Los Four e a história de dor, fé e arte do coletivo formado pelo pai de Zack De La Rocha

Beto De La Rocha é um artista visual, ex-membro do grupo Los Four e pai de Zack De La Rocha, vocalista da banda Rage Against the Machine.

Beto e Zack De La Rocha
Reprodução/Facebook

Beto De La Rocha não é somente o pai de um dos maiores vocalistas da atualidade. Ele é também um dos maiores artistas visuais dos anos 70.

Além de ter como filho Zack De La Rocha, do Rage Against the Machine, Beto se destacou principalmente pelo seu trabalho com pinturas, murais e design gráfico, principalmente enquanto compunha o Los Four – o maior grupo de artes da Califórnia até hoje entre os Chicanos (termo que faz referência à cidadãos dos EUA com descendência mexicana).

Robert Isaac De La Rocha nasceu na Califórnia, em 26 de novembro de 1937, e tem hoje 82 anos.

No entanto, logo após o Los Four atingir marcos históricos e notoriedade do grande público, De La Rocha se isolou por quase 20 anos.

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Beto De La Rocha (à esquerda) e o Los Four

Los Four

O grupo era originalmente composto por Carlos Almaraz (1941-1989), Frank Romero (1940-), Gilbert Luján (1940-2011) e Robert De La Rocha (1937-). Judithe Hernández (1948-) entrou depois e virou parte do time que passou a contar com cinco integrantes. Com a entrada dela, o Los Four se tornou o único grupo artístico Chicano a ter uma mulher entre os membros.

Eles são normalmente lembrados pela enorme influência no ativismo político-social de Los Angeles e por terem atingido o grande feito de conseguir expor sua arte no Los Angeles County Museum of Art (LACMA) em 1974. Com isso, se tornaram os primeiros Chicanos a terem suas obras expostas no museu e ganhar visibilidade no mainstream.

À época, o público conseguia identificar uma consistência e singularidade no trabalho do Los Four. Considerando o fato de que todos os cinco tinham um nível de escolaridade avançado, era perceptível um discurso ativista não só inteligente, mas também culto por parte dos artistas.

Em 2004, o cineasta James Tartan lançou o documentário: “Los Four/Murals of Aztlán: The Street Painters of East Los Angeles”. No filme, ele divulga cenas dos artistas Chicanos debatendo sobre arte, política e comunidade, além de compartilharem seus métodos de utilização de sprays e outras técnicas de pintura.

O vídeo que você verá logo abaixo é um trecho do documentário divulgado pelo Chicano Studies Research Center, da Universidade da Califórnia. Nele, podemos ver Robert De La Rocha e o grupo conversando, pintando e mostrando parte de seu trabalho.

Continua após o vídeo

Dia de los Muertos

O mais famoso feriado mexicano que celebra o dia dos mortos foi restaurado na cultura de Los Angeles por Robert De La Rocha. Na ocasião, Beto, o também Chicano Gronk e outros artistas lideraram uma procissão que foi do cemitério de Evergreen até a primeira rua de East L.A., visando chamar novamente atenção à cultura mexicana e, mais especificamente, para o Dia de los Muertos.

Gilbert Luján, um dos Los Four, disse que De La Rocha deveria levar o mérito por trazer luz novamente ao Dia dos Mortos em L.A., já que o evento foi iniciado por ele e que, quando o fez, não pediu autorização nem permissão a ninguém. Simplesmente foi lá e fez.

Los Four

O isolamento

Após a exibição no museu e o destaque atingido pelo Los Four em 1974, Beto disse que esperava mais. Em reportagem divulgada em 1995 pelo Los Angeles Times, ele diz:

Com a coisa do museu, eu esperava que o mundo todo se abrisse para mim. [Mas] nada aconteceu (…) Eu não sabia como esperar pelo sucesso, como ser paciente. Eu tinha essa ideia de que quando você começa a trabalhar como artista, você pode comprar seu carro e ter comida para comer e criar sua família. Isso não acontece. Pouquíssimas pessoas fazem algum dinheiro nessa profissão.

Por frustrações, choques de realidade como este, questões religiosas e outras convicções, Rocha se isolou em Lincoln Heights por quase 20 anos. Ele foi atrás da solidão e da própria alma numa casa escura sem muitas companhias além da Bíblia. Nessa época, Zack De La Rocha era apenas uma criança que dividia seu tempo com o pai em L.A. e com a mãe em Irvine.

Durante a reclusão, Beto De La Rocha queimou todas as obras que havia feito e recusava visitas de amigos até que eles desistissem de contatá-lo. Rocha também jejuava constantemente, chegando a ficar sem comer por 40 dias. Nessa época, ele chegou a pesar 35 quilos.

Robert e Zack De La Rocha

Na reportagem, Beto relembra com tristeza um dos momentos em que Zack esteve com ele em seu local de isolamento:

Zack me perguntou se podia ficar com uma paisagem que eu tinha desenhado. Ele estava segurando o desenho na minha frente: ‘Papai, posso ficar com isso?’ e eu disse ‘Ei, isso é meu!’ – ali estava um menininho sensível me pedindo por essa coisa, um pedaço de tela de pintura com um desenho, um objeto, um nada – e eu neguei isso a meu filho; a um ser humano. Como eu pude ser tão possessivo? Como você pode ver, isso é doloroso pra mim agora.

No mesmo dia, no entanto, Zack ajudou o pai a tirar suas obras da parede e dos locais onde havia aguardado, enquanto Beto rasgava e as destruía antes de jogá-las numa lixeira e atear fogo. Ele disse que este foi o momento em que ele decidiu que, de fato, não queria mais ser artista.

Sobre isso, o vocalista do Rage Against the Machine comentou:

Eu lembro deste incidente ter um impacto em mim porque eu era muito afeiçoado ao trabalho do meu pai. Eu amava as cores, as imagens. Eu achava o que ele fazia fascinante. Meu pai era dedicado a uma arte que era política por natureza. Era parte do movimento Chicano, parte da história.

Ele estava lutando para se entender com sua arte e com o que isso significava para ele. Ele estava lutando com a própria identidade e com o papel dele como Chicano. Ele estava neste ponto de conflito. Vê-lo nesta luta era uma luta para mim.

Mesmo tendo suas peças consideradas “as melhores obras Chicanas de todos os tempos” por boa parte do público e, inclusive, por seus companheiros de caminhada, Beto escolheu se livrar delas. Ele explica que a atitude de destruí-las veio da frase bíblica “não farás para ti imagem de escultura”, que ele levou ao pé da letra.

O retorno de Beto De La Rocha

Em 1993, Robert saiu do isolamento e começou a frequentar a Arroyo Books – uma livraria com obras voltadas à comunidade Latina em Highland Park. Lá, ele conheceu escritores e começou a ler outros livros além da Bíblia. Embora Beto quisesse adquiri-los, faltava dinheiro. Por isso, o dono da loja o contratou para pintar a faixada da livraria, fazendo com que Beto pegasse novamente num pincel.

Propositalmente ou não, o plano deu certo. Meses depois, os membros do Los Four se reuniram e criaram novas peças. Rocha fez e vendeu várias delas. Nesta ocasião, Beto foi recebido com vários elogios e satisfação por seus companheiros e pelo público que o acompanhava nos anos 70.

Hoje, além do museu, é possível encontrar algumas obras do Los Four e de outros Chicanos na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Parte da galeria e algumas informações podem ser encontradas no site da exposição.