Entrevistas

Conversamos com Leo Middea sobre seu novo disco "Vicentina", fruto de momentos delicados

Gravado em Lisboa, o novo disco de Leo Middea reflete sobre a solidão que o cantor viveu na República Tcheca, mas traz raízes na musicalidade brasileira.

Leo Middea
Foto: Rita Grazina

Todo mundo precisa fugir da realidade de vez em quando. É encontrar novas inspirações, respirar ares novos, se renovar e buscar respostas que nem sempre são óbvias. Foi isso que pensou o cantor e compositor carioca Leo Middea, que se mudou para a Portugal em 2017.

Na ocasião, Leo pensava em largar a sua carreira musical que até então acumulava os discos Dois (2014) e A Dança Do Mundo (2016). Deprimido e angustiado, o cantor sentia-se sem rumo definido. No entanto, em um belo dia durante vivências cinzentas em Praga (na República Tcheca), aconteceu um plot twist inesperado. Ele encontrou cerca de 100 gravações inéditas em seu telefone, sendo a maioria feita em Portugal.

As faixas tinham uma atmosfera clara, solar e expansiva, em tremendo contraste com a solidão que Leo vivia na época. Novamente inspirado, Leo ligou imediatamente para o amigo e produtor musical Paulo Novaes. De volta a Portugal, a dupla se empenhou arduamente em transformar 100 músicas em 30, para depois dar forma a forma final de um novo trabalho que contou com a seleção de 12 faixas.

Para o nome do novo disco, o compositor lembrou logo de um momento que vivenciou quando tinha apenas quatro anos de idade. Na ocasião, uma simpática senhora, amiga de sua avó, chegou ao ouvido do jovem Leo e disse: “Quando você crescer, vai ser cantor”. Apesar de ser um disco muito pautado por seu atual momento de vida, não teve como o cantor não associar a situação à simpática Vicentina.

 

“Tudo que seja momento me atrai”

Carregando a essência da MPB clássica e a temperando com um sabor mais pop, Vicentina (o disco, não a senhora) traz referências a Caetano e Gil, mas também viaja no tempo em associações a Los Hermanos e Cícero. Enquanto isso, a produção de Novaes deu um “toque europeu” ao álbum, que também conta com as colaborações de Polivalente (arranjos) e de Janeiro (revelação do pop local, que canta com Leo em “Romances”).

Com essa “atmosfera chique”, Leo estará no Rio de Janeiro hoje (06) para apresentar o novo disco ao público de sua cidade natal. O show único acontecerá no Solar de Botafogo, na zona sul do Rio, e ainda tem ingressos disponíveis vendidos a partir de R$25,00.

Leo respondeu algumas perguntas do TMDQA! sobre o novo disco, seu processo de nascimento e sobre sua vivência internacional. Confira abaixo:

Capa de "Vicentina" (Leo Middea)
Foto: Divulgação

TMDQA!: Você estava passando por momentos difíceis em sua vida pessoal em meados de 2018. Composições suas gravadas em celular no ano anterior te ajudaram a ver tudo ao seu redor com novos olhos. Como foi usar a música para protagonizar essa “volta por cima”?

Leo Middea: A música “Rua de Angola 7” me ajudou. Ouvi ela no celular e lembrei de toda a história por trás da canção. Me fez sentir imensas coisas boas. Eu estava em Praga na República Tcheca fui pra lá como fuga da música e também por amor. Chegando lá, tudo foi o oposto de como eu imaginava. A cidade é linda mas se a gente não consegue sentir a beleza interna. Todo o externo fica distorcido. A combinação perfeita foi ter sentado num muro olhando para a ponte Charles Bridge ouvindo a primeira versão de “Rua de Angola 7”, feita em voz e violão. Ela deu o início para eu começar a analisar todas as outras músicas que eu tinha no celular e ligar para o Paulo Novaes pedindo pra ele produzir o disco em Lisboa.

TMDQA!: Música salva vidas. Que dica você daria para quem se vê “andando perdido na rua” superar este momento difícil?

Leo: Confie no coração; ele conta tudo! É importante ouvir as pessoas e o que elas têm pra te dizer. Isso ajuda muito, mas tudo está dentro de você. A intuição é o caminho mais eficiente para se seguir. Conseguir enxergar isso é de uma libertação tamanha!

TMDQA!: Artistas são pessoas normais e, por isso, também passam por mudanças. Possuem várias faces e fases. É incrível poder conhecer mais à fundo a obra de um artista, não ficando restrito àquela de ideia de “preto ou branco” à qual são constantemente associados. Como você mesmo disse, “Tudo que seja momento me atrai”. O que a temática do disco revela ao ouvinte sobre seu momento atual?

Leo: O meu momento atual já é outro (risos)! A famosa constante mudança se aplica aí. Tudo é novo! tudo é diferente o tempo inteiro e isso me atrai. Poder estar em movimento, poder experimentar emoções, aventuras… A monotonia me deprime. A temática do disco eu não sei ainda bem ao certo, porém sei que a fonte dela é a entrega da cabeça aos pés. Está estampada no disco a minha ida sozinho para Lisboa sem conhecer ninguém, o processo de ir pedir dinheiro na rua para gravar o disco, todos os músicos, produtores e arranjadores terem participado totalmente de graça, apenas no amor querendo ajudar… Tudo isso está ai, o disco é coletivo, não é só meu.

