Barulhos estranhos: em memória de Pedro Baldanza, o Pedrão

Baixista da influente banda de rock Som Nosso de Cada Dia tocou com nomes lendários como Ney Matogrosso. Relembre história de Pedrão Baldanza.

Pedrão Baldanza
Foto: consultoriadorock.com

Por Fred Nicholson

Pedro Baldanza, o Pedrão, era mais conhecido do público pelo Som Nosso de Cada Dia. Mas ele tocou e gravou com Novos Baianos, Elis Regina, Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Raul Seixas, Zizi Possi, Marina Lima, Moraes Moreira, Guilherme Arantes, Sá, Rodrix e Guarabyra, Lobão, João Donato, Simone, Fafá de Belém, Trem da Alegria, Os Saltimbancos, Xuxa, Angélica, Mara Maravilha, Wando, Margareth Menezes, Rui Mota, Banda KGB, Zé Geraldo, Rodrigo Roviralta, Eduardo Dusek, etc e o escambau. Com Ney, o cara fez o festival de Montreux em 1983!

Pouca gente vem a ter tanta familiaridade com um estúdio de gravação quanto ele: gravou mais de 1500 faixas.

O Som Nosso de Cada Dia, entretanto, era seu grande projeto. Sua morte no último dia 29 de outubro é de uma tristeza imensa, pois a história da banda foi marcada por percalços em momentos importantes de sua trajetória.

 

Som Nosso de Cada Dia

Em 1974, O Som Nosso lança Snegs, grande clássico do rock nacional. Em 1977, vem Som Nosso. Apesar do som que até hoje influencia projetos novos (vide o aracajuano Luno Torres, da Plástico Lunar, que está em vias de lançar seu primeiro álbum solo), em 1978, o grupo acaba por dificuldades financeiras. Mesma causa do fim do Ave Sangria e de tantas outras bandas daquela época.

Seus integrantes seguem então suas carreiras individuais, principalmente como músicos de estúdio. Tocaram com praticamente todo o catálogo da MPB setentista e oitentista. Em 1994, há uma reunião com o elenco original para celebrar os 20 anos de Snegs. Acontece
também a gravação do disco Live 94.

Pedrão, Manito, Egídio Conde, Tuca Camargo, Pedro Batera

Naquele mesmo ano, os caras foram convidados pra tocar em um festival de rock progressivo no Japão. Após tanto tempo, poderia ser o momento de a banda vingar comercialmente. Estavam animados com essa ideia. Mas infelizmente o baterista Pedrinho Batera falece vítima de uma isquemia cerebral. O abatimento foi tão grande que a banda acaba novamente.

Anos depois, Pedrão desabafou: parecia estar escrito que o Som Nosso não era pra dar certo.

Nos anos 2000, após toda essa trajetória, Pedrão era técnico ou ajudante em um estúdio em Sampa (aqui me falha o registro). Mas o fato curioso é que no intervalo do ensaio da banda de uma garotada, ele flagrou o pessoal discutindo o arranjo de uma linha de baixo. Pegou então o instrumento e sugeriu algo. A banda perguntou se o “tio” tocava. Respondeu comentando sobre o Som Nosso, banda dos longínquos anos 70, certo de que aquelas pessoas não a conheciam. A reação da garotada é que ficaram sem acreditar: estavam falando com Pedro Baldanza, da lendária Som Nosso de Cada Dia.

A banda já era fenômeno na internet, porém Pedrão não sabia de nada. Perguntei-lhe como e quando ele ficou sabendo desse resgate virtual, assim ele comentou em email enviado a mim em 2012:

Cara, eu me toquei disso a partir de 2003, 2004! Através dos meus filhos! Pois como um dinossauro analógico eu me recusava a entender ou tentar entender o mundo virtual e acabei me rendendo ao novo e a partir dali passei a entender o porquê do renovado interesse pela história do SNCD. Aprendi e hoje me sinto apto a trocar emails e até tenho facebook! rsrs!

