Por Nathália Pandeló Corrêa
Laura Marling é uma compositora prolífica. Nascida em Berkshire, na Inglaterra, aos 16 ela se mudou para Londres com o objetivo de ganhar a vida na música. Há quem diga que deu certo, pois a artista lança álbuns consistentemente desde 2008, quando estreou com Alas, I cannot swim. De lá pra cá, lançou outros seis, incluindo o recente Song For Our Daughter, divulgado no último 10/04.
O que amarra esses trabalhos é uma lírica progressivamente honesta e intensa. Marling não esconde que se inspirou nos trovadores sessentistas para construir seu folk. Mas na medida que os discos foram surgindo, veio junto deles uma compositora mais ousada, uma instrumentista mais capaz, uma busca constante por contar novas histórias.
Song For Our Daughter parte desse mesmo lugar, porém sob uma nova lente. O título já entrega essa saudade do que não foi, uma nostalgia do futuro. Marling não é mãe, ainda. Mas não precisa ser para tecer conversas francas com essa filha imaginada sobre o que é ser mulher, uma temática que permeia seu trabalho desde sempre. Aqui, ela se re-conhece enquanto compositora, intérprete e até atriz, já que o disco ganhou um curta-metragem.
Talvez a própria artista se descubra uma nova mulher a cada disco. É o que ela conta em uma entrevista com o Tenho Mais Discos Que Amigos! desde sua casa, em Londres, onde está em quarentena durante a pandemia do coronavírus. Diante das incertezas – de shows, da vida como parte de uma comunidade europeia -, a cantora inglesa só tinha uma carta na manga: liberar o disco que já estava pronto e tinha lançamento projetado para agosto.
A vida urge, e a hora de ouvir música é agora. Conversamos sobre isso e muito mais no nosso papo, que você confere abaixo:
TMDQA!: Oi Laura, obrigada por seu tempo e parabéns pelo disco. Me identifico muito com o que você canta, porque o “ser mulher” está presente no que você escreve – mesmo que a gente tenha histórias e origens completamente diferentes. Quando você olha pra trás nesses mais de 10 anos lançando discos, você consegue se reconhecer uma mulher diferente em cada um deles?
Laura Marling: Essa é uma boa pergunta… Agora que eu acabei de sair da casa dos 20 anos, acho que começo a pensar sobre as coisas de um modo diferente. Fazer 30 anos é um ponto de virada no modo como a gente se enxerga. Agora que eu olho pra trás, depois de já ter vivido algumas experiências, eu consigo ver claramente que cada álbum representou uma fase diferente da minha vida. E é curioso porque eu sei que um disco está pronto porque um capítulo da minha vida se encerrou. Acho que é por aí.
TMDQA!: Faz sentido. Você é uma contadora de histórias com as suas músicas – dá pra sentir que há um passado para aquelas pessoas sobre quem você escreve, mesmo que elas não existam. E em Song for our daughter, você escreve sobre um futuro, talvez, para uma criança que não existe ainda. Pensar adiante é algo que te expande as possibilidades, as perspectivas e te dá liberdade como compositora?
Laura: Dá sim. Acho que isso acontece meio que por acidente. Hoje em dia, principalmente, existe uma nostalgia de um futuro não vivido. Nós ficamos imaginando o que poderíamos estar fazendo… Pra Inglaterra, por exemplo, a Europa parece um lugar distante agora, porque nosso futuro é tão incerto. Então acho que há uma meta-qualidade, de usar a música para imaginar um futuro que não existe ainda.
TMDQA!: Sei que você se inspira por outras músicas, pela literatura… Mas recentemente você voltou a estudar e está se aprofundando em Psicanálise. Você acha que isso de alguma forma aparece nas coisas que você entrega nesse disco?
Laura: Acho que de certa forma, sim. Mas eu comecei a escrever esse disco antes de voltar a estudar Psicanálise, que era algo que eu queria fazer já há muito tempo. Eu refleti muito sobre meu impulso criativo, sobre as minhas urgências e tendências ao repetir as mesmas histórias, sabe? Mas eu tenho muito cuidado, lidando comigo mesma, pra não reduzir o que eu faço criativamente a uma análise psicológica. Ao mesmo tempo, a Psicanálise acaba sendo uma perspectiva muito interessante para entender a arte e a nossa relação com ela, então tem isso (risos).
