Natália Matos fala sobre primeiro show no Rio de Janeiro e os estereótipos associados à música paraense

Prestes a lançar seu terceiro álbum de estúdio, Natália Matos faz sua estreia em um palco carioca e promete um show cheio de surpresas.

Natália Matos
Foto: Julia Assis

Costuma-se falar que todo japonês lida com tecnologia, que todo espanhol frequenta touradas, que todo russo bebe vodka como se fosse água… São retratações culturais que acabam engolindo outras e se tornam, infelizmente, a “cara” de um lugar. Assim funcionam os perigosos estereótipos, que reduzem a riqueza de uma cultura a um mero fato (ou às vezes nem a isso).

Isso se aplica a todo lugar do mundo, inclusive ao Brasil. Afinal, você sabe sambar e jogar futebol? Porque é a essas imagens que todo estrangeiro nos associa.

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Um país continental como o Brasil, por sinal, também está recheado de estereótipos. Desde o “malandro carioca” até o sertanejo goiano que anda sempre de chapéu e camisa social quadriculada, nenhuma região do país consegue fugir de uma rápida vinculação a uma característica. Quando reduzimos a esfera cultura apenas à produção musical, é a mesma coisa. A Bahia do axé, o Rio de Janeiro da bossa nova, o Goiás da sertanejo universitário e por aí vai.

A notícia ruim é que essas generalizações vão sempre existir por causa da nossa necessidade social de definir padrões. Já a notícia boa é que a pluralidade cultural do Brasil se reflete em cada um de seus estados e regiões e, em parte graças às novas tecnologias, existem muitos artistas por aí fazendo música fora da caixinha e levando a produção local  a se mostrar cada vez mais diversificada. BaianaSystem (BA), Carne Doce (GO), Rosa Neon (MG) e Duda Beat (PE) são apenas alguns desses exemplos.

A música da paraense Natália Matos, por exemplo, é muito diferente do que é associado diretamente ao Pará. Além das influências no carimbó e na guitarrada, sua sonoridade vai além e busca elementos no pop. Ela faz parte de uma nova cena da música local que bebe de várias fontes e entrega resultados incríveis, incluindo nomes como Jaloo e Aíla.

Pela primeira vez no Rio de Janeiro

Com dois discos lançados até então (sendo o último o ótimo Não Sei Fazer Canção de Amor, de 2017), Natália é uma grande aposta nacional e fará a sua estreia no Rio de Janeiro no próximo dia 16 (quinta-feira). A apresentação, cuja entrada é gratuita, acontecerá no Espaço Cultural BNDES, no Centro da cidade, e tem previsão de início para as 19h.

Tivemos a honra de conversar com Natália, que nos contou sobre suas influências e sobre o perigo dos estereótipos culturais. Ela também deu um pequeno “spoiler” de seu show e de seu terceiro álbum de estúdio, que será lançado ainda este ano.

Confira abaixo:

TMDQA!: O fato de o Brasil ser um país gigante faz com que as pessoas sequer conheçam o que está rolando em outras áreas, o que gera muitas vezes uma visão estereotipada do que é feito. O estereótipo pode ser a afirmação de uma cultura, mas pode ao mesmo tempo ser prejudicial por conta dos rótulos. Eu lembro de muita gente surpreendida pelo show “Pará Pop”, que aconteceu no último Rock In Rio, juntando Fafá de Belém, Jaloo, Lucas Estrela e mais. O que acha sobre isso? Estereótipos são perigosos?

Natália Matos: O Pará Pop, como você citou, foi um momento muito importante para a nossa cena, ao conseguir levar diversas vertentes da nova música local. O Pará é um lugar muito musical, com suas cenas de pop, de rock, de carimbó… Acaba que as mais tradicionais acabam levantando a cena, mas temos, por exemplo, Jaloo abrindo uma nova porta enquanto hitmaker. Ele faz canções pop que trazem referências de toda a música brasileira. Para mim, é muito maravilhoso ter uma referência como ele já podendo representar o Pará.

