"Antes de ser cozinheiro, sou roqueiro": conversamos com Henrique Fogaça sobre retorno ao "Instinto Sujo" do Oitão

O chef e vocalista Henrique Fogaça falou com o TMDQA! sobre o lançamento de "Instinto Sujo", futuro do Oitão, cozinha e mais. Veja e ouça a pedrada!

Oitão
Divulgação

O hardcore do Oitão está de volta mais agressivo do que nunca sob a voz de Henrique Fogaça.

“Instinto Sujo” é o nome da nova música da banda completada por uma “reunião de velhos amigos”. A nova-velha formação do Oitão traz MarcusCaio D’Angelo, ambos da lendária banda de thrash metal Claustrofobia, assumindo a bateria e o baixo e remetendo aos primórdios. Ciero, músico e produtor do estúdio Da Tribo, fecha a escalação atual.

Traduzindo em música pesada muito da insatisfação política, a canção cuja letra traz trechos como “Se piso no congresso vagabundo vai queimar / Sua hora tá chegando, o bicho vai pegar” é o primeiro lançamento da banda desde Pobre Povo, álbum de 2015.

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O próprio Fogaça descreve o reencontro como “a raiz do Oitão”. Bastante conhecido por seu trabalho na gastronomia por meio do MasterChef Brasil e de seus restaurantes como o Sal e o Cão Véio (em parceria com Badauí, do CPM 22), o vocalista concedeu uma entrevista exclusiva ao TMDQA! e revelou que sua origem é, de fato, na música.

Além disso, Henrique falou sobre toda essa nova fase e os planos para o futuro do grupo. Confira a seguir!

Entrevista com Henrique Fogaça (Oitão)

TMDQA!: Oi, Fogaça! Primeiramente quero agradecer pelo seu tempo e parabenizar pela nova música e pelo retorno do Oitão. Como foi pra você esse reencontro com a galera do Claustrofobia pra fazer “Instinto Sujo”? Fluiu tudo naturalmente ou levou algum tempo para a química voltar a rolar?

Henrique Fogaça: Muito obrigado! O Claustrofobia esteve desde o começo do Oitão junto conosco. O Oitão foi fundado no estúdio do Claustrofobia, na Casa Verde [em São Paulo]. O Marcus, frontman do Claustrofobia, foi o nosso batera, gravou o primeiro disco e fez vários shows. O Caio também ajudou a compor algumas músicas, já que ensaiávamos direto lá. E nós gravamos a primeira demo do Oitão no estúdio do Ciero.

Basicamente, a banda nasceu nesse círculo de amigos e o Marcão foi o primeiro cara da banda, foi uma influência muito boa para gravarmos o primeiro disco. Então agora fluiu tudo muito bem, porque acima de tudo somos bem parecidos como músicos e muito amigos. É um alicerce muito forte de amizade e da música, gostos musicais bem semelhantes. Somos de uma época em que todo mundo era farinha do mesmo saco, pode-se dizer. Essa é 100% a melhor formação do Oitão. Vamos fazer um trabalho muito bem posicionado e muito bom.

Retorno do Oitão

TMDQA!: Na música nova, sinto que letra e instrumental estão bem alinhados com o sentimento de agressividade — e dá pra perceber que ela se direciona, em parte, à classe política. É por aí? Qual foi a intenção geral da letra?

HF: Desde que eu me conheço por gente — estou com 45 anos de idade — eu vejo esse quadro político do nosso país muito deficiente, muito egoísta, muita mamata. Os políticos não pensam no povo, têm um descaso muito grande com a população. Pensam em roubar, em desviar dinheiro, em fazer orçamentos com o dinheiro do povo pra obras. Não é um quadro [só] atual. A gente já vive esse quadro há 50, 60 anos. Tanto que no primeiro disco do Oitão, em 2009, tem uma música que chama “Horário Político” que fala da época, da cena política. Em 2015 lançamos o Pobre Povo que tem uma música chamada “Podridão Engravatada”, também questionando a classe política. E agora nesse novo material a “Instinto Sujo” vem mostrando um problema que vem de 50, 60 anos, como eu disse.

TMDQA!: O que te levou a voltar com o Oitão agora? Foi mais uma questão de coincidência de agenda ou você sente que é um momento propício/necessário pra fazer música?

HF: O Oitão ficou parado dois anos por uma falta de agenda e um pouco de compatibilidade também depois de dez anos de banda. Não estava muito saudável. Na verdade, 70% mais pela agenda e 30% por essa questão. Agora voltamos. A música faz muito bem pra mim, é uma válvula de escape no meu dia-a-dia, posso dizer que meu estilo de vida e minha forma de enfrentar as coisas, minha ideologia, vêm daí. A música me trouxe muita força para contestar, para a coisa do do it yourself, o faça você mesmo. Sempre corri muito atrás e a música, especialmente a punk com as ideias contestadoras, sempre me deu muita força pra poder vencer na vida e não desistir.

