Para encerrar de uma vez por todas as discussões sobre o ambíguo final de O Poço e suas mensagens, o diretor Galder Gaztelu-Urrutia explicou o significado de algumas simbologias e metáforas por trás do roteiro do seu filme. Em uma série de entrevistas, ele esclareceu o que há de verdade nas teorias criadas pelo público e como ele próprio vê a obra.
A partir daqui, é claro, o texto contém vários spoilers de O Poço, filme disponível na Netflix.
A panacota
A produção esteve o tempo todo voltada para o personagem Goreng (Ivan Massagué) e a forma como ele aprendia sobre o funcionamento do Poço. Toda a jornada o levou até uma violenta missão de mandar uma mensagem aos administradores do local e, em determinado momento, o propósito virou proteger uma panacota até que ela chegasse no último nível, para depois retornar intacta até o andar zero.
Mas qual é a da panacota? Ela foi “substituída” pela menina encontrada no nível 333, que seria, de fato, a verdadeira mensagem e seria uma esperança de mudança no status quo. Mas, para Urrutia, não era exatamente isso.
“Para mim, aquele último nível nem existe. Goren está morto antes de chegar lá e aquilo é apenas uma interpretação do que ele sentiu que deveria fazer,” disse o diretor em entrevista ao Digital Spy.
“Em última análise, eu queria deixar aberto para interpretações, se o plano funcionou e os de cima passam a se preocupar com as pessoas do poço. Na verdade, nós até filmamos um final diferente com a garota chegando no primeiro nível, mas retiramos do filme. Vou deixar para a imaginação de vocês”
Ao Collider, Gaztelu-Urrutia também jogou para a galera. Ao ser perguntado se a mensagem foi recebida, ele respondeu:
Isso é algo que você deve perguntar à sociedade. É com a gente… depende se nós vamos querer continuar sendo a espécie mais miserável que já pisou no planeta ou não.
Vilões?
A Administração poderia ser considerada a grande vilã da história. Mas parece que isso não era tão importante, afinal. “Os objetivos da Administração são um problema menor. O que importa é o que cada um de nós faz com as cartas que nos são entregues,” explicou o diretor ao Collider.
Ainda sobre a organização do Poço, quando questionado sobre a existência de outras estruturas como aquela pelo mundo, a resposta foi enfática: “Com certeza existem. Muitas e em muitas formas”.
E, apesar de amarrar o colega com lençóis e planejar comer pedaços de carne dele, Trimagasi não é visto como um vilão para Urrutia.
“Trimagasi é um pobre velho, um cara peculiar e engraçado que apenas quer sobreviver para poder deixar a prisão,” disse na entrevista ao DS.
Claro, ele tem algumas tendências sádicas, mas ele apenas está fazendo o necessário para sobreviver, como qualquer um de nós faria. No fim, talvez Trimagasi represente a audiência mais do que o próprio Goreng.
Mensagem política
Como já comentamos anteriormente, uma das principais críticas de O Poço é ao sistema capitalista. Porém, não é só isso:
“Nós certamente pensamos que deve haver uma melhor distribuição de riquezas, mas o filme não é estritamente sobre o capitalismo,” disse Gaztelu-Urrutia. “Talvez haja uma crítica ao capitalismo no começo, mas nós mostramos que, assim que Goreng e Baharat começam a usar o socialismo para convencer os outros prisioneiros a compartilhar a comida, eles acabam matando metade das pessoas que tentaram ajudar”.
No fim, o problema surge quando você tenta exigir a colaboração de todos e vê que não há nenhuma conquista no final. Goreng faz o que planejou, levando a panacota e a criança até o último nível, mas ele não mudou a opinião de ninguém sobre compartilhar a comida.
Mas e aí?
A moral é que O Poço trata da degradação da humanidade frente aos sistemas que ela mesma criou.
“O Poço reflete a fria desumanização do mundo em que vivemos,” concluiu o diretor.
A separação entre ricos e pobres, norte e sul, os que querem ascender e os que concordam em descer e dividir. O filme tem, sim, muitas camadas que recompensam com muitas interpretações.