Por Nathália Pandeló Corrêa
Um novo Biffy Clyro vem aí. Pelo menos é o que dão a entender os dois primeiros singles do oitavo álbum de estúdio da banda escocesa, intitulado A Celebration of Endings. O lado pop do trio ganha destaque nessas canções, o que abre uma nova gama de possibilidades para Simon Neil e os irmãos James e Ben Johnston. Eles fizeram carreira explorando a intensidade melódica do vocal de Simon aliado a riffs explosivos e refrãos marcantes – ou, como viria a provar seu álbum MTV Unplugged, trazendo à tona uma dose considerável de vulnerabilidade e sensibilidade.
A Celebration of Endings deve recombinar elementos que já faziam parte da personalidade de Biffy Clyro, que emergiu de uma carreira inicial independente para uma das principais bandas de rock britânicas. Os dois mais recentes álbuns, Ellipsis (2016) e Opposites (2013), alcançaram o primeiro lugar nas paradas depois de superarem os anteriores, Only Revolutions (#3, 2009) e Puzzle (#2, 2007).
As novas músicas, “End Of” e “Instant History”, são apenas recortes do que vem por aí, eles garantem. Porém o lançamento, que estava previsto para 15 de maio, será adiado para agosto devido à crise na indústria da música provocada pela pandemia do coronavírus. Se o grito de “parem as prensas” veio com bastante relutância, a criação desse trabalho partiu da total certeza: Biffy Clyro não tem interesse em lançar um novo disco “padrão” de rock – o que quer que isso queira dizer atualmente.
É uma discografia longa, são 25 anos de carreira. Se propor a fazer algo novo foi o que reuniu o trio com o produtor Rich Costey, responsável por Ellipsis e que traz no currículo créditos como Foo Fighters, Muse e The Killers. Embora pareça um contrassenso, os escoceses retornam a uma parceria de sucesso para se propor a sair da zona de conforto.
É isso que conta James Johnston por telefone ao Tenho Mais Discos Que Amigos!. De sua casa na Escócia, o baixista reflete sobre o atual momento da banda, a bagagem que acumularam até aqui e planos para o futuro – que podem incluir uma volta ao Brasil, quando turnês internacionais forem possíveis novamente.
Confira abaixo, logo após o vídeo.
TMDQA!: Olá James, como vai?
James: Olá, Nathália! Estou bem, e você? Como vão as coisas no Brasil?
TMDQA!: Estamos… levando, sabe como é! (risos)
James: Sei bem (risos)! Por aqui também, a mesma coisa. Estamos tentando fazer o melhor que podemos nesse momento.
TMDQA!: Exato. E sei que vocês têm se mantido ocupados, estão planejando um lançamento de disco em breve, então quero falar sobre isso. Mas antes, uma curiosidade mais geral sobre o processo de vocês como banda. As suas músicas são cheias de elementos que às vezes parecem meio desconexos. Tipo em “Black Chandelier” ou mesmo a mais recente, “End Of”, são bons exemplos. Parece que tem 4 ou 5 músicas dentro de uma, ao mesmo tempo que há algo que amarra tudo. Isso é algo que vem naturalmente pra vocês ou chega a ser um propósito da banda, de explorar diferentes possibilidades dentro de uma composição?
James: Essa é uma ótima pergunta. Acho que algumas pessoas são minimalistas por natureza, e nós somos maximalistas por natureza (risos)! Nós sempre tentamos chegar ao máximo possível de ideias que uma música pode comportar, seja isso num aspecto melódico ou rítmico. Nós buscamos seguir por caminhos que as pessoas normalmente não esperariam. No fim das contas, isso vem naturalmente porque a ideia é unir tudo que um grupo de três indivíduos têm a dizer, com o objetivo de levar as pessoas em uma jornada. Nós sempre fomos muito prolíficos, escrevemos tantas músicas que podem ser ótimas, mas que precisamos transformar em algo que funcione para a banda. Com esse novo disco, escrevemos as músicas antes de ir para o estúdio. Tentamos deixar as coisas acontecerem. Às vezes o Simon vem com uma música ótima e nós buscamos trabalhar em cima e fazer justiça a ela enquanto banda. Essa pode ser a parte mais desafiadora, mas eu acredito firmemente que uma boa música funciona independente do formato, sabe? Você pode ter um violão, num estilo acústico, ou uma seção de cordas, uma banda de rock completa… A música tem que fazer sentido independente disso.
