Texto por Guilherme Coutinho
“Eu voltei agora pra ficar / Porque aqui, aqui é meu lugar…”
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu a favor de Francisco Everardo
Oliveira Silva, o humorista e político mais conhecido como Tiririca, em caso que discutia a paródia da música “O Portão”, composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, feita na campanha política para reeleição a Deputado Federal em 2014.
O assunto causou polêmica especialmente porque foi uma decisão unânime que reverteu
o entendimento anterior do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos últimos dias, viralizou uma nota do jornal O Globo que afirma que Tiririca “plagiou uma música” para ganhar votos e que a situação é um “disparate”.
É claro que o fato de 2020 ser ano de eleição municipal e a política estar bastante polarizada, também ajudam a colocar lenha na fogueira. A Associação Procure Saber (APS), que reúne grandes artistas da MPB, divulgou nota assinada pela produtora Paula Lavigne que define a decisão como: “uma grave ameaça ao exercício dos direitos autorais ao colocar em risco especialmente os direitos morais de autor”, e afirma ainda que “Cabe ao autor autorizar ou não o uso de sua obra, (…) sobretudo para usos com finalidades político partidárias”.
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Contexto
Em 2014, a JBS estava investindo pesado em marketing para popularizar a marca de carnes Friboi e resolveu fazer um contrato milionário com Roberto Carlos. O artista, que havia ficado décadas sem comer carne, gravou um comercial em que aparecia em um restaurante, ao lado de familiares e pessoas próximas, dialogando com um garçom e afirmando que havia voltado a comer carne, obviamente da Friboi. O detalhe é que o Rei sequer tocou no alimento, o que causou uma repercussão bastante negativa pra marca, que resolveu cancelar o contrato e a produção de novas propagandas com Roberto Carlos (o assunto chegou a virar uma disputa judicial, que foi definida em acordo entre as partes).
Tiririca, que já ia para sua segunda eleição e, desde a primeira, apostava em peças de humor para promover sua campanha política, aproveitou a repercussão e fez uma versão da música em que canta “Eu votei, de novo eu vou votar / Tiririca, Brasília é o seu lugar” imitando Roberto, com um prato de carne à sua frente.
Direitos Autorais
É bom esclarecer que quem iniciou a ação judicial foi a EMI Songs do Brasil Edições Musicais Ltda (empresa do grupo Sony). No mercado musical, geralmente os autores de uma música possuem contratos com editoras musicais, que cuidam dos direitos econômicos em troca de um percentual dos valores recebidos pela utilização. Cabe ainda ao autor os direitos morais, entre eles o de paternidade (reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra) e integridade (opor-se a quaisquer modificações).
Então, para se discutir de que forma a utilização em uma propaganda política poderia abalar os direitos morais dos autores, seria necessário que Roberto e Erasmo Carlos tivessem participado da ação ou ajuizado ações próprias, o que não parece ter ocorrido. A legislação prevê que os direitos morais não podem ser transferidos, assim a editora não poderia reivindicar estes direitos.
Desta forma, eventualmente, o caso poderia ter uma análise diferente se os autores tivessem participado ativamente do processo. Coube à editora requerer um ressarcimento econômico de Tiririca, assim como solicitar que fosse interrompida a utilização sem autorização.
O Que Diz a Lei?
A lei de direitos autorais permite situações em que uma obra protegida, como por exemplo uma música, pode ser utilizada sem autorização. Um destes casos são as paródias, que a própria decisão do STJ define como imitação de composição literária, filme, música, obra qualquer, que resulta em composição nova.
A legislação garante serem livres “as paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra original nem lhe implicarem descrédito”. Obviamente “descrédito” é algo subjetivo, até porque geralmente paródias utilizam humor, então para caracterizar alguma desvalorização seria preciso algo mais concreto do que a mera utilização de ironia.
A utilização de obra em propaganda política, principalmente caso o candidato defenda valores opostos ao do autor, é algo que poderia ser caracterizado com descrédito, mas a decisão do STJ aponta que a finalidade da paródia (se comercial, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra) não deve ser levada em conta na análise, já que a legislação não diferencia o intuito da nova versão, todas seriam livres.
Sendo assim, o Superior Tribunal de Justiça teria apenas cumprido o que diz a lei, já que as paródias estão dentro das exceções dos direitos autorais no Brasil.
E aí, qual a sua opinião?
Guilherme Coutinho é advogado, consultor e professor na área de direitos autorais. Tem doutorado na área pela USP. Em 2019, fundou a Phonolite, empresa especializada em direitos autorais e mercado da música.