Entrevistas

"Necessidade de ser ouvido": conversamos com Rashid sobre o projeto multimídia do disco "Tão Real"

Com motivos de sobra para compor, Rashid chega ao sétimo trabalho solo, lançado em formato multimídia. Leia nossa entrevista!

Rashid - Tão Real
Foto: Moysah

Ao unificar as artes num trabalho só, Rashid traz o sétimo trabalho ao mundo, intitulado Tão Real.

O rapper o montou como um projeto audiovisual dividido em três partes. Além dos videoclipes de cada canção, o conteúdo multimídia conta também com spin-offs, podcasts e pôsteres.

Tudo começou no ano passado, já no segundo semestre, e agora chega à parte final da trilogia, com seis faixas cada, que conta com participações de Emicida, Duda Beat e Tuyo. O conteúdo completo, com acesso para todas as plataformas, está disponível no site oficial.

Ao dar o enfoque sobre a concepção, parcerias e estratégia acerca do Tão Real, o rapper nos deu uma entrevista exclusiva. Confira abaixo:

TMDQA!: Olá, Rashid! Primeiro, obrigada pelo seu tempo. Então vamos lá: estamos vivendo um momento caótico em um contexto sociopolítico. Para quem tem voz, é um momento certo para propor ações transgressoras. Temos visto isso em vários álbuns que foram lançados no ano passado e continuam nesse ano, dentre eles o Tão Real, com o formato de trilogia. Como essa ideia surgiu e como você tratou de temas sobre a sociedade nele?

Rashid: A ideia de dividir o álbum em temporadas veio da necessidade de ser ouvido. Em 2019 tivemos muitos lançamentos de discos de Rap, grandiosos por sinal. Eu queria que o meu álbum pudesse ser realmente ouvido, digerido, interiorizado pelas pessoas e não só fosse aquele play de “conferência” para poder ganhar uma nota e ser guardado na prateleira do limbo.

Então, entre tantos discos, separamos o nosso e conseguimos esse espaço no coração das pessoas pedindo para que ouvissem seis músicas por vez, ao invés de 18 numa pancada só.

Os temas sociais estão sempre presentes porque eu vivo a rua, me inspiro nas coisas que acontecem no mundo real, com pessoas reais, eu incluso. Então não seria possível, no meu papel artístico e com a minha visão de mundo, não tratar de tais temas nas letras.

Meu som abraça a realidade em todas as instâncias possíveis dentro do que consigo enxergar, e, enxergando o que tá rolando, é quase um dever moral usar minha voz.

TMDQA!: A estratégia em compor como um projeto transmídia tem refletido no seu trabalho de forma muito densa, fazendo dessa experiência estética um artefato de se conectar mais com as tuas mensagens. Como você sentiu isso na resposta do público?

Rashid: Percebi que o público abraçou essa coisa de ter transformado o lançamento em um seriado mais do que eu imaginava. Fique bem feliz ao ver as pessoas se dirigindo às partes separadas do álbum, como temporadas mesmo, ao invés de chamar de EPs ou qualquer outra coisa.

Quando fui assistir ao Emicida no Theatro Municipal, 90% das pessoas que me pediram para tirar foto me disseram “tô esperando a terceira temporada, hein!?!”.

Isso para mim foi um sinal de que a ideia se comunicou com o público, eles entenderam o objetivo.

A série em vídeo, o podcast, os pôsteres, o site e tudo mais que acompanha o projeto ajudam a pessoa a sempre ter mais desse universo Tão Real e, sem dúvida, essa interação aumenta o alcance e a profundidade das ideias dos sons.

TMDQA!: Com isso, deve-se imaginar que o processo de produção da trilogia, seja no audiovisual ou no estúdio, desenvolve um certo amadurecimento, como se seus trabalhos anteriores tivessem acumulado boas referências.  Foi essa a intenção?

Rashid: Ah, isso sem dúvida. O passado é referência. Como aquele adinkra, o Sankofa, que significa algo como “olhar pro passado pra mudar o presente e construir o futuro”.

Então, tudo que vim fazendo culminou nesse disco. Mais do que isso, culminou nesse Rashid de hoje. O [álbum] Tão Real tem essa premissa, essa visão de que eu sou a minha obra, no fim das contas. É tudo sobre transformação e continuidade. Esse disco novo acaba de me ajudar a construir uma base mais sólida para meus projetos de amanhã também e assim por diante.

TMDQA!: E isso sem contar que tem a inclusão de outros estilos musicais, seja na instrumentação e nas colaborações, como Lellê, Duda Beat, além de outros grandes nomes como Emicida. Como você interpreta essa integração, foi algo que fluiu naturalmente? 

Rashid: Eu penso no convidado sempre a partir do que a música pede. Dentro da normalidade do que as pessoas chamam de indústria ou “jogo”, eu tento sempre escutar a arte e ver o que mais tem a ver. Na música da Lellê, eu precisava de uma voz grandiosa, que passasse uma coisa espiritual e se comunicasse com o público também. Ela vem do universo Pop, mas me transmite tudo isso, por isso a convidei e nossa energia bateu muito.

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Rashid: Já com a Duda, antes de pensar no tipo de voz, eu senti que o instrumental tinha a ver com o universo dela. Aí ela veio com aquela vozeirão e fez a música crescer um tanto.

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Rashid: Com o Emicida é diferente, porque tem uma amizade de longa data aí. Estamos há anos começando uma música aqui e outra ali e parando no meio do caminho. A gente se tromba bastante, mas é tanta ideia para trocar sobre tanta coisa que aconteceu na nossa vida nessa última década que cair pro estúdio se torna quase uma segunda coisa. Quando recebi esse instrumental, sabia que ele iria gostar porque é o tipo de beat que te chama para rimar e a gente já estava conversando de fazer uma música assim faz tempo. Sabíamos que as pessoas estavam esperando algo pesado vindo de nós dois, queríamos subverter as expectativas mas com algo que fosse agradável a essas mesmas pessoas.

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TMDQA!: Essa estratégia “frenética” do material transmídia tem sido bastante propenso ao reflexo cultural do país, seja nos panoramas dos festivais e também o que se ouve pelas ruas. Podemos esperar isso também na terceira e última parte? 

Rashid: A Terceira Temporada vem também acompanhada de um conteúdo multimídia, que vai sair em um período curto de tempo após o lançamento. Mas, a partir daí, acho que vale por o pé no freio um pouco, porque a ideia aqui não é exatamente acompanhar a velocidade da informação aí do lado de fora e nem saturar nossa arte. A ideia principal era criar algo diferente do que já fizemos e da maioria das coisas que vemos, mesmo com algumas similaridades, porque convenhamos que é muito difícil inventar a roda agora em 2020.

Acho que a parada principal do projeto é trazer a música que amamos, com a mensagem que acreditamos, de um jeito especial. Para que seja uma experiência diferenciada chegar até esse álbum.

TMDQA!: Você tem mais discos que amigos? 

Rashid: Sem sombra de dúvida. Mas meus amigos são poucos e muito bons. 90% deles são os mesmos desde antes do Rashid ser o que é hoje e os que vieram depois também são espíritos de luz que a vida colocou em nosso caminho.

Rashid no Lollapalooza

Escalado mais uma vez para o Lollapalooza Brasil, já que seu show na edição passada foi cancelada por conta dos riscos causados pela chuva, Rashid toca no último dia de festival, 5 de Abril. O rapper promete também que “não será um show só com as músicas do disco novo”, irá mesclar bastante com os outros discos, mas com certeza de que o Tão Real será destaque naquele palco, além de querer levar alguns convidados do disco para cantar junto.