TMDQA!: É verdade. Agora, falando nisso, vocês já mesclam elementos de pop ao rock há um tempo, inclusive nos novos singles, especialmente em “Instant History”. Isso parece ser algo cada vez mais popular entre artistas mainstream. Não que seja o objetivo de vocês, mas você acha que o futuro da música radiofônica está aí, nessa mistura?
James: É verdade, e de certa forma acho que sim. Sinto que nós viemos quebrando essas barreiras de gênero há um tempo… E a geração mais jovem ouve mais rap, mais pop, e muito menos jazz, que é uma forma de música incrível. E digo isso sem julgamento algum sobre essa geração ou sobre o jazz, que é um mundo onde a minha esposa atua. É que não vejo muitas pessoas explorando gêneros como blues e jazz e caminhando mais para esse lado pop mesmo. No caso do rock, a música tem essa característica de ser enérgica, catártica, barulhenta, e eu gosto de acreditar que não é preciso as guitarras mais altas, raiva e excitação em excesso para chegar lá. Vejo muitas fórmulas sendo usadas, e não tem nada que eu goste menos em uma música do que quando ela é formulaica. É isso que procuramos ter sempre em mente.
TMDQA!: Vocês começaram a tocar juntos há uns 25 anos, né? Se você pensar bem, é uma vida adulta inteira – alguém que já pode beber e ir pra cadeia, inclusive (risos).
James: É por aí mesmo… Que loucura, né? A gente começou a tocar na hora do almoço no colégio, nos fins de semana, só pra ter algo pra fazer, como foi o caso do início de muitas bandas. E atualmente a gente fica refletindo muito sobre a vida. Agora eu olho pela janela e paro pra pensar que estamos em uma jornada imensa. Mas não é como se estivéssemos prontos pra acabar, sabe? Não estamos nos dando tapinhas nas costas e só pensando no que conquistamos no passado. Estamos de olho no futuro.
TMDQA!: Então vamos falar do presente. Vocês estão preparando o lançamento de um disco quando a maioria das pessoas está adiando álbuns até a segunda ordem. Por que vocês estão indo adiante com A Celebration of Endings e como tem sido diferente esse processo que acontece pela primeira vez, de lançar algo durante uma pandemia global?
James: A gente decidiu adiar o lançamento até agosto. É uma decisão complicada. Nós viemos de uma geração que se tranca no estúdio pra fazer um disco, cheio de detalhes como a arte de capa, e pra isso ter o destaque que merece, o formato físico ainda importa. E agora estamos nesse momento em que é difícil até mandar fazer os CDs, os vinis. Sei que o download e o streaming são super importantes, mas pra gente, que é de uma escola mais antiga, decidimos adiar a produção e o lançamento. Sei que as pessoas estão se voltando muito pra música no momento, só não sei se música nova é a resposta agora. Eu mesmo estou fazendo isso, estou em casa ouvindo discos antigos, coisas que eu gostava há anos, ou da geração dos meus pais, tipo Beatles. É uma faca de dois gumes, sabe? Mas música importa – para nós, em especial, é a nossa vida inteira (risos). Então queremos que o disco saia da melhor forma possível.
TMDQA!: Faz sentido, a gente só precisa esperar um pouco mais. Dá pra dizer que nesse tempo todo, o Biffy Clyro teve fases diferentes. Alguns discos se encaixam, musicalmente, liricamente e até nos títulos. Agora parece o começo de um novo capítulo na história de vocês. Também enxerga assim?
James: Com certeza, sinto que esse é um novo capítulo. Liricamente, o Simon vinha falando de questões pessoais – amor, perda, relacionamentos. E de certa forma, essa ainda é a base de algumas letras. O “fim” do título se relaciona com o término de relacionamentos pessoais pelos quais passamos. Nós da banda tivemos algumas relações que chegaram ao fim, de alguma forma. E não nos sentimos pra baixo por isso, como se tivéssemos que ficar infelizes ou nos sentirmos culpados. A ideia é seguir em frente, ir adiante. E dá pra aplicar muitas dessas questões ao estado do mundo e coisas que estamos vendo acontecer há 20, 30 anos. Compaixão, lealdade e generosidade são coisas que parecem estar chegando ao fim também. Então estamos olhando para a sociedade como um todo, vendo o quadro completo. E penso que foi muito corajoso o Simon sair de questões pessoais, que é algo familiar há tanto tempo, para explorar assuntos mais amplos.
