Entrevistas

Entre o Cerrado e a Caatinga, A Outra Banda da Lua lança disco de estreia e conversa com o TMDQA!

Em conversa com o TMDQA!, Matheus Bragança, Mateus Sizílio e Edson Lima falaram sobre a atmosfera do disco de estreia do projeto A Outra Banda da Lua.

A Outra Banda da Lua
Foto: Sarah Leal

A música brasileira é uma grande caixinha de surpresas que pode nos revelar as mais diversas cores, aromas e sensações. A dimensão continental de nosso território faz com que determinadas produções regionais possam soar como obras primas dotadas de singularidades e estrangeirismos. Mas, na verdade, essa é uma das nossas melhores características.

A junção de referências e sabores diferentes resultaram na sensorial experiência proporcionada pelo disco de estreia do grupo mineiro A Outra Banda da Lua. Mesclando a potência dos ritmos explorados à delicadeza das poesias, o álbum homônimo passeia por diversas fórmulas musicais e histórias. Na audição da obra, são perceptíveis toques tropicalistas, tais como da majestosa cena mineira dos anos 70 e da cena da vanguarda paulista. Tudo isso de forma orgânica e magicamente original.

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O disco é resultado dos 5 anos desde a concepção do projeto, em nove faixas autorais e uma cover de “Desentoado” (Tino Gomes e Charles Boavista). O lançamento integra o catálogo do selo belo-horizontino Under Discos e contempla uma sonoridade inquieta que com certeza vai marcar presença na história da música mineira.

 

“O tempero do nosso som ficou mais caseiro e mais gostoso”

A Outra Banda da Lua é formada por nomes já consagrados da cena local. O instrumental conta com Edson Lima (“Edssada”, na guitarra), Mateus Sizílio (bateria), Matheus Bragança (baixo) e André Oliva (guitarra e percussão). Enquanto isso, os vocais ficam na conta da serenidade de Marina Sena, também conhecida por seu trabalho no grupo Rosa Neon.

Sobre o lançamento, tivemos a oportunidade de conversar com Edson, Sizílio e Bragança. O papo contemplou assuntos que vão desde a formação da banda até a cena musical do norte de Minas, o “meio do Brasil”.

Confira o papo abaixo na íntegra, e não perca a oportunidade de ouvir este grande lançamento!

Foto: Divulgação

TMDQA!: Eu queria que vocês explicassem primeiramente um pouco sobre o surgimento da banda. O que uniu os integrantes neste projeto?

Edssada: A Outra Banda da Lua surgiu em dezembro de 2015. Recebi uma ligação do Mateus Sizilio, velho parceiro do Baru Sonoro (grupo que foi o elo fundamental para tudo que surgiu), que me convidou para iniciar um novo trabalho musical juntamente com ele e com Marina Sena, já que o grupo estava dando uma pausa por tempo indeterminado. Lembro que aceitei o convite e meu primeiro encontro com Marina se deu no apartamento dela, lá no centro da cidade, e a gente já foi tocar. Foi assim mesmo na tora!

Com pouco tempo, incorporamos Victor Manga para fazer flauta transversal, teclado, coro e algumas cordas, mas ainda sentíamos falta de uma segurança maior na cozinha. Um baixo criativo e firme. Nesse tempo, sugeri a inclusão de um cara que eu tinha visto tocar algumas vezes e cismei que ele tinha a ver com a gente. A galera topou e fiz o convite para o Matheus Bragança, que pediu uns dias de resposta, mas aceitou. Com a entrada de Bragança, iniciamos uma fase de maior maturidade. Passamos a desenvolver mais a auto afirmação das nossas composições, da identidade e da firmeza do som.

Com o tempo, Manga teve que sair e deixou um espaço grande vago. Numa dessas de achar uma solução para a nova realidade que vivíamos, encontramos André Oliva, um cara novo, multi instrumentista e com uma alma generosa. Daí para frente, o tempero do nosso som ficou mais caseiro e mais gostoso. O resto é história!

TMDQA!: Por que o nome “A Outra Banda da Lua”? Existiu uma primeira “Banda da Lua” (risos)?

Edssada: O nome veio com Marina. Ela já tinha esse desejo de ter uma banda com esse nome que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não veio de Caetano em sua A Outra Banda da Terra. Marina tirou essa de um disco do Faviola, um poeta lá de Recife que fazia parte do movimento psicodélico lá nos anos 70 por aí. Ele deixou um disco intitulado Faviola e o Bando do Sol daí veio a inspiração de Marina. Acho que a gente olhou algo e já existia uma banda da lua então a gente é A Outra Banda Lua (risos). Sobre o que nos uniu, como dito nas entrelinhas, e pode soar clichê, mas é o amor pela música e pelo fazer da música.

