Ao longo dos anos 70, o aclamado compositor brasileiro Jorge Ben Jor (sob o nome artístico Jorge Ben) vivia sua fase mais esotérica/experimental. Na época, ele lançou discos que, apesar de não se tornarem sucessos comerciais, são considerados clássicos nos dias de hoje.
Uma das mais expressivas canções dessa fase foi “Os Alquimistas Estão Chegando“. Lançada em 1974, a composição surgiu a partir do contato que Jorge teve com a alquimia durante sua juventude. Em linhas gerais, Jorge fala sobre uma possibilidade de transcendência humana, alcançando qualidades divinas. É proposta uma mudança, já que o humano, por si só, não é suficiente.
Mas podemos dizer que, se os alquimistas ainda não chegaram, eles estão bem próximos! O que era considerado fora da caixinha está se tornando cada vez mais comum. São atitudes, como pintar o cabelo de uma cor diferente, que se mostram simbólicas em um sentido mais amplo. Isso é uma prova de que a humanidade já não consegue se sustentar simplesmente pelos padrões. A necessidade de afirmação de existência fala mais alto!
Diante deste cenário, o que a humanidade precisa para se (re)encontrar? Um sermão? Pois é justamente este o título do mais novo disco de Castello Branco.
“Um sermão para o sermão”
Sermão dá continuidade a uma curva ascendente na carreira de Castello Branco. Com a produção de Ruben di Souza, o cantor busca tornar a sua arte cada vez mais acessível. Em entrevista exclusiva ao TMDQA!, conversamos sobre a trilogia de álbuns, sobre a mensagem contida nas novas canções e sobre a busca do ser humano por compreensão.
Confira abaixo:
TMDQA!: Sermão começa com a frase “Guenta aí”, um conselho, uma frase talvez imperativa. Como é “dar sermão” em 2019, em um momento social onde todo mundo quer bancar ser especialista em determinados assuntos?
Castello Branco: O Sermão é, na verdade, um sermão para o sermão. O álbum é a parte final de uma trilogia, mas a gente só consegue entender isso quando a gente entende o que eu fiz antes. Serviço e Sintoma: nenhuma das palavras que foram escolhidas para dar nome a essa trilogia são como se eu estivesse fazendo aquilo. É como se eu estivesse trazendo essa palavra por achar que é o momento dela. Ao mesmo tempo, todas as três palavras são provocativas. Elas têm esse lado. Enquanto o sermão tem associação à bronca, serviço pode remeter ao trabalho escravo, e sintoma remete rapidamente a uma doença. Mas essas palavras também têm suas respectivas belezas magníficas. Sermão traz uma força de que às vezes é importante ouvir e entender o que o outro tem a dizer. A gente perdeu um pouco isso hoje em dia.
A capa também provoca isso. “O que está acontecendo?”, “O que vocês aprenderam até hoje?”, “O que vocês enxergam?”… A gente julga muito o outro, mas não nos colocamos nesse lugar. É um pouco disso. Tem a coisa do professor também. A gente está ao mesmo tempo dando e recebendo sermão. Mas será que estamos dando mais do que ouvindo? A ideia é trazer um pouco dessa questão. E isso é doido, porque, em 2019, é o que está tendo. Tudo é política, e a gente é um reflexo dessa parada. Eu acho que o confronto, na verdade, não é com o outro, mas sim com a gente mesmo. A batalha precisa ser interna.
TMDQA!: O álbum passa uma mensagem de “viva o agora”. Como, para você, a música consegue impactar o comportamento/pensamento das pessoas? Como está sendo a repercussão do disco nesse sentido?
Castello Branco: A melhor forma de “andar pra frente” é viver o presente. No disco, isso está claro. O passado e o futuro vão deprimir, porque ou vai causar ansiedade ou vai causar depressão, que são os maus de uma década em que as coisas estão tão rápidas. Acho que viver o agora é uma chave importante para a mente ficar em um estado em que você consiga lidar com ela com clareza e profundidade. Se o disco efetivamente tem um “Sermão”, é este.
“Eu não fico satisfeito em não ser compreendido”
TMDQA!: Sermão é claramente um álbum mais solar e menos intimista do que o também ótimo Sintoma. Eu queria saber um pouco mais sobre o processo de composição das novas faixas. Como elas surgiram? O que elas representam para a sua vida?
Castello Branco: Eu sou a cobaia do que eu faço. Isso quer dizer que é impossível ter certeza absoluta de algo. Podemos ser bonitos e feios ao mesmo tempo. Aí entramos na questão do som. Eu estou tentando fazer um som mais pop, como algumas pessoas falam. Isso porque eu estou tentando fazer com que o som não siga muito a ideia do que eu estou dizendo, porque se não vai entrar em um lugar que só algumas pessoas vão acessar, o que não é meu objetivo. Eu não fico satisfeito em não ser compreendido. Não é uma vaidade minha. Tem gente que prefere ser incompreendido, mas eu não. Eu estou em um processo de tentar traduzir tudo que eu sinto e enxergo de uma forma mais fácil, sem que a pessoa tenha que pegar um livro. É um processo de educação cósmica.
Tem a questão da alquimia também. Eu estava ouvindo de novo a música “Os Alquimistas Estão Chegando“, do Jorge Ben, e aí concluí: “Cheguei”. Acho que é, de fato, o momento para buscarmos entender essa alquimia, que Raul Seixas, Ben Jor e muitos outros naquela época já começaram a falar, mas que todos consideravam “coisa de doidão”. Minhas mães eram feministas radicais, com cabelo raspado, pelo no sovaco… Elas saíram da cidades completamente incompreendidas, para criar um contexto em que a energia feminina fosse a predominante. Hoje, se você falar com qualquer jovem da zona sul carioca, todo mundo incentiva coisas assim. Eu sinto que fui criado em um contexto que só veio a ser entendido agora. Hoje, os alquimistas chegaram. Precisamos nos preparar para isso.
TMDQA!: Existe algum artista ou movimento musical em específico que inspirou a sonoridade das novas canções?
Castello Branco: Primeiramente, procurei alguém que pudesse entender essa coisa de um som um pouco mais comercial e, ao mesmo tempo, essa questão da adoração. Existem muitos artistas grandes que fazem isso, como a Beyoncé. É uma questão de adoração não ao artista, mas a alguma energia superior. Quando você faz um som com adoração, a energia é outra. É algo delicado, mas sinto que consegui fazer isso em Sermão.
“Quero abrir meu público”
TMDQA!: O disco é encarrado com a faixa “Uma Flecha Para O Futuro”, uma ode ao amor e uma lição para um ser humano insatisfeito. Como se deu, para você, essa perspectiva temporal do álbum, que começa com “Guenta Aí” e termina falando sobre perspectivas para o futuro?
Castello Branco: A trilogia passeia nos tempos. Serviço seria o meu passado, o Sintoma é o futuro e o Sermão é o presente. Falar sobre o futuro, neste disco, é um pedido para o ouvinte se acalmar. Estou pedindo para a pessoa se segurar ao presente. “Uma Flecha Para O Futuro” é um caminho para entendermos o futuro, sem precisarmos pensar nele. Em algum momento, a flecha será disparada.
TMDQA!: Isso me fez pensar: você já tem planos para o futuro da sua carreira?
Castello Branco: Eu quero fazer gravações com alguns parceiros, como a Duda Beat, o Rubel, a Aline Rosa… Eu tenho muita música, e quero fazê-las com participações especiais como singles. Quero abrir meu público para trazê-los para dentro da trilogia. Já para o quarto disco, ainda não sei (risos). Muita coisa pode acontecer!