Quando eu lancei meu segundo disco, o Não Sei Fazer Canção de Amor, a assessoria, na hora de vender, recebia feedbacks como “Mas e aí? O que ela tem de música paraense no que ela faz?”. É difícil ser quase obrigado a soar “paraense”. Na época, isso foi um tanto chocante para mim. Eu sempre dialoguei com as pessoas de todas as áreas. Eu nasci dançando carimbó. Quem mora no Pará, aprende o brega por osmose (risos), então é muito natural que isso esteja de alguma forma na minha obra. Vai do meu inconsciente para as minhas canções. Está na forma como construo minhas melodias, no meu olhar… Mas não precisa ser unicamente isso em termos estéticos. Eu me vi tendo que justificar para algumas pessoas o porquê de não soar tão “amazônico”. O desafio é justamente estar sempre em movimento, transformando inclusive o que é uma referência tradicional.

TMDQA!: Uma vez, conversamos com o China sobre o disco mais recente dele, no qual você participa. Quando perguntamos sobre as participações especiais, ele falou que ficou impressionado com seu trabalho. Falou que você foge um pouco da estética da música paraense, trazendo algo mais pop. 

Natália: O China acabou virando um amigo. Foi um encontro musical muito bacana para a gravação do disco dele, que foi produzido pelo Yuri [Queiroga], que já conhecia meu trabalho. É lindo saber que ele se encantou e saber que o que chamou a atenção dele foi eu não me encaixar nos padrões esperados pelas pessoas. A mesma coisa acontece com ele. Acho que a música do China não cumpre, de forma óbvia, os estereótipos da música pernambucana. É um cara que escreve bem para caramba e virou uma referência para mim. Ele não tem fronteiras para composições e para trocas com outros artistas.

 

“Agregar novas linguagens é importante”

TMDQA!: Ainda sobre regionalidades, você considera que a sua música é capaz de atravessar essas “fronteiras imaginárias” que acabam categorizando sua música como “paraense”?

Natália: Eu acho que minha música atravessa essas fronteiras. Muitas gerações, inclusive as de Fafá [de Belém], Leila Pinheiro e do próprio Jaloo, já se fazem maior do que o próprio regionalismo. Ele está no nosso olhar, nas nossas referências, mas não necessariamente a gente precisa soar assim. A construção da sonoridade é sempre mais ampla e sempre ultrapassa essas fronteiras.

 

TMDQA!: E como você definiria a sua sonoridade? O Pará deve estar certamente no meio das suas referências, certo?

Natália: Acho que é uma sonoridade que está sendo diariamente construída. Eu ouvi muita coisa da música brasileira que ficou em voga durante os anos 60 e 70 no Brasil, e que acabou virando a “clássica música brasileira”, como a galera da Tropicália e os mineiros. Isso além dessa cena independente que surgiu com nomes como Tulipa [Ruiz], Céu, Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata… Eu bebo desse povo todo.

Mas tem bastante Pará também! A Fafá de Belém é um exemplo disso. Para mim, foi muito emocionante vê-la pela primeira vez no palco do Rock In Rio. Com certeza, ela encontrou muito mais dificuldade do que outras, justamente pelo fato de ser do Norte. Eu fico realmente emocionada de vê-la ali. Queria que o Pará tivesse alcançado esse status antes. Que este seja o início de algo muito bom e que isso aconteça também com outros estados do Brasil, para quebrar essa hegemonia que existe da música do Sudeste, e que de fato a gente possa ocupar lugares.

Se for para definir a minha música, eu a definiria como pop, porque eu quero comunicar. Quero que a minha música chegue nas pessoas, mas ela acaba sendo pop também no sentido estético. Eu não pretendo deixar de olhar as estéticas que estão sendo criadas e de dialogar com as coisas que estão sendo criadas no mundo. Agregar novas linguagens é importante, e eu acho que é algo que nunca vai parar.

 

TMDQA!: Ao mesmo tempo, a questão do fortalecimento de uma cena musical local é muito importante em qualquer lugar. Nada se faz sozinho, e as trocas entre artistas tendem a ser sempre benéficas. A sua recente versão de “Lua Moradeira”, por exemplo, é uma composição de Dona Onete, grande nome da música paraense, e conta com produção do também ótimo Manoel Cordeiro. Com você enxerga isso? Como é, para você, essa troca entre artistas? Com que tipo de artistas você costuma se relacionar?

