Você sabe o que é um mantra? Não, não é apenas o título de canções de Nando Reis ou da banda Bring Me The Horizon. Em sânscrito, a palavra significa “instrumento para o pensamento”. É algo importante, que deve ser sempre reforçado para o praticante. Uma reza antes de determinada situação ou uma determinada canção podem ser considerados mantras.
O trio Tuyo tem como mantra a canção “Eu Não Te Conheço“, uma das mais famosas faixas do disco de estreia Pra Curar, lançado ano passado. Tal como as demais, é uma canção pessoal, intimista, mas com um significado importante e uma atmosfera quase que curadora (vide o nome do disco).
Recentemente, o trio lançou seu clipe oficial, com direção de Fernando Moreira. É interessante notar que a adaptação audiovisual não é necessariamente uma ilustração da letra. O resultado é apenas uma das possibilidades de compreensão daquela obra. Produzido e delicadamente concebido por uma equipe de Curitiba, o vídeo capta uma questão transcendental que envolve a saudável relação familiar entre Lio, Lay e Jean.
“É uma espécie de feitiço”
Conversamos por telefone com a vocalista Lio Soares sobre a nova obra. Também falamos sobre a importância dos videoclipes para a atual produção musical e, é claro, sobre a festa de 10 anos do TMDQA!, que acontece hoje e que contará com um show especial (e diferentão) do trio.
Confira abaixo o clipe e o papo:
TMDQA!: “Eu Não Te Conheço” é como uma espécie de mantra para vocês, certo? O que fez com que essa música se tornasse o mantra de vocês?
Lio Soares: Eu não sei, na verdade. A Lay estava escrevendo sobre coisas da vida dela, sobre como ela se sentia… Ela mostrou a música pra gente, porque é assim que as coisas funcionam na Tuyo, com cada um fazendo a sua composição e mostrando para o outro. A gente percebe que, apesar de estarmos em um lugar que eu acredito que seja um lugar muito seguro, eu senti que algumas coisas ainda estavam muito provincianas. A gente precisa se proteger de alguma forma.
Tem hora que não tem muita conversa. Tem hora que você só quer ficar em silêncio, por a mão no umbigo, colocar um algodão e sair de casa para tocar. Eu sinto que a “Eu Não Te Conheço” é isso. É uma espécie de metáfora atemporal do que a gente acredita ser da nossa dinâmica familiar, do jeito que um olha para o outro e protege o outro. É uma espécie de feitiço. Depois que a gente parou de acreditar em Deus e religião, ninguém teve curiosidade de procurar além. Mas acho que, de alguma forma, alguma coisa ritualística acabou ficando na gente. A gente aprende algumas coisas muito cedo, e vamos transformando elas em outras coisas.
TMDQA!: É uma canção com uma mensagem um tanto transcendental, mas acredito que ela traga muitas questões pessoais também.
Lio: Todo mundo tem um lado de não querer entrar na discussão, de não querer “dar palestra” e apontar o dedo. Dá vontade de falar “Eu não estou me identificando com o que você está falando, tchau!”. Às vezes você briga e fica inconformado. Pelo feedback que a gente recebe dos fãs, a Tuyo tem esse papel na vida de muita gente. A ideia é descansar. Talvez seja uma função nossa, apesar de eu acreditar que a música não é feita para ter uma função específica. Talvez essa música seja o nosso descanso também.
“Acho que falta literatura”
TMDQA!: Em relação a esse feedback, o que as pessoas falam especificamente sobre a “Eu Não Te Conheço”? O que eles falam faz sentido para vocês? Vocês ouvem interpretações muito distintas?
Lio: Vou falar para você a realidade. A gente tem vivido um momento de muito estímulo à falta de abstração. As pessoas têm entendido as coisas em um sentido muito literal. Acho que falta literatura. Falta metáfora. A gente está na era do “textão”. Todo mundo falar “eu acho”, mas falta ficção.
