Faltam poucos dias para o Carnaval. A maior festança da Terra, como é de costume, inundará o país com as mais diversas cores e histórias. Há alguns dias, por sinal, a cantora Mariana Volker lançou, em parceria com as DJs Transpira, a canção “Me Dá Me Dê“, uma divertida faixa carnavalesca que exala cor e alegria.
O clipe mantém essa estética colorida, que por sinal é uma constante na musicalidade de Mariana. Tudo no trabalho dela flerta com cores: os clipes, os singles e até as próprias músicas. Há vezes em que Mariana está na sobriedade preta e branca da voz e piano, mas também há vezes em que o laranja se encontra com roxo, amarelo e outras cores em uma inusitada paleta pop.
Isso está claro em Órbita, disco lançado pela cantora no ano passado. O álbum, o primeiro solo de Mariana, começa tão dançante quanto a melhor seleção da dance music dos anos 80. No entanto, termina com intimistas faixas de apenas dois canais, o que nos mostra a versatilidade de uma cantora, por assim dizer, colorida.
“Abriu-se um mundo inteiro”
Alguns até podem ter conhecido Mariana graças a Órbita, mas é preciso saber que ela está na ativa desde mais nova. Já teve banda (Unidade Imaginária, com Leo Vilhena e Valentina Zanini), já impressionou o público do programa The Voice e até já deu caras em palcos do Rock In Rio.
Tivemos a oportunidade de conversar com a cantora em uma tentativa de rever toda a sua colorida carreira. Nessa “retrospectiva”, Mariana, que também trabalha no Carnaval mirim, nos contou desde como começou a cantar até os futuros passos de sua carreira.
Confira abaixo:
TMDQA!: Eu queria perguntar primeiramente sobre a “Me Dá Me Dê”, seu último lançamento. É um baita “hit de Carnaval”. Eu gostaria de saber de onde surgiu a inspiração para essa faixa.
Mariana Volker: Surgiu há alguns anos, em um Carnaval. O refrão saiu e comecei a esboçar a música, mas acabei engavetando, porque eram menos de 30 segundos de música. Um belo dia, eu tirei isso da gaveta e disse que poderia resultar em algo legal. Mostrei para a Lê Pires, e tivemos a ideia de fazer com a Transpira, porque poderia dar um “caldo”. Elas trouxeram mais letra e mais ideias. No fim, a música ganhou uma outra forma. Outras ideias vieram do Pedro Sodré, que produziu a canção. Acabou que ela ficou pronta muito em cima do Carnaval passado e resolvemos esperar para lançar este ano. Foi o timing perfeito. Fizemos umas fotos lindas. O tempo foi bom também para amadurecermos a música, melhoramos um pedaço ou outro e acrescentamos o funk 150. Foi um trabalho a oito mãos que resultou nessa diversão maravilhosa.
TMDQA!: E qual é a sua relação com essa época do ano? Você se considera uma pessoa carnavalesca, certo?
Mariana: Eu sempre amei Carnaval! A vida me levou a trabalhar com Carnaval. Em 2007, eu comecei a trabalhar com o Carnaval mirim, e trabalho até hoje com isso. Trabalho com a Pimpolhos da Grande Rio. Amo Carnaval de avenida. Amo barracão. Amo os bastidores, os ensaios, a produção toda…
O Carnaval mirim tem muito menos dinheiro, mas permite mais experimentações porque não existem tantas regras. A gente já fez enredos super políticos, colocando a criançada para dançar na avenida que a “’Tchurma’ da Prefeitura tá querendo comer meu fubá”. Adoro os dias de desfile, estar com as crianças, ajudar a maquiar…
TMDQA!: Aproveitando que você explicou a sua conexão com o Carnaval, eu queria voltar mais um pouquinho na sua vida para perguntar como surgiu a sua relação com a música. Onde tudo começou?
Mariana: A minha história com a música começou enquanto eu ainda era criança. Eu gostava muito de cantar e de música. Eu gostava muito de fazer shows. Eu falava que ia fazer um show, subia na cama e cantava a música do “Alladin”, por exemplo. Minha mãe ficava impressionada com o fato de que eu já era afinada.
Uma amiga minha da escola fazia aula de canto e sacou que eu tinha voz. Ela me chamou para fazer uma aula com ela. Eu achei aquilo o máximo e não parei. Fui fazer aula de violão e foi tudo muito rápido, porque em um ano eu já estava querendo formar uma banda para tocar no sarau da escola. Nessa escola de música fui apresentada a Valentina Zanini. O santo bateu na hora. Ali, abriu-se um mundo inteiro. A minha conexão com ela foi muito fundamental para a minha carreira.