TMDQA!: Vocês decidiram mudar um pouco as coisas, mas voltaram a trabalhar com o Rich Costey. Vejo vocês falando em manter o frescor e fazer algo diferente, mas como sair da zona de conforto enquanto banda e trabalhando com um produtor ao lado de quem vocês tiveram um sucesso, algo que deu certo?
James: Olha, vou te falar, nunca é confortável estar em um estúdio com Rich Costey (risos)! A gente costuma dizer que fazer um primeiro disco com um produtor é como ir num primeiro encontro, vocês ainda estão se conhecendo. Parece que o segundo disco é tipo duas pessoas que estão num relacionamento há um ano e têm uma comunicação melhor, se entendem melhor… Nós procuramos o Rich novamente porque ele não tinha o menor interesse em fazer um disco padrão de rock – e nós também não. Ele sabe fazer isso, sabe usar guitarras da melhor forma possível e tudo mais. Mas o objetivo dele era sempre nos incentivar a tentar coisas novas. A pergunta sempre era “já fizemos isso antes?”. Parece que estamos dirigindo pela mesma estrada novamente? Sim. Mas agora estamos numa Ferrari e sabemos como ela funciona. Ok, essa analogia não foi boa (risos). Mas é isso, já sabemos o que dá certo, mas o Rich ainda quer conhecer todos os sons possíveis que poderíamos atingir. Ele tem muito mais paciência que a gente pra isso, na verdade. Nós chegávamos com um sintetizador e ele queria testar todas as formas que ele poderia ser usado. Ele tem a abordagem de um cientista, quase, conduzindo vários experimentos.
TMDQA!: Vocês fazem parte de uma geração de bandas escocesas prolífica e que cresceu ouvindo rock, pop, britpop. Eu tento acompanhar a cena escocesa e vejo muito mais diversidade agora – se bobear, existe um grupo de afropop em Glasgow agora. Vocês já provaram há tempos que sabem ter um som pesado e ao mesmo tempo, fazer cover de Rihanna. Por que não, certo? Sei que vocês prestam atenção a novos artistas. Conseguem se enxergar nessa nova geração que provavelmente já cresceu ouvindo Biffy Clyro?
James: Verdade, por que não? (risos) Não sei, acho que é mais uma questão de ego, do quanto você se vê como influência. Só acho legal que algumas bandas continuam surgindo com uma mentalidade mais antiga na forma de produzir música. As coisas são bem diferentes pra geração que vem agora porque eles têm acesso a algo muito positivo que são as redes sociais e o streaming, com um alcance enorme. Você vê o Lewis Capaldi, que é um dos artistas fazendo mais sucesso atualmente. Pessoas de diferentes partes do mundo ouvem as músicas dele, em especial nos Estados Unidos. Não importa a geografia, a posição política dele… As pessoas só querem ouvir boas músicas.
TMDQA!: Então falando em geografia… Depois que acabar essa loucura toda, existem planos de voltarem ao Brasil?
James: Assim que conseguirmos entrar num avião (risos)! Com certeza vamos trabalhar ao redor do mundo. Temos o álbum pronto pra sair, e como todo mundo, estamos nos coçando de vontade de sair de casa e fazer shows. E a última vez que fomos ao Brasil, tivemos uma recepção tão calorosa! É um lugar completamente diferente da Escócia e nós nos divertimos muito. Dá pra ver que é um lugar onde as pessoas compartilham mais, são mais abertas e adoramos isso.
TMDQA!: Olha, você já me deixou curiosa pra ouvir o novo disco. Espero que possam voltar em breve!
James: Nathália, falo isso não só porque você é jornalista, mas estamos realmente muito orgulhosos desse disco e posso te dizer que não vejo a hora de todos poderem ouvir.
TMDQA!: Bom, agosto está logo aí, certo?
James: Exato, não vai demorar muito.
TMDQA!: Espero que dê tudo certo com o lançamento e para vermos vocês por aqui.
James: Com certeza! Muito obrigado.