Sobre a “Eu Não Te Conheço” a maior parte entendeu de um jeito super literal. Mas é claro que depende de cada um, por que às vezes, o que a pessoa está vivendo no momento está pedindo aquilo. Já interpretaram que a gente estava falando sobre aborto. Já falaram também que é sobre violência contra a mulher, mas a Tuyo nunca surfou em bandeiras. Apesar de consumir, eu não sinto que é minha função de artista fazer isso.
TMDQA!: Vamos falar agora sobre o videoclipe. Eu sinto que hoje, um artista precisa aproveitar as ferramentas que têm à sua disposição para potencializar a mensagem da música. O vídeo que vocês lançaram não muito uma questão narrativa, já que não ilustra necessariamente o que está endo dito na letra. Existe uma outra atmosfera ali, que talvez tenha muito a ver com a direção. Como que isso se desenvolveu?
Lio: Eu conheci o Fernando (Moreira, diretor) há um ano mais ou menos. Falei que se ele quisesse fazer qualquer coisa com a gente, ele teria que andar com a gente e entender minimamente a nossa vida. Viramos muito amigos, cada um entrando no mundo do outro. No fim das contas, a iniciativa nem foi nossa. Foi dele. Investimos tempo nele e vice-versa, e foi uma experiência muito legal. Eu gostei da disposição que ele teve para entender a nossa dinâmica familiar. Com isso, ele conseguiu transformar essa dinâmica em um objeto de arte, que foi esse filme.
“Faço uma novela pra cada música na minha cabeça”
TMDQA!: Já que vivemos em uma sociedade completamente imagético, eu creio que todo mundo gosta de atribuir imagens a sons. Vocês têm isso de, por exemplo, imaginar um clipe para cada música da Tuyo quando ouvem?
Lio: Nossa, pra caralho (risos). Faço uma novela pra cada música na minha cabeça. Eu e a Lay temos muito disso. O Jean também, mas ele faz umas viagens mais filosóficas de ideia, enquanto eu e ela pensamos umas coisas mais factuais. Quando estamos calados, está cada um imaginando algo na cabeça.
TMDQA!: Mas vocês já chegaram a sentar e discutir uma ideia que tiveram do nada, para um potencial vídeo? Como que funciona essa dinâmica no grupo?
Lio: Todos os clipes que fizemos até agora foram ideias conjuntas. A gente chega no diretor depois e fala, por exemplo, “quero fazer um clipe dançando”. Meu próximo desafio é fazer um clipe inspirado em “Um Príncipe Em Nova Iorque”. Acabei de sair de uma reunião e falei disso. Falei brincando “Sabe esse filme? Então, assiste e vamos fazer um clipe. Boa sorte aí” (risos). Dificilmente o diretor chega com a ideia e a gente aprova. É sempre o contrário!
TMDQA!: Aproveitando que vocês lançaram recentemente um disco de remixes, eu quero saber como vai ser misturar esses remixes com as versões originais ao vivo. Vocês vão fazer isso na festa de 10 anos do Tenho Mais Discos Que Amigos!? Como vai ser montar os repertórios daqui para frente?
Lio: Vai ser uma putaria! Nós vamos colocar tudo. O Jean está trabalhando que nem um idiota. Todo dia ele acorda e vai direto para o computador trabalhar nas pistas e em como vamos emendar uma música na outra. Vai ser a primeira vez que vamos fazer isso. Vai ser meio que um teste. Se der tudo certo, vamos passar a tocar mais músicas dos remixes. A gente está bem otimista. A gente tem uma relação longa e de muito afeto com o Tenho Mais Discos. Queríamos fazer algo especial para comemorar os 10 anos do site.
https://www.instagram.com/p/B5aL7zlDQJ-/
TMDQA!: Alguma contribuição final?
Lio: Acho importante falar que toda a turma que participou da gravação do clipe é uma galera muito competente de Curitiba. Eles abriram mão de outros trabalhos para estarem com a gente. O clipe só saiu bom assim porque trabalhamos com a melhor equipe de Curitiba.
https://www.instagram.com/p/B5tJFiEDBDO/?igshid=d3ecneqbo93z