Música

Reunião atrás de reunião: por que a nostalgia vende tanto na música?

My Chemical Romance, Rage Against The Machine, Sandy & Junior: situação social, nostalgia e ciência explicam sucesso dos shows de reunião.

Foto do público de um show
Foto de Stock via Shutterstock

Na semana passada ficamos todos atordoados com as notícias repentinas de que My Chemical Romance e Rage Against The Machine iriam se reunir pela primeira vez em longos anos.

Enquanto a primeira já marcou um show para Dezembro depois de 7 anos em hiato, a segunda celebrou o retorno com várias datas em cidades dos EUA próximas ao México no ano de 2020 além de confirmar que tocará no festival de Coachella.

Publicidade
Publicidade

Os retornos são sempre bem-vindos, é claro, mas é de se pensar que há muito mais por trás de momentos pessoais, políticos e sociais que tenham motivado as voltas pura e simplesmente, e não podemos deixar de notar que a nostalgia nunca vendeu tanto na música.

Los Hermanos e Sandy & Junior

Foto por Aline Krupkoski

Pra ficar em exemplos bem práticos e próximos da gente aqui, quando é que poderíamos imaginar que a banda Los Hermanos e a dupla Sandy & Junior iriam lotar estádios como fizeram com as suas recentes turnês de reunião?

O que parecia ousado em um primeiro momento acabou ficando pequeno, com gente se estapeando por ingressos para ver hits de décadas atrás ao vivo, e algumas das maiores praças esportivas do país ficaram repletas de gente vendo tudo de pertinho.

Vale lembrar, inclusive, que o Los Hermanos até levou mais gente que o Foo Fighters ao Maracanã, no Rio de Janeiro.

O fenômeno que conhecíamos tanto no Rock And Roll mas por conta do distanciamento dos ídolos, já que no passado bastava uma banda lendária falar que pisaria no Brasil para que os tickets saíssem que nem água, agora parece ter se expandido para a nostalgia e diversos outros estilos, gêneros e países, com muita gente percebendo que há (muito) espaço para o que já se foi.

O pensamento é óbvio: quem não gostaria de voltar a uma época onde a preocupação maior era passar de ano na escola e aproveitar longas tardes e noites ouvindo essas canções?

Como no caso de RATM e My Chemical Romance, quem em sã consciência recusaria a oportunidade de ver de perto uma das bandas mais explosivas da história ou voltar no túnel do tempo para um dos grandes últimos movimentos do Rock, amando ou odiando, que foi o Emo?

Tempos Difíceis, Apreço Pelo Passado e a Ciência

Nem é preciso dizer que estamos vivendo tempos difíceis no mundo todo e que a Internet, principalmente por conta das redes sociais, transformou as vidas das pessoas para, muitas vezes, algo pior.

Há pelo menos 3 ou 4 anos fala-se sobre como tivemos o  “pior ano de todos os tempos”, que “tem que cancelar 2017”, que “2018 foi ainda mais horrível”, que “o ano não tem fim”, e que as pressões da sociedade parecem ter só aumentado em cima de todo mundo.

Isso faz com que a gente recorra a tempos mais simples e, definitivamente o nosso cérebro funciona fazendo com que as lembranças boas do passado sejam um porto seguro para nos distanciarmos daquilo que nos tem feito mal nos dias atuais.

 

Em 2011, o site Opinião & Notícia fez uma matéria sobre por que a maioria das pessoas acha que o passado é melhor que o presente, e publicou uma declaração da então chefe do setor de psicoterapia da Santa Casa da Misericórdia do Rio, Vera Lemgruber, e ela disse:

Nosso cérebro tem uma área chamada hipocampo que é especializada em armazenar as memórias carregadas de afetos. Se essa área é ativada diversas vezes, o engrama (a marca da memória) fica ainda mais reforçado. Isso significa que, quanto mais nos lembrarmos de determinada situação, mais ela ficará carregada de afetos positivos. E os negativos vão se apagando.