TMDQA!: Verdade! Agora, a sua música sempre me pareceu intimista, mesmo as canções que têm mais instrumentação. Aí quando o disco é lançado, ele ganha o mundo e vida própria. Agora, não dá pra fazer isso, compartilhar música da forma como fazíamos. Entendo que você antecipou o lançamento de Song for our daughter justamente devido a esse momento de isolamento. Você já passou por momentos diversos lançando discos. Esse tem sido diferente pra você?
Laura: Tem sido bem diferente. De certo modo, está bem mais conveniente pra mim, porque eu fico em casa e faço essas entrevistas por telefone, o que facilita muito. O não saber quando vou poder tocar ao vivo de novo é que é triste, sinto que há um pouco de luto nesse sentido. Mas sei que haverá um novo disco, haverá uma próxima turnê… Essas músicas não vão ser esquecidas. E esse é um ótimo momento pra se ouvir música.
TMDQA!: Bom, acho que dá pra dizer que você compartilha com as pessoas de uma forma diferente – você tem feito lives no Instagram ensinando os acordes das suas músicas. E aprender um instrumento é algo empoderador. Também vi a playlist que você compartilhou com seus heróis da guitarra. Você já deve estar inspirando outras pessoas, inclusive meninas, de uma próxima geração, mas queria saber quem foi essa figura pra você, que te formou enquanto instrumentista.
Laura: Sem querer parecer brega, mas meu pai é a única pessoa do mundo que toca violão como eu, porque foi ele quem me ensinou (risos). E isso fica claro quando estamos eu, ele, minhas irmãs… Dá pra notar direitinho os maneirismos e truques que ele tem e que agora eu tenho também. É algo bonito, que o meu violão leve diretamente ao meu pai. E ele foi influenciado por Joni Mitchell e Neil Young, e me passou essa herança.
TMDQA!: Você falou de haver um próximo disco, uma próxima turnê… Você acha que não vai dar pra tocar esse álbum especificamente ao vivo? Pergunto isso porque o brasileiro tá sempre pronto pra lançar a hashtag #ComeToBrazil, sabe? Você pensa em passar por aqui numa eventual nova turnê?
Laura: (risos) Com certeza! Eu definitivamente quero tocar essas músicas ao vivo, e eu já tinha um interesse no Brasil pelo campo da Psicanálise. Tem muita coisa interessante sendo feita aí. De qualquer forma, acho que talvez os planos só mudem de data, ou sejam jogados um ano pra frente… Mas quero muito ir sim!
TMDQA!: Pelo que eu vi no Tiny Desk, nas suas lives, você está ficando em casa em quarentena, certo? Como que você tá lidando com o isolamento? Dá pra ser criativa num momento assim?
Laura: Estou em casa sim. De manhã eu fico estudando; à tarde, faço entrevistas como essa, conversando com as pessoas pelo telefone. E à noite eu faço as lives, tomo uma taça de vinho… Nada mal por enquanto.
TMDQA!: O nome do nosso site é Tenho Mais Discos Que Amigos, e isso é mais verdadeiro que nunca ultimamente! Tem um disco que tem te feito companhia e que você tem ouvido direto?
Laura: Eu tenho ouvido basicamente três discos em repetição ultimamente. O primeiro é o First Take, da Roberta Flack, de 1969. O segundo é Two Hands, do Big Thief. E o terceiro é de uma pianista etíope, ela era uma freira e o nome é completamente difícil de pronunciar. Espera aí, deixa eu tentar: (lendo a capa e soletrando) Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou.
TMDQA!: Algum motivo especial pra serem esses discos?
Laura: O da pianista etíope é algo que eu já vinha ouvindo há um tempo, porque saiu numa coleção de discos de jazz da Etiópia uns anos atrás. O do Big Thief é porque eles são uma das minhas bandas favoritas, e me surpreende porque eles estão prestes a se tornar a favorita mesmo, ponto. Eu já vi eles ao vivo algumas vezes e são simplesmente incríveis, é inacreditável o quanto são bons. E o da Roberta Flack é um disco que eu já ouço mesmo, talvez umas duas vezes por ano eu sempre volto nele, sabe?
TMDQA!: Tá certo, Laura. Espero que quando isso tudo acabar, a gente possa te ver aqui no Brasil.
Laura: Também espero, obrigada!