Você tem um amigo cinéfilo que já falou sobre MacGuffin em alguma conversa sobre cinema? O termo não é muito comum entre fãs casuais da sétima arte, mas tem uma história interessante e pode ser observado em vários filmes de sucesso.
MacGuffin na teoria
O conceito é um pouco difícil de explicar. Em linhas gerais, trata-se de um objetivo — um objeto desejado — que faz a trama caminhar.
O termo foi popularizado por Alfred Hitchcock nos anos 30 e designa algo que motiva as ações dos protagonistas, fazendo a história seguir adiante. Esta “coisa” pode não ter importância desde o início, ou ela pode perder a relevância quando finalmente é encontrada. Geralmente, trata-se de um objeto muito poderoso ou uma pessoa que motiva uma perseguição, mas pode ser também algo abstrato, como o simples senso de justiça.
Certa vez, perguntado em uma entrevista pelo cineasta François Truffaut sobre o conceito, Hitchcock respondeu:
A principal coisa que aprendi ao longo dos anos é que MacGuffin não é nada. Estou convencido disso, mas acho muito difícil de provar para os outros. Meu melhor MacGuffin, e por isso eu quero dizer o mais vazio, o mais não-existente e mais absurdo, é um que usamos em ‘North by Northwest’ (‘Intriga Internacional’, no Brasil).
O filme é sobre espionagem e a única questão levantada na história é descobrir o que os espiões estão procurando. Bom, durante a cena no aeroporto de Chicago, um agente de Inteligência explica toda a situação para Cary Grant, e Grant, se referindo ao personagem de James Mason, pergunta:
– O que ele faz?
Enquanto o agente responde: ‘Digamos que ele é um importador e exportador’.
– Mas o que ele vende?
– Oh segredos de Estado!
Aqui, veja, o MacGuffin é reduzido à sua expressão mais pura: Mason é um contrabandista e é isso que importa. O que ele vende é irrelevante, apesar de ser o que motiva as ações do personagem na história.
MacGuffin na prática
Como o próprio Hitchcock disse, é difícil explicar o que é essa ferramenta. Então, pulando a parte teórica, fica muito mais fácil de entender a partir de exemplos. E são muitos filmes famosos que utilizaram esse recurso.
Obviamente teremos alguns spoilers, mas é só pular o filme que você ainda não viu ou não quer saber qual é o MacGuffin.
O MacGuffin mais famoso do cinema está em Cidadão Kane (1941) e é conhecido como Rosebud, que foi a última palavra que o magnata das comunicações Charles Foster Kane teria dito em seu leito de morte. No fim das contas, era apenas um trenó ligado a uma memória de infância. A obra de Orson Wells deu bastante valor a este item do roteiro, mas, no fim, não era nada realmente relevante e não influenciava na história.
Outro exemplo clássico está em Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981). O herói tinha que correr contra o tempo para encontrar o tesouro que dá nome ao filme antes que os nazistas o fizessem. Quando finalmente chegou o grande momento e os nazis abriram a Arca, descobrimos que ela era uma arma impossível de ser usada. Ela foi apenas a desculpa para toda a narrativa se construir, mesmo perdendo totalmente a usabilidade quando encontrada.
Mais alguns? Vamos lá.
O Resgate do Soldado Ryan (1998): a grande missão de todos aqueles soldados era resgatar o “Private Ryan” (Matt Damon). Em um ambiente de guerra, onde as esperanças são rasas e qualquer traço de humanidade entre os companheiros se torna um grande fator de motivação, salvar Ryan era a missão da vida dos personagens apresentados inicialmente.
Porém, ao resgatar o colega, eles descobriram que a luta pela sobrevivência estava longe de terminar e ainda tinha muita coisa por vir. Dessa forma, o Soldado Ryan funcionou como um MacGuffin.
Pulp Fiction (1994): a maleta do filme de Quentin Tarantino foi a causa de vários encontros, desencontros, mortes e loucura. Porém, em momento algum foi mostrado o que havia lá dentro. John Travolta e Samuel L. Jackson apenas foram incumbidos da missão de recuperá-la, o que foi suficiente para mover a trama adiante.
Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977): os planos da Estrela da Morte foram o principal motivo para Obi Wan recrutar Luke e viajar ao encontro da Aliança Rebelde, pulando de planeta em planeta e fugindo do Império, que ia destruindo tudo o que via pela frente. Mas já parou para pensar que os planos em si quase não são explorados ou mostrados em tela?
Você pode dizer “mas os planos da Estrela da Morte são essenciais para a história! Eles não são irrelevantes”. E com razão! O MacGuffin não acontece só quando ele é inútil.
O Senhor dos Anéis (2001) está aí para provar isso: o MacGuffin é tão importante que está no nome do filme – o Um Anel.
Em Blade Runner 2049 (2017), o fato de replicantes terem se reproduzido de forma biológica foi o grande plot da história. Descobrir como isso aconteceu era o grande propósito. No desfecho, o “quem” foi muito mais importante do que o “como”, mas o fato de ter acontecido a reprodução biológica continuou sendo uma questão fundamental.
Já em Star Wars: Episódio IX – A Ascensão Skywalker (2019), os MacGuffins foram os localizadores para o planeta Exegol, reduto dos Sith e abrigo da frota da Última Ordem. Rey partiu em busca do último wayfinder, mas ele foi destruído assim que encontrado. Se essa foi uma boa aplicação do recurso, já são outros quinhentos.
E o recente Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (2020)também utiliza um MacGuffin, que é o diamante roubado por Cassandra Cain logo no começo. Ele faz a história se movimentar, motiva o encontro de praticamente todos os personagens principais e só é recuperado no final do terceiro ato.
Como ficou claro, o uso do MacGuffin pode ser bom ou ruim. Quando mal feito, deixa clara certa preguiça na hora de amarrar as pontas e fechar o roteiro de forma mais complexa. Há bons exemplos (Indiana Jones) e outros nem tanto (A Ascensão Skywalker), o negócio é aliar uma boa jornada à conclusão.