TMDQA!: Eu queria que vocês me explicassem um pouco sobre a cena musical do Norte de Minas da qual vocês participam. Na sua visão, o que o som de vocês representa essa região específica?

Edssada: Uma diferença que percebemos de alguns anos atrás para hoje é que as trocas de informações se ampliaram e a acessibilidade fica cada vez melhor. Mais artistas se fortalecendo separadamente podem criar, transformar ideias e conceitos com solidez e se concretizar com uma intensidade própria, por assim dizer. A região das “Geraes” traz consigo uma riqueza ampla. Na música em específico é possível encontrar várias obras que retratam principalmente a conexão das pessoas com as coisas naturais, com a terra, campos, fartura de alimentos em suas temporadas, o “fuzuê” e muvuca nos centros das cidades.

A alegria do povo daqui é grande e celebrativa. Nosso som retrata esse universo composto do geraizeiro porque a gente vive isso desde a meninice. Vem toda e forte influência da contemporaneidade das coisas. Nós estamos antenados com os avanços, peneirando o que acrescenta.

 

“Montes Claros é o ‘meio’ do Brasil”

TMDQA!: Ao mesmo tempo, trata-se de um som com características universais. Fazendo alusão a uma das faixas, é um baile onde todos são bem vindos e convencidos a dançar. Que outras culturas e movimentos mais influenciaram na sonoridade da banda?

Matheus Bragança: De fato, o som d’A Outra Banda Da Lua é um grande caldeirão de influências. E isso se dá muito pela a nossa localização. A gente costuma brincar falando que Montes Claros é o “meio” do Brasil, e realmente tem um fundo de verdade nisso. Fica bem na transição do Sudeste para o Nordeste, do cerrado pra caatinga. Tem muita gente que veio descendo do Nordeste e parou por aqui. Tem gente que veio do Sul e acabou pela região também. E isso se vê presente na cultura. Tem muitos traços da cultura nordestina por aqui e ao mesmo tempo tem aquela coisa de Minas bem presente também. Somos mineiros quase baianos (risos). E esse mescla se faz presente no nosso som.

Tudo que está no nosso entorno acabou influenciando bastante a nossa sonoridade. Tem a música regional, das serestas, dos tambores do congado e do universo do cancioneiro local (como Grupo Raízes e Grupo Agreste). Mas tem também as variadas expressões da música brasileira como o movimento tropicalista, o Clube Da Esquina, a nova vanguarda paulista, o manguebeat… Passamos também pelo rock inglês, pelo universo experimental da world music e flertamos ao mesmo tempo com lances mais pop também.

TMDQA!: O grupo se formou em 2015 e algumas faixas presentes no disco já eram de conhecimento público pelo menos desde 2017. Como se deu esse processo de “gestação” do disco, para que ele viesse ao mundo, podemos dizer, cheio de saúde?

Matheus Bragança: De certa forma, o disco foi gestado desde o início da A Outra Banda Da Lua. São 4 anos de banda e, desde o começo, já tínhamos ideia de que o nosso foco seria o autoral. Desde essa época, já trabalhávamos algumas ideias que foram aproveitadas no disco. Mas, falando diretamente do processo do disco, ele foi gravado durante pouco mais de dois anos (entre 2017 e 2019). Funcionou dentro da realidade que uma banda autoral do interior das “Geraes” enfrenta, resultando num período de gravação extenso. Isso implica algumas questões, como a mudança da concepção musical, seja sobre um arranjo ou sobre a própria música.

Às vezes, é um desafio você ouvir algo que gravou há 2 anos atrás. As ideias mudam. Nosso ouvido musical está em mudança constante. Então, foi um processo muito de aceitação, de que o disco de fato representa esse recorte de tempo como um todo. O tempo de maturação do álbum acompanhou o processo da banda em si, fato fundamental para que o disco tenha saído com tanta “saúde”.

TMDQA!: É difícil colocar a sonoridade de vocês em uma caixinha, o que é ótimo! Como é ter essa liberdade criativa, cheia de referências, e qual é o Norte que buscam nas composições?

Mateus Sizilio: É certo que temos referências em algumas bandas, porém não ficamos presos a nenhum estilo específico. Buscamos compor com liberdade, sem nos preocuparmos com o resultado, pois fazemos música pela música. A arte pela arte! Todos os integrantes da banda são compositores, mas cada um tem sua forma própria de compor. Sempre compartilhamos ideias e aceitamos a opinião e contribuição de todos. Cada um chega com a musicalidade que carrega e deixamos a coisa rolar.

 

“A gente espera de verdade conseguir quebrar essa barreira”

TMDQA!: Já existem pessoas comparando vocês à inventividade do Clube da Esquina, por exemplo. De fato, acho que vocês trazem uma estética sonora muito interessante à atual cena musical brasileira. Do vocês já têm ouvido de feedbacks, acham que as comparações fazem sentido ou são exageradas? Como vocês se projetam na música nacional?

