34 anos de carreira formam uma marca expressiva para qualquer profissão.
Não é difícil imaginar que em qualquer ramo de atividade a busca por satisfação deve ser contínua para fazer com que o trabalho não se torne mais do mesmo e na música não é diferente, mesmo considerando as cifras astronômicas que cercam bandas e artistas gigantescos, como é o caso do Green Day.
Explodindo em 1994 com o maior disco de pop/punk de todos os tempos, Dookie, o grupo poderia trilhar o caminho que tantos outros percorreram e tornar-se um nome de nicho, agradando apenas aqueles que estavam lá quando eles começaram baseando-se em guitarra, baixo e bateria de bandas como os Ramones.
Acontece que o trio liderado por Billie Joe Armstrong já provou mais de uma vez que soar da mesma forma não é um objetivo e, mais do que isso, precisa pisar em novos terrenos para seguir adiante e se sentir confortável.
Foi assim quando a balada “Good Riddance (Time Of Your Life)” de Nimrod (1997) os colocou no mainstream com outra visão; foi assim quando a ópera-rock American Idiot surgiu em 2004 e tornou-se um dos álbuns políticos mais importantes das últimas duas décadas e também foi assim quando, mesmo sem sucesso, o grupo tentou fazer algo diferente lançando uma trilogia (¡Uno!, ¡Dos!, ¡Tré!) em 2012.
É assim, mais uma vez, que a banda que tem Mike Dirnt e Tré Cool ao lado de Armstrong tenta uma nova abordagem em 2020 com seu décimo terceiro disco, Father Of All Motherfuckers.
Novo Disco do Green Day
Father Of All… é um dos discos mais diferentes de toda a carreira do Green Day por vários motivos, e também por vários motivos navega entre erros e acertos, alguns deles que se complementam, inclusive.
Por exemplo, a duração do álbum é a menor em toda carreira do grupo, com apenas 26 minutos e 12 segundos, ficando atrás até da estreia com 39/Smooth (1990) que tinha só 10 faixas mas cerca de cinco segundos a mais.
Apesar de ser um ponto positivo em tempos onde os melhores discos dos últimos anos têm sido lançados com duração de cerca de meia hora, o Green Day acabou se perdendo na execução e as 10 canções apresentadas em Father Of All… não formam um ciclo completo, encerrando as atividades com a impressão de que a tracklist foi mal pensada e de que o conceito é vago.
Voltando pro começo, porém, a faixa título é um petardo interessante que celebra o revival do Rock And Roll apresentado por bandas como The Hives de forma tão brilhante nos Anos 2000.
“Fire, Ready, Aim” tem a mesma proposta e mantém a energia do disco antes dele começar a embarcar em uma viagem pelas décadas de 50, 60 e 70 homenageando diferentes fases do Rock.
Aqui a banda celebra nomes como Joan Jett com “Oh Yeah” e apresenta a deliciosa “Meet Me on the Roof”, misturando rock and roll clássico com pop/rock e uma história de amor.
Ao mesmo tempo em que nos leva de volta ao passado com um belo sentimento de nostalgia, essa faixa também é uma das que mais evidencia um ponto fraco do disco: os vocais de Billie Joe estão cheios de efeitos e, muitas vezes, escondidos no meio de outras camadas na mixagem final. Ao tentar soar como nomes de outrora, Billie se esqueceu de soar como ele mesmo.
“I Was a Teenage Teenager” talvez seja a canção que mais se conecte a trabalhos recentes da banda como Revolution Radio, e mergulha de cabeça em um grande refrão que, mesmo inofensivo, faz da faixa uma das melhores do disco.
A festa retrô do Green Day continua com “Stab You in the Heart” e aqui a banda mistura influências do rockabilly com ares clássicos dos Beatles e mostra até algo raro na sua discografia: um solo de guitarra.
Father Of All… tem arrancado críticas divididas da imprensa aqui e lá fora e essa talvez seja a faixa mais emblemática dos sentimentos opostos em relação ao álbum: enquanto muitos já começam a dançar assim que a canção começa, outros entendem que trata-se de uma representação caricata de um estilo que “não pertence” à banda.
Há, ainda, quem ache que o som poderia ter sido lançado pelo projeto paralelo de garage rock do trio verde, o Foxboro Hot Tubs, e esse que aqui escreve pensa dessa forma.
Outro grande caldeirão cheio de direcionamentos diferentes no álbum é a faixa “Sugar Youth”, que lembra o Green Day da era de American Idiot com músicas como “St. Jimmy” e “Letterbomb”, também lembra canções de outro projeto paralelo, o The Network, tem um pouco da cara desse disco e um pouco do que a banda já fez no início de carreira. Uma mistura interessante de guitarras sujas e velocidade que pode passar como uma grande bagunça para os ouvintes mais desavisados.
O fim vai chegando com aquela que talvez seja a faixa mais decepcionante do álbum, a lenta “Junkies on a High” que não diz muito a que veio, e “Take the Money and Crawl” aparece na sequência como uma boa canção que soa como as primeiras do álbum, às vezes até demais.
Segunda maior canção do álbum, “Graffitia” encerra os trabalhos antes que você se dê conta de que o disco já está chegando ao fim.
É uma ode aos Anos 80 e uma celebração aos singalongs de nomes como Bruce Springsteen, fazendo um bom trabalho e misturando timbres e ares do Green Day que ouvimos em outras músicas, desde a fase American Idiot até agora, mas é nela que reside o maior problema do álbum.
Ao final de “Graffitia”, Father Of All… também chega ao fim como um grande apanhado de canções sem conexão, em um experimento de uma banda que está expandindo seus horizontes mas parece ter feito isso sem muito cuidado.
O encerramento do disco, inclusive, só reforça a ideia de que esse deveria ter sido um novo projeto paralelo ou mais um lançamento do Foxboro Hot Tubs, onde se encaixaria bem demais: há canções muito boas aqui, elas só parecem não pertencer a um trabalho da banda que estampa a (horrorosa) capa.
É louvável que um dos pontos mais interessantes da carreira do Green Day seja se renovar e buscar novos aromas, cores e sabores, e é isso que a banda faz mais uma vez ao arriscar e se expor, mas em Father Of All Motherfuckers, o grupo quis replicar a displicência adolescente dos Anos 90 mostrando que não está aí pra muita coisa, mas se esqueceu que já não tem mais seus vinte e poucos anos.