Acho que está em um momento bom e eu tive tempo de resgatar o Oitão porque, como eu disse, é um dos pilares da minha vida. Ela voltou no melhor momento com a melhor formação, entre amigos e irmãos. Foi uma questão realmente de agenda, de tempo que passou, de maturidade pra poder fazer essa volta na melhor forma.

Música pesada e cozinha, underground e televisão

TMDQA!: Você se vê constantemente transitando entre o underground com o Oitão e o super popular com a TV, com o trabalho como chef. Como você enxerga essa coexistência?

HF: Antes de ser cozinheiro eu sou roqueiro. Desde os 10 anos de idade eu sempre gostei de Rock e fui criando meu caráter musical e até de conduta de vida, de valores, através da música. No MasterChef, eu aplico tudo o que eu falei anteriormente na minha forma de cozinhar. É diferente? Sim. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, mas o posicionamento, a forma de trabalho, de fazer e correr atrás… Eu comecei a vender hambúrguer na rua, não tinha medo de ir e ouvir um “não”. Os “nãos” me deram muita força pra continuar.

Hoje eu sou uma pessoa pública na televisão, tenho restaurantes, aprendi a mexer com gestão além de ser chef e cozinheiro, mas a minha imagem enquanto chef de cozinha e membro do Oitão não destoa porque eu sou a mesma pessoa. A minha conduta de pensar, de falar e de agir é a mesma tanto no MasterChef como no Oitão.

TMDQA!: Ainda dentro disso, sinto que você sempre deixa claro, pela sua personalidade, a sua origem no punk/hardcore. Como você enxerga o papel da música pesada (ou em geral) na sua formação pessoal?

HF: A música me trouxe muita vivência, muito entendimento da sociedade em que vivemos. Muito entendimento da desigualdade entre as pessoas, da ganância do ser humano, né? Não sendo pessimista nessa visão, mas é uma visão realista. A gente vive no dia-a-dia, é a nossa rotina. A música é uma forma de contestar. Além do som bruto, pesado, com poucos acordes, a música é uma forma de se pronunciar perante ao mundo que você vive inserindo questões contestadoras da sociedade em que a gente vive. E o som pesado… [risos] é pra isso. Ou pelo menos é essa a origem de tudo.

Cenário atual do punk e do Brasil e próximos planos

TMDQA!: Atualmente, a gente vê uma cena punk muito forte no underground. Recentemente conversamos com o Jão, do Ratos de Porão, e ele me disse acreditar que isso vem muito por conta da insatisfação — o punk nasce disso e une essas pessoas. Você concorda?

HF: Concordo plenamente. Inclusive sou um grande fã do Jão, ele participou do primeiro disco do Oitão na música “4º Mundo”. Ele é o verdadeiro Ratos de Porão, desde o começo, é um cara sensato que tem uma revolta saudável traduzida através da música. Me espelho muito nele e sim, com certeza, quanto mais insatisfeitos estivermos, mais bandas que entendam esse viés ideológico vão aparecer pra fortalecer a nossa voz.

https://youtu.be/0PsPZmUepD8

TMDQA!: E você acha que essa união está em falta hoje em dia, de forma geral?

HF: Hoje em dia é diferente da época em que eu vivi, que era muito mais unido. Hoje em dia o mundo tá muito fútil, muito vazio, muitas coisas com informações de fácil acesso. Há uma geração de adolescentes que não tem acesso ao que eu tinha na minha época, que eram as buscas mais contestadoras, o Rock em si. Hoje em dia são outras músicas, é funk, é música eletrônica, eu nem sei exatamente. Mas eu me baseio pelo meu filho também, que tem 10 anos. Eu ponho Rock pra ele e ele não gosta muito [risos]. Gosta de uma ou outra coisa, então eu acho que é de geração mesmo. Eu agradeço por ter nascido em uma geração que foi uma transição e uma transformação da forma de ser, dos questionamentos e dos ideais que o Rock trouxe.

TMDQA!: Quais são os próximos planos do Oitão?

HF: Queremos lançar a cada dois meses uma música, com videoclipe. Lançar até o final do ano umas seis, sete músicas, pra traçar um planejamento de shows e aparições da banda para 2021. Estamos retomando e montando um alicerce mais consolidado, mais bruto e mais maduro para o Oitão.