Foi quando fundamos a Unidade Imaginária, que durou até 2011. Ali eu realmente aprendi a jogar o jogo, sabe? Eu aprendi o que era ensaiar, o que significava o grupo, o que era cada um ter sua própria voz. Com isso, a gente foi indicado para o VMB em 2010. A gente produzia conteúdo em uma época em que não havia essa cultura de produção de conteúdo.
TMDQA!: Você já participou do The Voice e já cantou no Rock In Rio. Como surgiram essas oportunidades?
Mariana: Com a banda, a gente conheceu o Liminha, que é muito amigo do pai da Valentina. A gente passou a fazer parte do selo dele. Ele me chamou para fazer esse backing em 2013. Quando passamos a não gravar mais com ele, ele apoiou muito a minha carreira solo. Naquela época, gravei o EP Palafita, que também foi produzido por ele.
Depois desse lançamento, eu dei uma recolhida. Passei por um momento difícil na minha vida e tive que repensar muitas coisas. O Palafita veio logo após o término da minha banda. Eu não tive muito tempo para me pensar como Mariana, sabe? Eu fiquei perdida em termos de linguagem, por não compor mais com a Valentina. Mas esse gap foi importante. Quando eu voltei, rolou a oportunidade do The Voice, que me fez amadurecer muito.
Em 2017, o Liminha me chamou de novo para o Rock In Rio, mas não como backing, mas como uma participação especial na Rock District. Isso tudo desencadeou no Órbita.
“Da intensidade à calmaria”
TMDQA!: Como você preparou esse seu retorno? Quando foi que descobriu o que era a Mariana “solo”?
Mariana: O meu retorno para a música foi escrevendo. Aí, eu compus “Gigantesca”. Eu estava em um momento em que estava realmente saindo do buraco. A música descreve “uma mulher ou uma dinamite prestes a explodir”. Eu lembro que, nesse momento, as coisas passaram a fazer mais sentido na minha vida. Eu passei a me sentir mais viva. Antes eu me sentia uma ameba, vivendo no automático. Ali as coisas começaram a clarear. As pessoas certas se aproximaram, como a Lê Pires. Começamos um trabalho juntas, que depois agregou o Pedro, a banda, Hildo… Quando eu vi, o disco já estava pronto e só precisava ser gravado. Ele é todo um retrato desse processo.
TMDQA!: O Órbita é o seu primeiro disco solo. Queria saber como você construiu a narrativa dele. Ele começa com uma sonoridade agitada e dançante e termina com músicas mais calmas e reflexivas. Isso foi proposital?
Mariana: Ele mostra os dois grandes polos da minha pessoa. Mostra uma fúria, uma coisa intensa e eufórica, e mostra também um lado muito etéreo e minimalista. Vai da intensidade à calmaria. São dois lados que vão se contrapor. “Calcula-me” e “Montes Claros”, por exemplo, são dois opostos. Em uma eu estou berrando e em outra estou bem delicadinha. São vários fatores, mas ficamos com medo de intercalar as músicas e ficar um choque muito grande entre as músicas mais intensas com vários canais e as mais leves, com dois canais.
Essa ordem foi uma sugestão do Pedro, de a gente começar com “Labirinto”, que traz essa grande questão de “para onde eu vou?”. A minha sensação, no início do processo, era de uma “tela em branco”. A canção é um retrato disso, e responde que “a única saída é para dentro”. Essa música também foi uma parceria com a Valen.
“Acordes, para mim, possuem tonalidades”
TMDQA!: Em termos de sonoridade, ele é essencialmente pop, mas também pesca de influências de outros gêneros, como jazz, rock, indie… Ao longo da sua carreira, desde a época da banda, que artistas e movimentos musicais mais te influenciam?
Mariana: Tenho muita influência no rock. Inclusive, eu fico arrasada quando falam que o rock morreu. Não há como o rock morrer, até porque o rock não é apenas um som. É uma atitude visceral e uma grande diversão. Não existe coisa mais divertida que o rock n’ roll. Eu bebo muito dessa água. Queen, Led Zeppelin, Paralamas… Também gosto muito dessa sonoridade meio “Motown”, algo meio jazz. Isso combina com o meu timbre médio-grave. Parece que casa bem.
