O tempo passa e as coisas mudam. A estética do que é considerado “popular” mudou bastante na música brasileira nos últimos anos, e isso é facilmente perceptível. No entanto, alguns artistas resistem à passagem do tempo e continuam me mostrando relevantes mesmo após sua “era de ouro”.
João Donato é um desses artistas. Seu trabalho continua sendo celebrado por muitos artistas, servindo como uma grande referência para músicos hoje em dia. E um desses músicos é a cantora paulistana Tulipa Ruiz.
Como informamos por aqui, Tulipa e Donato deram vida, em meio aos ensaios para o Festival Bananada, ao EP Tulipa Ruiz e João Donato, com as faixas inéditas “Gravidade Zero” e “Manjericão” (que conta com a participação de Edgar). O show do Bananada deu início a uma mini-turnê, que também conta com a banda Pipoco das Galáxias (formada por Gustavo Ruiz, Samuel Fraga e Gabriel Mayall) e com o trombonista Doug Bone (Bixiga 70).
“Sua música fez parte da minha formação”
A dupla também está trabalhando no lançamento de um compacto de vinil com as duas faixas inéditas. Você consegue contribuir para o crowdfunding neste link até o dia 30 de Setembro. Os valores, dependendo dos benefícios que você escolher, podem variar entre 60 e 300 reais.
Perguntamos para Tulipa Ruiz sobre a parceria, sobre o encontro de gerações, sobre os planos futuros da cantora e sobre a impressionante revitalização do vinil que temos visto recentemente. Aliás, pela primeira vez em 33 anos, pode ser que as vendas de vinil ultrapassem as vendas de CD’s.
Confira abaixo:
TMDQA!: A relação entre você e Donato já data de algum tempo. Em 2015, ele participou da faixa “Tafetá”, do Dancê. Como se deu o primeiro contato entre vocês e o que levou a uma aproximação tão frutífera?
Tulipa Ruiz: Na realidade a gente já tinha se cruzado algumas vezes. Donatinho, seu filho, tocou em Efêmera, nós nos encontramos várias vezes pelos aeroportos, tocamos juntos na coletiva do Rock in Rio, e participei do “lançamento” do Quem é Quem, ao lado de Marcos Valle, um disco célebre do Donato que nunca havia sido tocado ao vivo. Isso antes de Dancê, em 2014.
TMDQA!: Como “Gravidade Zero” e “Manjericão” foram surgindo? Elas nasceram dos ensaios de vocês para a apresentação do Festival Bananada, certo?
Tulipa: “Gravidade” João já tinha na cabeça e em um rascunho que achou no celular. Chegou no estúdio com ela fresca e a letra me veio a partir deste frescor. Já “Manjericão” veio do violão do Gustavo [Ruiz]. Eu recheei com letra e melodia e os meninos engordaram com o arranjo. Edgar chegou costurando e ressignificando tudo. Eu já sabia que a música se chamaria “Manjericão” por conta de um perfume do Donato. Fazer a letra foi só decupar essa palavra.
TMDQA!: Por falar em “Manjericão”, de onde surgiu a ideia de convocar Edgar?
Tulipa: Ultimamente tenho encontrado muito com Edgar em shows, hotéis, aeroportos e vans. Ele estava no prédio onde gravamos realizando um workshop de upcycling [reutilização criativa]. Foi quase que automática nossa ligação.
TMDQA!: Você é uma das maiores artistas da nossa atual música, da mesma forma que João Donato tem uma importância enorme na nossa construção musical. Como é uma dupla de épocas, por assim dizer, diferentes trabalhar junto? Acredito que seja um processo muito rico que traz consigo toneladas de referências.
Tulipa: O lindo é João ser atual porque, no meu caso, sua música fez parte da minha formação, da minha vida. O disco Cantar, da Gal [Costa], em que João toca e assina várias faixas, sempre girou na vitrola da minha casa. A oportunidade de encontrar um ícone, um formador, em forma e criando, é um privilégio para nós todos. E João é um manancial. Suas lembranças e brincadeiras são verbetes de uma riquíssima enciclopédia.
TMDQA!: Com que outros artistas consagrados da nossa música você teria interesse em compor e gravar?
Tulipa: Nossa, muitos. Elza Soares, por exemplo, já gravou uma música minha e foi um dos presentes mais lindos que eu ganhei da Deusa Música.
“[A recuperação do vinil] É a recuperação da sonoridade”
TMDQA!: Essa questão de juntar diferentes gerações da nossa música também está presente no modo como estão lançando o compacto. O lançamento se deu tanto em streaming, o modo predominante de consumo de música nos dias de hoje, quanto em vinil. Como você enxerga essa momento de “recuperação” do vinil?
Tulipa: É a recuperação da sonoridade. Todo bom ouvinte se baba por um grave que o CD nunca teve. E há ainda a questão do design físico da capa, do encarte, seu formato, sua textura, seu tamanho. O vinil, pelo jeito, foi o maior acerto em termos de tecnologia do som. E estão correndo atrás agora. Sem falar do ritual que é escolher um disco para ouvir, colocar na vitrola, ouvir um lado, depois outro. É muito balsâmico colocar um vinil pra tocar, sobretudo em tempos tão dispersos onde presença é desafio.
TMDQA!: Quais são os próximos passos da sua carreira após essa turnê? Tem novo disco vindo? Pode nos adiantar algo?
Tulipa: Esperamos que a nossa turnê se fortaleça e gere mais datas, quem sabe um disco. Quanto a minha carreira, está na hora de um disco novo sim, mas eu nunca fui do tipo de fazer gaveta. Disco novo é momento novo e eu intuo que ele está chegando.
TMDQA!: Alguma consideração final?
Tulipa: Eu queria dizer que este é o momento ideal para as pessoas afins se juntarem, as gerações, os gêneros, as vocações. Somos postos a prova o tempo todo. Precisamos nos fortificar, nos tonificar, nos apurar, nos juntar para viver, sobreviver.
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