Além do nosso cérebro apagar as coisas negativas, ele ainda se sente mais confortável com fantasias e situações que talvez nem tenham existido de fato, como Vera também explicou:

É mais fácil se criar um mundo fantasioso de felicidade do que encarar uma realidade insossa ou com muitos problemas a serem enfrentados.

Comparações e Mais Comparações

Na mesma matéria, também é destacado um estudo de 1988 publicado no Jornal da Personalidade e Psicologia Social, da Associação Americana de Psicologia.

Lá, o passado fica ainda melhor explicado e mais atraente para que a gente possa entender todo esse escapismo em 2019.

De acordo com a pesquisa, as pessoas julgam se algo é bom ou ruim comparando essa coisa em relação a uma outra, o que nos leva por exemplo a shows: se alguém diz que adorou um show, está comparando a outros que já vieram anteriormente, e quando você volta ao passado para pensar a respeito, não pensa nos motivos para essa decisão, mas apenas na “nota mental” que deu.

Quando você viu uma apresentação de Rock aos 13 anos de idade pela primeira vez e foi tocado por ela, deve ter catalogado em seu arquivo como a coisa mais sensacional de todos os tempos, principalmente porque nunca tinha visto aquilo. Se era bom de fato, pouco importa, porque para você, foi a melhor coisa que aconteceu na sua vida até hoje, e é impossível compará-la a outras similares, primeiro porque nenhuma existiu, segundo porque o nosso cérebro não funciona dessa forma.

Quando vamos nos tornamos adultos, carregamos toda uma bagagem de experiências, e aí as coisas precisam ficar realmente muito surpreendentes para que a gente fique impressionado. Daí o famoso “não se faz música boa como antigamente”, que parece permear a imensa maioria dos fãs de Rock And Roll, infelizmente.

Por fim, o mesmo estudo ainda fala sobre como nosso cérebro tem a tendência de retratar o passado de forma abstrata, escondendo e muitas vezes até apagando as nossas dívidas, discussões e todo tipo de coisa ruim que vivemos no passado, até mesmo no dia de um show marcante. Outro motivo importante para adorarmos tanto o que já foi, é que sabemos como aquilo terminou, e a incerteza causa estresse, o que significa que o presente e o futuro nos assombram, mas experiências boas do passado estão lá como um refúgio.

Reuniões de Bandas e Artistas

Reprodução/Facebook

É óbvio que não podemos desmerecer outros motivos para retornos de bandas e artistas. O Rage Against The Machine mesmo parece ter se comovido com a luta do povo chileno por melhores condições sociais e achou que poderia causar um impacto, mas o chamado music business fala bem alto nessas horas.

O Misfits está excursionando com a sua formação clássica mesmo que os principais integrantes se odeiem. O Mötley Crue, que tem mais reuniões que amigos, parece estar trabalhando em novos shows mesmo após jurar que não os faria, e o Guns N’ Roses foi outro que superou desavenças para lucrar com números recordes até mesmo para a música Pop.

Há casos até mais interessantes como o do Backstreet Boys, uma banda que nunca acabou/brigou/se separou mas que tem a marca da nostalgia estampada na testa.

Nas últimas vezes que veio a São Paulo, em 2011 e 2015, a boy band se apresentou no mesmo lugar, que atendia pelo nome de Credicard Hall, Citibank Hall e hoje é o UnimedHall, com capacidade para cerca de 7.500 pessoas.

Na turnê que fará em 2020, mesmo sem lançar nenhum tipo de material relevante no período, tem apresentação marcada para o estádio Allianz Parque.

Parece que “o tempo bom que não volta nunca mais”, cantado pelos mestres Thaíde e DJ Hum com maestria realmente não retorna, mas definitivamente tem ganhado um empurrãozinho para que seja replicado de alguma forma e, principalmente, faturado.

Pela alegria dos fãs e o sorriso dos produtores, parece que todo mundo sai ganhando.

Sair da versão mobile