 

“Parei de buscar uma coisa especifica que eu nem sabia o que era”

TMDQA!: Qual é a principal diferença entre o Leo que lançou A Dança do Mundo e o Leo de Vicentina? Em quatro anos, muita coisa muda!

Leo: Acho que Vicentina é a marca da minha mudança para Europa, e isso está estampado em cada canção. Eu encontro toques de Lisboa em cada música. A principal diferença eu acredito que esteja no modo pelo qual passei a ver a minha carreira. Acho que parei de buscar uma coisa especifica que eu nem sabia o que era e passei a viver de acordo com o ritmo natural das coisas.

TMDQA!: Paulo Novaes te ajudou na seleção das canções. Acredito que tenha sido um grande desafio para vocês transformar cerca de 100 canções em apenas 12. Como foi esse processo de amadurecimento do disco? Que mensagens você quis deixar mais evidentes e o que acabou sendo largado de mão durante esse processo?

Leo: Ele me ajudou super! Das 100 músicas, eu consegui deixar umas 30/35 e ai passei pro Paulinho. Depois dessas 30 sobraram umas 18 e essa foi a parte mais difícil. Foi um processo como se eu quase que tivesse que escutar o que o álbum queria e precisava. Acho que consegui selecionar bem. Sinto que tem umas 4 ou 5 músicas que ficaram de fora que eu ainda tenho a certeza que quero gravar. A mensagem que ficou mais evidente foi o coletivo. Quem estiver minimamente sensível irá sentir um amor coletivo de cada pessoa que participou no processo. O que acabou sendo largado de mão durante esse processo foi a ansiedade (risos), com certeza! O disco estava pronto no final de julho de 2019, segurei ele até janeiro de 2020.

TMDQA!: Vicentina é uma personagem da vida real que deu nome ao disco. Hoje, aos 24 anos, como foi revisitar o momento em que ela disse que você se tornaria um cantor? Olhando para a sua trajetória, você lembra o quanto essa frase te inspirou/influenciou sua carreira?

Leo: Ela me disse isso quando eu tinha 4 anos de idade, mas nunca havia levado tão a sério. Após dez anos desse momento eu fui aprender a tocar violão, apesar de não cantar ainda. O tempo foi passando até que, quase 20 anos depois, durante o processo de criação das músicas que iriam estar no terceiro disco lembrei daquilo que ela disse, que eu iria ser cantor quando crescesse. Foi muito curioso pois eu lembro nitidamente dela já bem velhinha dizendo no meu ouvido que eu iria ser cantor. Eu havia esquecido disso mas ela acertou em cheio! Ela era de fato bem sensível.

Leo Middea
Foto: Rita Grazina

 

TMDQA!: O álbum passeia por influências diversas dentro da música brasileira. Tem um pouco de Caetano, de Gil, de Los Hermanos e de Cícero. Como foi construir seu som a partir dessas referências?

Leo: Foi tudo natural. Eu escutava esses quatro artistas porque eu gostava imensamente deles. Aos poucos, eu comecei a sentir que o que eu criava no violão tinha um toque de alguém com quem eu me identificava. Fui criando músicas e, na mistura, começou a soar algo que eu identificava como algo próprio. Porém, eu adoro conhecer novos artistas, então estou sempre com novas influências e sentindo diferentes toques sonoros.

TMDQA!: É um álbum que fala, de certa forma, de sua distância do Brasil e de sua solidão na República Tcheca. E ainda foi gravado em Portugal, com a ajuda de nomes como Polivalente e Janeiro. O que essa vivência internacional adicionou a seu trabalho? Na sua visão, isso foi uma forma de desenvolver uma narrativa de não-pertencimento ou trata-se de uma expansão territorial que foi necessária ao disco?

Leo: Foi tudo natural! O Paulo Novaes assumiu a produção e o Polivalente fez os arranjos, o que eu particularmente achei que teve deu um toque europeu no modo de pensar nas melodias. A produção inteira do disco foi uma mistura entre brasileiros e portugueses e essa soma foi incrível. Foi uma troca de culturas muito bonita e que gerou algo que me agradou bastante. A faixa “Romances” tem a participação do Janeiro, que mostra mais nitidamente essa mistura entre Brasil e Portugal.

TMDQA!: Falando ainda sobre localidades, duas das canções do disco novo têm localidades de Portugal no título. No que a “Rua de Angola 7” e o “Bairro da Graça” te inspiraram para ganharem tanto espaço assim no álbum?

Leo: Bairro da Graça foi o bairro que eu mais frequentei assim que me mudei para Lisboa. Tinha vários amigos por lá, então esse bairro me influenciou muito em vários aspectos. Os meus primeiros 6 meses foram marcados por várias idas para lá. Eu morava do lado desse bairro, morava nos Anjos na Rua de Angola 7. E esse endereço virou uma música que fiz de despedida para o meu amigo Rogério, que morou comigo nessa casa durante dois anos.

TMDQA!: Você vai se apresentar no Solar de Botafogo no próximo dia 6. Como descreveria os shows dessa sua nova fase? Como as músicas novas vão dialogar com as antigas?

Leo: Também não sei! Será um novo ciclo e estou ansioso para saber como será esse novo show. Se quiserem ver de pertinho apareçam por lá (risos)!