Natália: Nada se faz sozinho. No caminho a gente vai encontrando parceiros, e acho que o que faz a gente escolher com quem a gente trabalha, além da empatia, é a vontade que um tem de contribuir com o trabalho do outro. Foi assim com a Dona Onete no primeiro disco. Ela abriu a casa dela e me mostrou várias composições. Eu a gravei no álbum. Toquei muito com o Manoel no último ano. Ele, assim como eu, se mudou para São Paulo recentemente. Ele é um cara muito genial e generoso ao mesmo tempo, abrindo as portas de musicalidade dele para mim. Eu participei de vários shows dele e resolvemos registrar isso com a produção dele. Ele também produziu outra música minha, que é um bolero chamado “Sem Razão”, que deve ser lançado junto com as outras músicas do disco.

Ao longo da caminhada, a gente vai construindo novos parceiros. Por exemplo, o Manoel me apresentou ao Kassin em 2019, quando fui cantar com ele no lançamento de um filme chamado “Amazônia Groove“. Eu conheci o estúdio dele e ele abriu o estúdio dele para gravar comigo. Ele produziu músicas novas minhas. É muito bonito ver a visão de quem veio do lugar de onde eu vim. Isso é outra preferência minha na hora de escolher. Eu quero que a pessoa saiba de onde eu vim, que se interesse minimamente. Por mais que eu não faça música regional, ele tem um olhar sobre o que é o Pará e a cultura de lá. Ajuda a gente a “falar a própria língua”. Foi um prato cheio e uma ótima experiência.

 

TMDQA!: Quais são, na sua opinião, os caminhos para uma cultura musical mais democrática no Brasil? Digo, o que deve ser feito para que o foco deixe de ser especialmente o que é feito e divulgado no Sudeste? O que já melhorou e o que ainda pode melhorar?

Natália: Eu acho que essa representatividade das regiões do país é algo bem complexo, até por conta da divisão de investimento federal. Eu acho que artistas de todas as regiões devem aparecer em premiações e festivais. O próprio público, com esse democratização que as redes sociais trouxeram, faz com que essa descentralização aconteça naturalmente. Assim, a demanda faz com que as distribuidoras, organizadoras de festivais, gravadoras e outras responsáveis pelo mercado da música olhem para essas outras regiões. É muito importante que quem pensa a indústria da música tenha esse olhar de diversidade.

Abrindo esses espaços para as diversas regiões, será inevitável o interesse de novos públicos pelo o que está sendo produzido em lugares que ainda estão à margem do grande mercado. Acho super importante que esse tipo de diversidade regional também seja pauta das curadorias do mercado da música no geral.

 

“Preparamos um show inédito”

TMDQA!: Quais são suas maiores inspirações musicais? Que tipo de sonoridades ou artistas mais influenciaram você ao longo da sua carreira?

Natália: Minha formação artística é feita sobretudo de música brasileira. Ouvi muita música brasileira na adolescência e me encantei com o jazz norte americano. Depois comecei a cantar nas rodas de choro, cantando sambas do início do século passado. Mais tarde, em busca da construção estética do meu trabalho autoral, eu fui atrás de referências do pop e do indie mundial que acabaram entrando também como referência estética. É uma lista enorme de grandes nomes da música que, sem dúvida, trago como influências. Marisa Monte, Fafá de Belém, Dona Onete, Billie Holiday, Elis Regina, Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Donato, Noel Rosa, Aracy de Almeida, Arnaldo Antunes, Gal Costa, Céu, Mayra Andrade, Natalia Lafourcade, Jorja Smith e Joy Crookes, que é minha paixão no momento.

 

TMDQA!: É a sua primeira vez se apresentando no Rio. Como você descreveria um show seu para os cariocas?

Natália: Há tempos quero tocar no Rio. Estou muito feliz de tocar pela primeira vez, e espero que seja a primeira de muitas. Preparamos um show inédito para a ocasião. O repertório tem músicas dos meus dois discos, singles que lancei ano passado e também musicas novas que vou lançar agora em 2020. Tá lindo, pop e brasileiro!

 

TMDQA!: Você está para lançar seu terceiro disco de estúdio em 2020, certo? Pode nos adiantar algo sobre o que está por vir?

Natália: O disco está em processo, mas com várias músicas já prontas. Vou aproveitar essa nova forma de ouvir música para lançar essas músicas já prontas e depois lançar o disco inteiro. É uma forma de não acelerar o meu processo e, ao mesmo tempo, de me aproximar do público. Consigo me dedicar a esse momento lento de produção e estúdio e ainda levar as musicas para o público até chegar a hora de lançar o disco inteiro. Depois do carnaval lanço a primeira, produzida pelo Kassin, e sigo lançando o ano todo.

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