Eu ouço coisas muito diferentes do que eu costumo fazer. Gosto de King Krule, que é um cara que tem uma voz linda e grave. Me identifico muito com o George Ezra e com a Alicia Keys também. Têm essa coisa do piano, meio R&B… Também tenho muita influência na música brasileira. É meio que um liquidificador de coisas, sabe? Mas eu acho muito importante, para compor, beber muito da música brasileira, por causa da sonoridade da palavra. É preciso ouvir Caetano, Gil, Chico… Mas é preciso ouvir o que está rolando de novo também. Tim Bernardes, Tulipa Ruiz, Liniker, Johnny Hooker…
TMDQA!: A sua carreira no geral tem uma relação muito forte com a imagem. Desde a capa do Órbita, que faz referência a uma foto icônica da Elke Maravilha, até os seus clipes, existe uma preocupação com cores e estética. Isso foi proposital? Como você enxerga essa relação?
Mariana: Foi interessante você falar isso, porque eu sempre vi cor no som. Acordes, para mim, possuem tonalidades. Isso deve ter alguma explicação psiquiátrica [risos]. Antes de ter qualquer paixão por música, a minha primeira paixão foram as artes visuais. Eu sempre tive uma piração cor. Isso foi se reafirmando ao longo da minha vida. Meu guarda-roupa, por exemplo, é todo colorido. É como eu me sinto feliz. Minha casa é toda colorida. É como se fosse um remédio, sabe?
TMDQA!: Eu queria que você falasse um pouco sobre o seu show. Como você o descreveria para quem ainda não conhece o seu trabalho?
Mariana: É difícil falar sobre isso quando você está por dentro [risos]. Eu acho que esse show fala sobre olhar para dentro de si mesmo e sobre sentir o que você sente. Parece óbvio, mas às vezes você não quer olhar para as coisas que você sente. Ele tem essa coisa da catarse, de deixar que os sentimentos venham. Ele é um convite para dançar em cima da dor. É um show dançante que desconstrói algumas coisas, trazendo algumas canções que não são originalmente do meu universo. É legal misturar.
É um show para refletir. Isso para mim é o retrato de que precisamos refletir e repensar. Trata de coisas muito existenciais, humanas. Ali é só o sentimento. Fala por si só. Eu ainda acredito na canção pela canção mesmo. Essa coisa de estilo impacta na recepção da música, claro. Mas uma boa canção se presta para qualquer estilo. Foi como eu fiz com “Evidências” no The Voice, como eu fiz nos meus shows, cantando uma versão de Pabllo Vittar. Acho que as pessoas deveriam misturar ainda mais. O mundo pede a categorização, que em termos mercadológicos é importante. Mas a canção é maior que isso.
“Ser fiel a quem você é”
TMDQA!: A sua carreira já é relativamente grande. Como você enxerga a sua evolução, desde a época da banda até os dias atuais?
Mariana: Eu olho para trás e vejo um grande aprendizado. Hoje eu vejo quantas lições importantes eu tive e que bom que eu comecei tão cedo! É bom saber que eu já tomei algumas porradas desde cedo, porque elas me fizeram aprender muito. A música em si me trouxe muita gente legal na vida. Tenho muito orgulho da minha trajetória. É claro que eu gostaria de ter perdido menos tempo em alguns lugares e fases, mas eu entendo que esse tempo foi necessário para que eu amadurecesse.
O mais importante, sempre, é ser fiel a quem você é. O disco fala de momentos que vivi, são fotografias dos momentos que passei. Tudo aquilo é Mariana. Desde sempre, corri atrás, suei e sofri para continuar na ativa. Hoje, mais do que nunca, eu sei quem eu sou e o que eu quero. Sei sobre o que quero falar. Pode ser que daqui há um tempo eu tenha um novo olhar sobre a vida, mas hoje eu fico muito feliz de ter essa noção.
TMDQA!: Quais são os seus próximos passos? Já existe algo já programado? Algum novo lançamento após “Me Dá Me Dê”?
Mariana: Temos alguns singles para serem lançados ao longo do ano. Eu estou me dando o direito de experimentar, o que é muito saudável. Fiz um disco que foi muito necessário para mim, mas estou aberta também a coisas novas para enriquecer esse “planeta Volker”. A própria “Me Dá Me Dê” releva um lado mais festivo. O Órbita foi o retrato de um momento, mas existem muitas coisas que permeiam o meu universo. São coisas diferentes que não invalidam o disco e nem vão de choque a nada. Eu sou uma grande paleta de cores, então vai ter muita coisa diferente.
TMDQA!: Se você pudesse levar apenas três discos para um exílio em uma ilha deserta, que discos escolheria?
Mariana: O Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, o 6 Feet Beneath the Moon, do King Krule e o terceiro seria Transa, do Caetano. Eu gosto muito da psicodelia do Pink Floyd, a sonoridade moderna e a voz do King Cruel e as letras do Caetano.