Matheus Bragança: A princípio, acho a comparação com o Clube da Esquina um pouco exagerada. O Clube foi uma geração de músicos que mudaram completamente a música brasileira. Criaram algo novo, uma mistura que surpreendeu os mais atentos ouvidos pelo mundo. Nós estamos aqui humildemente lançando nosso primeiro álbum. Mas de fato há algumas semelhanças nessa história. A começar pela grande fusão musical, assim como nós fazemos essa grande mistura, o Clube mesclou jazz, rock progressivo, música regional, música latina, bossa nova, música clássica, pop e por aí vai. Temos um pouco desse espirito também, de jogar tudo numa panela e ver no que dá.

Mas um fator mais decisivo em comum entre a A Outra Banda Da Lua e o Clube acredito que seja o processo criativo. Nossa criação é realmente uma coisa bem coletiva, onde todos chegam com ideias e a coisa vai tomando formas e se transformando. Há um diálogo com mais artistas locais, de músicos a poetas e artistas plásticos. Então, de fato, é uma concepção que envolve muita gente resultando numa identidade coletiva. É um processo bem parecido de como ocorreu com o Clube Da Esquina. Falando em projeção na música nacional, a gente espera de verdade conseguir quebrar essa barreira que, para nós, é um feito bem significativo. Queremos mostrar pro Brasil um pouco do Norte de Minas!

TMDQA!: Além das 9 faixas autorais, temos uma releitura maravilhosa de “Desentoado”, do Tino Gomes, um compositor também de Montes Claros. Por que justamente essa música? Vocês chegaram a cogitar outras ou foi um consenso?

Matheus Bragança: Foi um consenso. É uma música de Tino Gomes e Charles Boavista, de um grande grupo de Montes Claros que nos influenciou bastante e que teve bastante relevância no cenário regional na década de 70, o Grupo Raízes. Ela tem uma representatividade muito forte do que é ser do norte de Minas. “Eu sou fruta do norte / No curral sou boi de corte” diz muito sobre a história do sertão mineiro.

Durante muito tempo (e até hoje na verdade), essa região sofre de isolamento e esquecimento, apesar de toda riqueza cultural de seu sofrido povo. Aquilo que não se encaixava nas “Minas”, os pastos e a seca, sobrou aos “Geraes”. E essa cultura ainda persiste muito em todos os âmbitos. Essa música mostra que, apesar da dor, o Norte de Minas traz também muita força, muita luta e uma beleza rara. Não à toa, é a única releitura no disco, uma versão que nos dá bastante tesão de tocar.

 

“É bastante visceral e verdadeiro”

TMDQA!: O lançamento, em pleno período de isolamento social, foi proposital ou foi algo que já estava programado e não havia como voltar atrás? Como vocês acham que a música, como um todo, pode servir como um alívio para o ser humano em tempos tão desesperadores?

Matheus Bragança: Na verdade, o lançamento do álbum inicialmente estava previsto para o final do ano. Foi um processo longo e realmente precisávamos soltar nosso primeiro filho pro mundo. Aconteceu de lançarmos em um momento de pandemia, momento em que talvez os ouvintes mais precisassem também. Acredito que, nessa situação de quarentena, nosso som pode trazer um pouco de calor e funcionar como um afago pra muitas pessoas. Em momentos de crise aonde a humanidade se vê diante de dificuldades e de uma necessária mudança na forma de enxergar as coisas, a cultura tem papel fundamental. Historicamente, temos exemplos de como a música e a arte, de maneira geral, são importantes para momentos de ressignificação da realidade. Penso que é uma obras capaz de causar variados tipos de reações no ouvinte, seja de alimento para a alma, de inquietação ou reflexão diante de tudo que se passa.

TMDQA!: Passado o período de isolamento social, vocês possivelmente vão levar a experiência do álbum para festivais e casas de shows. Como vocês descreveriam um show d’A Outra Banda da Lua?

Matheus Bragança: O retorno que temos do nosso público é que o show da A Outra Banda Da Lua é bastante eletrizante. Falam que é daqueles para se jogar e sentir a experiência do começo ao fim. Falando de uma visão mais interna, é um show que demanda bastante energia. Sempre saímos dos shows como se tivéssemos corrido uma maratona. A gente se entrega de verdade porque é bastante visceral e verdadeiro.

TMDQA!: Alguma contribuição final?

Matheus Bragança: A gente espera de verdade que o nosso som reverbere e por aí e leve um pouco de calor pra todos. Esse álbum foi um trabalho que fizemos com muito carinho e colocamos uma energia bastante especial nele. Aguardaremos esse momento delicado passar para circular e levar nosso tempero pelo Brasil. Nos vemos em breve. Saudações norte mineiras a todos.

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