Por Gustavo Sleman
Você com certeza já ouviu a frase “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. A expressão, cunhada por Oscar Wilde, se tornou referência na hora de retratar eventos da ficção que acabaram acontecendo, de uma forma ou de outra, na vida real.
Nos quadrinhos não faltam exemplos disso. Em 2001, a DC Comics teve que retirar das bancas um gibi do Superman que trazia a destruição dos prédios da LexCorp. Isso porque a revista, produzida meses antes, acabou sendo publicada um dia após o ataque ao World Trade Center.
Hoje o mundo enfrenta um desafio diferente daquela época. E foi em meio pandemia do coronavírus que o destino resolveu aprontar novamente uma de suas peças.
Recentemente um grupo de fãs descobriu uma coincidência no mínimo bizarra em duas edições de The Spectacular Spider-Man, de 1991. Isso porque nos números 176 e 177 da HQ, o Homem-Aranha enfrenta uma vilã chamada Corona, responsável por assolar parte de Nova York com uma febre. Pois é.
Bastou um post na internet para que milhares de teorias sobre a Marvel e o Cabeça de Teia fossem criadas. Não só isso, mas o preço das revistas no Ebay aumentou absurdamente. Antes vendidos por centavos, os exemplares podem ser encontrados atualmente por US$ 34,99 cada.
Mas afinal, quem é essa tal Corona?
Antes de falarmos da personagem e de sua história, a gente precisa abordar a origem dos coronavírus. Os primeiros registros desse tipo de vírus datam da década de 1930, sendo encontrados em aves.
Três dos sete coronavírus causam infecção respiratórias mais graves nos humanos. O primeiro deles, o SARS-CoV, foi identificado em 2002. No final de 2019 tivemos a descoberta do SARS-CoV-2, agente responsável pela COVID-19.
Dito isso, podemos nos ater a trama mostrada nos quadrinhos, que para falar a verdade, é bem simples. A vilã criada especialmente para essas edições é na verdade Dagny Forrester. Irmã de um cientista chamado Cedric Forrester, ela foi vítima de um experimento malsucedido que não só lhe deu superpoderes, como também contaminou a água de Nova York com um produto químico. O acidente fez com que milhares de pessoas ficassem doentes, entre elas o amor de Peter Parker, Mary Jane.
Após uma série de embates entre o nosso herói e os dois irmãos, o Amigão da Vizinhança descobre a existência de um antidoto para a tal Febre do Soho (como a doença foi batizada) e de quebra ainda impede que Corona se suicide.
No entanto, o destino da personagem até hoje é um mistério. Ao aparecer novamente em Spider-Man Unlimited 3 (1993), ela simplesmente some do mapa ao voar pelos céus, para nunca mais aparecer em nenhum outro gibi da Marvel.
“Eu estava com muita pressa para escrever essa história”
A história foi escrita por Kurt Busiek e desenhada por Sal Buscema, duas lendas dos quadrinhos. Com toda repercussão gerada pelo fato inusitado, Kurt sabia que não conseguiria escapar de perguntas como “você previu o futuro?”.
Em um bate-papo exclusivo com o Tenho Mais Discos Que Amigos!, o autor de Liga da Justiça/Vingadores falou um pouco sobre esse caso. Ele garante: não existe nenhuma relação com a atual pandemia!
TMDQA!: Kurt, você acredita em coincidências como esta? Porque os fãs enlouqueceram na internet quando descobriram isso!
Kurt Busiek: Assim, aconteceu, né… Por isso é difícil não acreditar nisso. Mas coincidências são coincidências, por isso não daria tanta importância a isso. Fico feliz que tenha dado às pessoas algo leve para falar em um momento problemático, pelo menos.
TMDQA!: E de onde veio a ideia por trás dessa personagem? O nome dela teve alguma motivação específica?
Kurt: Me ofereceram na época a oportunidade de escrever essas duas edições porque J. Marc Dematteis, que ia ser o novo escritor da série, precisava de algum tempo, mas o Sal Buscema precisava continuar desenhando, por isso o editor me disse que eu podia tratar dos assuntos desde que pudesse acompanhar o Sal. O Sal é muito rápido e até por conta disso eles precisavam de um enredo muito rapidamente, então nem tive muito tempo para pensar em uma história. Pelo que me lembro, decidi criar um vilão que sentia que com grande poder não vinha nenhuma responsabilidade, como uma contraparte do lema do Homem Aranha e tal.
Alguém que representasse egoísmo e ameaça. O nome “Corona” veio de estar tentando criar um personagem rapidamente. Eu pensei: “se o poder a faz brilhar, tinha que ser algo como ‘coroa de energia'”, e bam, tínhamos um nome. Era hora de se apressar para o Sal poder trabalhar. Foi só isso mesmo.
TMDQA!: Kurt, muitas pessoas estão aproveitando esta coincidência para vender as edições por preços abusivos. Como você vê isso?
Kurt: Bem, eu espero que os gibis estejam disponíveis na Comixology (plataforma de streaming de quadrinhos), para as pessoas que realmente queiram ler possam conseguir fazer isso, até porque desse jeito um pouco do dinheiro vem para mim e para Sal. E isso seria muito bom.
Mas, honestamente, é só uma coisinha engraçada. Então, se alguém realmente quer comprar essas edições, eu acho que eles poderiam esperar por um ano ou mais, quando o preço provavelmente vai voltar ao normal. Eles não serão valiosos a longo prazo, a menos que alguém da Marvel traga Corona de volta e a torne muito popular. Edições que geram comoção por conta de notícias reais são rapidamente substituídas quando novas notícias surgem. Mas não é uma história ruim, por mais que eu estivesse com muita pressa para escrevê-la. Então, se um monte de pessoas está procurando-a pra ler, isso é bom. Espero que gostem!