Redescoberta graças à internet com o compartilhamento de arquivos MP3, em 2004 a banda voltou. Em 2008, integrando a programação da Virada Cultural, fez um show histórico no Teatro Municipal de Sampa, onde tocou o álbum Snegs na íntegra. Para delírio de minha geração, a banda havia voltado aos palcos com agenda constante. Essa reunião durou até 2010, quando Manito, tecladista da banda, tem seu quadro de câncer na laringe agravado, o levando a falecer em 2011. Enfrentava a doença desde 2006 e mesmo assim fazia turnê.

Som Nosso de Cada Dia - Snegs

Em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRGS, assisti a um show dele com Os Incríveis, sua banda mais famosa. Foi em algum ano entre 2007 e 2009.

Entreato aqui para comentar sobre o resgate musical via internet pela geração dos anos 2000. O fenômeno do compartilhamento virtual de arquivos musicais da mesma forma beneficiou diversos outros nomes da música nacional. O hiato de esquecimento de inúmeros artistas fora ocasionado por questões tecnológicas e de mercado. Na transição da mídia vinil para o CD, as gravadoras não julgaram ser vantagem econômica relançar nomes menos populares. E foi assim que muitos caíram no esquecimento e se restringiram ao conhecimento de colecionadores de vinil: Casa das Máquinas, Ave Sangria, Som Nosso de Cada Dia, O Terço, Perfume Azul do Sol, Som Imaginário, A Barca do Sol, Bixo da Seda, Sérgio Sampaio, Walter Franco e tome muitos etceteras aqui.

Acredite: até mesmo nomes que venderam bem à sua época, como Secos e Molhados e Mutantes, tiveram seu tempo histórico de poeira e esquecimento. No auge do CD, grande parte da geração de jovens dos anos 90 não pode desfrutar de toda essa história musical esquecida nos discos de vinil. Exceção rara se deu com alguns discos que foram lançados pela gravadora Progressive Rock Wordwilde em 1993, embora a distribuição tenha sido pequena. Se hoje, na balada, você curte um Tim Maia Racional ou um Di Melo, agradeça aos nerds da tecnologia. Pois foi com a ripagem – processo de transformação das faixas de vinil em arquivos sonoros – e o compartilhamento virtual que essa revolução cultural na memória da música brasileira se deu.

Nesse ínterim, um acontecimento também importante foi o garimpo feito por Charles Gavin no acervo das gravadoras, levando muita coisa para o formato CD; e os compartilhadores virtuais, por sua vez, levando à rede. Outro fato notável é que além do material, histórias inéditas dessas bandas passaram a vir à tona em blogs com o Brazillian Nuggets, tornando-se importantes espaços de memória cultural. A coisa foi tão grandiosa, a ponto de eu afirmar com tranquilidade que eventos como o Psicodália, importante festival do sul do país, não existiriam não fosse a internet.

Chacal, Pedrão Baldanza e Ney Matogrosso
Foto: Consultoriadorock.com

Voltando ao Som Nosso de Cada Dia, no ano passado, 2018, sob a liderança de Pedrão há mais um retorno da banda. Com formação nova, após 25 anos sem material inédito, a banda lançou em agosto deste ano disco novo chamado Mais um dia. O show de lançamento aconteceu no dia 13 de outubro no Centro Cultural São Paulo.

Assim Pedrão encerrou a última mensagem que troquei com ele:

Gosto muito de ver o interesse das novas gerações quando em suas buscas se deparam com SNCD e curtem! Se curtem é porque entendem a mensagem e isso muito me honra e engrandece! Sem nenhum ego acredito que a verdade do SNCD é atemporal!! Bjs a todos e Bons Dias!!

Estamos de acordo, Pedrão. E sempre será hora de evocarmos nossa transformação em gente, em feras, em bichos do mato!

E-mail de Pedrão Baldanza