicos e pouco uso dos instrumentos tradicionais do rock – algo bem diferente até mesmo para uma banda acostumada a mudanças.
Medulla – “Um Leão por Dia”
As influências da banda brasileira Medulla sempre foram bastante ecléticas, e os caras já nos presentearam com canções bem diferentes entre si – os dois maiores sucessos do grupo, “Abraço” e “Eterno Retorno“, já são bem contrastantes.
Porém, a parceria com o produtor Lucas Silveira (Fresno) para o single “Um Leão por Dia” foi um passo à frente. Abraçando uma estética do rap estrangeiro e traduzindo-a perfeitamente para o contexto brasileiro à época, a faixa é uma das melhores da banda e ainda teve um clipe incrível para acompanhar.
Butthole Surfers – “Pepper”
Uma das bandas mais icônicas da história do rock alternativo, o Butthole Surfers tinha três valores básicos durante a maior parte da sua carreira: músicas experimentais, shows intensos e drogas alucinógenas.
Porém, depois de conseguirem a proeza de lançar um disco chamado Hairway to Steven (uma paródia de “Stairway to Heaven”) e mesmo assim serem produzidos pelo baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones, os caras ainda permaneciam mais presentes na cena alternativa do que no mainstream.
Isso mudou com o lançamento de Electriclarryland (mais uma paródia, dessa vez do disco Electric Ladyland, de Jimi Hendrix), especialmente com o single “Pepper”. A música em questão não tinha nada a ver com a carreira da banda: uma sonoridade bem radiofônica, com apenas um acorde de guitarra, que levou os caras ao primeiro hit Top 40 da carreira.
Até hoje os números do Spotify refletem essa diferença: “Pepper” tem quase 20 milhões de execuções a mais do que “Who Was in My Room Last Night?”, a segunda mais famosa – e, definitivamente, bem mais de acordo com a ótima estética musical do Butthole Surfers.
The Beatles – “Revolution 9”
Até hoje, mais de 50 anos após o lançamento do White Album, praticamente ninguém entendeu a maluquice que os Beatles quiseram fazer com “Revolution 9”. Odiada por Paul McCartney e pelo produtor George Martin – que tentaram impedir a faixa de entrar no disco – a canção tem o dedo experimental de John Lennon e Yoko Ono e foi a última a ser finalizada no álbum, além de ser a mais longa da carreira da banda.
Baseada no ritmo de “Revolution”, essa música se tornou uma das mais polêmicas do quarteto de Liverpool e até hoje circulam teorias da conspiração tentando entendê-la. No entanto, segundo Lennon (que dizia que a faixa representava a “música do futuro”), era só experimentação:
Era uma pintura inconsciente do que eu realmente achava que aconteceria quando acontecesse; era apenas como se fosse um desenho da revolução. Tudo aquilo foi feito com loops, eu tinha cerca de trinta loops rolando, colocando todos em uma trilha. Eu fui pegando fitas clássicas, subindo as escadas e cortando-as, virando ao contrário e coisas assim, para conseguir os efeitos sonoros. Uma coisa era a fita de teste de um engenheiro e ela iria entrar com uma voz dizendo ‘Essa é Série #9 de Testes da EMI’. Eu só cortei tudo que ele falava e deixei só o número nove [‘Number nine’, repetido diversas vezes durante a música”]. Acabou que nove era o dia do meu aniversário e o meu número da sorte e tudo mais. Eu nem percebi; era só tão engraçado a voz dizendo ‘Number nine’; era como uma piada, ficar trazendo o número nove à música o tempo todo, era só isso.
Black Sabbath – “The Illusion of Power”
Os anos 90 foram tempos sombrios para o Black Sabbath. Depois de começar a década com o péssimo Tyr (1990), o razoável Dehumanizer, de 1992, viu o retorno do saudoso Ronnie James Dio aos vocais e uma possível retomada da carreira. Não durou muito, já que para o disco Cross Purposes (1994) a formação já voltou a ter Tony Martin na voz.
Mas o fundo do poço veio em 1995, com o disco Forbidden. Totalmente perdidos e sem muitas perspectivas de voltar ao auge, a banda teve a brilhante ideia de convidar o rapper Ice-T para a canção “The Illusion of Power”, que abre o disco. O começo parece até promissor, com um riff bem característico do genial Tony Iommi, mas dali pra frente a coisa fica feia. Quando entra a parte de Ice-T, fica difícil defender: totalmente sem contexto, parece quase um grito de socorro do Sabbath.
Ozzy Osbourne e Geezer Butler ouviram esse grito e fizeram as pazes com Iommi, lançando o excelente 13 em 2013. Felizmente, essa música e esse disco não remetem a nada da carreira da ilustre banda – inclusive, talvez mais felizmente ainda, o Forbidden nem aparece nos serviços de streaming.
Pearl Jam – “Bugs”
Apesar do Vitalogy já ser conhecido por ser o álbum mais experimental do Pearl Jam, é inquestionável que “Bugs” transcende até os limites dessa obra. A faixa consiste basicamente em uma melodia tocada em um acordeon comprado por Eddie Vedder em um sebo somada ao vocalista falando algumas besteiras em cima.
Nem Vedder sabe dizer claramente se a música é uma piada ou não. O vocalista disse apenas que eles decidiram “fazer algo que fosse divertido de ouvir e que não fosse bombástico e não fosse tudo que a banda havia se tornado”. Bom, a segunda parte está correta, mas há controvérsias sobre ser divertido de ouvir…
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Panic! At the Disco – “Positive Hardcore”
O talento de Brendon Urie, vocalista e “dono” do Panic! At the Disco é inquestionável. O que pouca gente sabe, no entanto, é que a banda quase seguiu um caminho bem diferente no seu início. Em entrevista à Alternative Press, Urie admitiu que por volta de seus 15 anos era um grande fã do hardcore e queria muito fazer parte dessa cena.
Apesar de ter feito sucesso em outra cena, o vocalista mostrou não abandonar as raízes. Na época do Vine, praticamente toda quinta-feira era uma #positivehardcorethursday (quinta-feira do hardcore positivo): eram vídeos de seis segundos de Urie gritando frases positivas como “O dia está lindo” e “Eu amo meus pais”.
A brincadeira virou música e, entre os anos de 2014 e 2016, a banda frequentemente executava a pesadíssima “Positive Hardcore” nos shows logo antes do hit “I Write Sins Not Tragedies” – como podemos ver no vídeo abaixo, gravado na apresentação do Panic! em Brasília em 2014. Que versatilidade, hein, Brendon?
Blind Melon – “No Rain”
“No Rain” é um dos maiores sucessos da música dos anos 90, e colocou o Blind Melon em evidência. Até aí, tudo bem: o problema é que a canção não tem nada a ver com o resto do material dos caras. Com fortes influências de bandas como The Grateful Dead e Phish, o mega hit da banda não traduz essas referências e soa muito mais simplista do que músicas como “Tones of Home” e “Toes Across the Floor”.
A diferença era tão grande que a banda ficou associada a uma imagem de música feliz e animada, muito também devido ao clipe de “No Rain” que estrela a garotinha vestida de abelha da capa, quando na verdade suas letras tratavam de temas muito mais tristes e pesados.
Infelizmente, a carreira dos americanos acabou cedo já que o vocalista Shannon Hoon sofreu uma overdose e faleceu 8 semanas após o lançamento do segundo disco, Soup. Os caras até lançaram um disco com outro vocalista em 2008, fizeram alguns shows por aí, mas nunca mais foi a mesma coisa.