Entrevistas

Fernando Sanches fala sobre o futuro do CPM22 e da música pós-pandemia

Conversamos com o músico, produtor e figura do underground sobre próximo disco do CPM22 e como pandemia afetou os negócios do tradicional estúdio El Rocha.

Fernando Sanches, baixista do CPM22
Foto: Divulgação

Por Eduardo Ribeiro

Conheci o Fernando Sanches em 1997, logo que a família Takara (Fernando é filho do Sr. Claudio Takara e irmão de Daniel Ganjaman e Maurício Takara) inaugurou a primeira sede do estúdio El Rocha na zona oeste, numa travessa da Teodoro Sampaio. Quer dizer, frequentando a casa para ensaiar e assistir a ensaios de bandas de amigos, trocamos ideia pela primeira vez. Mas, na verdade, já o conhecia de vê-lo no palco como integrante de algumas das minhas bandas preferidas do meio alternativo de São Paulo nos anos 1990 – Small Talk, Againe, Dance of Days, Van Damien e Hateen. Enquanto baixista do CPM22, ele tem duas passagens no currículo: entre 2005 e 2011, e de 2016 para cá. Atualmente, segue à frente do estúdio e fazendo som n’O Inimigo e no Againe.

Em meados de março, quando o bicho começou a pegar com a pandemia do novo coronavírus, os trampos do El Rocha, onde já ensaiaram e gravaram artistas como Ratos de Porão, Vanguart, Pitty, Elza Soares, BaianaSystem, Ivete Sangalo, Criolo, Capital Inicial, Mallu Magalhães, Mercenárias, Inocentes, etc., famoso por atuar ininterruptamente desde sua abertura, deram aquela miada e o local precisou desligar os amplis e apagar as luzes. De papo com o Fernando, fiquei sabendo que, por conta disso, ele havia parado a gravação do Deb and The Mentals ao mesmo tempo em que o CPM22 aproveitava o breque na agenda para fazer a pré-produção de seu vindouro álbum. Foi nessa deixa que emendei a entrevista a seguir.

TMDQA!: Fiquei sabendo que o CPM22 está fazendo a pré-produção de um novo disco. Vocês já estavam com a ideia de fazer isso nesse momento, ou resolveram antecipar as coisas, aproveitando a deixa da ‘quarentena’ para não ficarem improdutivos?

Fernando Sanches: Não sou super ativo nas decisões da banda, mas todos ali já sentiam que era a hora de começar a trabalhar em material novo. O último disco já tem bastante tempo, e tocamos muito com ele. Foi uma tour boa, mas desgastante para todos. Tanto para a banda como para a equipe técnica. Em relação à quarentena, ela acabou não influenciando no tempo das coisas. Foi pura coincidência.

 

TMDQA!: O que já dá pra adiantar sobre a pegada do próximo disco do CPM22 em relação ao álbum anterior?

Fernando Sanches: As demos estão indo pra um caminho bem próximo ao do último disco. A aceitação dele foi ótima, e digo isso não muito pensando numa questão de mercado, mas em quem já gostava do nosso trabalho, que é o que mais importa no caso de uma banda de rock com tanto tempo de carreira.

 

TMDQA!: Alguma inovação ou caminho diferente no som ou nas letras?

Fernando Sanches: O jovem não está mais afim de ouvir rock, né, ele deixou de ser uma coisa desafiadora e perigosa. Perdeu a urgência que tinha nas décadas passadas e virou música de velho, então acho que o foco agora é quem já curtia a banda mesmo. E tudo bem pra mim.

 

TMDQA!: Quais são as precauções que uma banda precisa ter em estúdio para não dar brecha para a disseminação da covid-19 entre os integrantes?

Fernando Sanches: Eu, por exemplo, por ter uma filha pequena, não participei das primeiras sessões de demo. Fiquei em casa e não estou saindo. Aliás, pelo que eu tenho falado com os caras, ninguém da banda está saindo. Ou não deveria estar.

 

TMDQA!: Sobre aquele show que vocês fizeram com o Raimundos no Rock in Rio. Lembro que, na época em que o Raimundos surgiu, muita gente fazia campanha de boicote por acusarem os caras de sexismo nas letras, então havia quem curtisse, mas não revelasse isso em público para não pegar mal no rolê. Como você avalia essa questão hoje em dia?

Fernando Sanches: Quando o Raimundos surgiu era uma coisa nova, chocante pra época. Agora em 2020 eu acho bobo e um tanto desnecessário. Ninguém mais fica chocado com putaria, tem coisa bem mais “agressiva” rolando o tempo todo. Na época todo mundo achava ousado, e não tinha muita informação de como esse tipo de discurso era prejudicial. Hoje, não consigo achar legal, não. Acharia mais legal ter feito o show separado de cada banda. O resultado seria melhor e mais fácil, mas o festival quis assim, eu só fui lá e fiz minha parte.

TMDQA!: Você, que além de músico também trabalha operando mesa de som no El Rocha, como tem sentido o baque de ter tido a sua rotina de trabalho impactada pelo isolamento motivado pela pandemia? Pergunto porque sei que você é um cara que sempre esteve muito na ativa, trampando horas a fio ali no estúdio, movido a café e tal [risos]. Deve bater uma sensação estranha de parar de repente, e já por tanto tempo, não é?

Fernando Sanches: Cara, eu estava gravando o disco do Deb And The Mentals numa segunda-feira em que a coisa realmente estourou. Comento sempre que a sala de gravação está tipo Chernobyl. Tudo ficou do jeito que estava no fim do primeiro dia de sessão. É bem estranho… Mas, graças à tecnologia, estou fazendo muita coisa sem acompanhamento: trabalhos de mixagem e masterização. Faço sozinho e mando para a banda aprovar por email. Funciona super bem e ainda está rolando, mas vai saber até quando, né.

 

TMDQA!: O meio musical já vinha sendo prejudicado nas últimas duas décadas, primeiro pela pirataria da troca de arquivos e, mais recentemente, pelos serviços de streaming, que revertem pouco lucro para os artistas em relação à época em que a vendagem de k7, vinil e CD eram a principal fonte de renda. Daí, os artistas começaram a investir muito mais em shows. Com o mercado de eventos prejudicado, os efeitos dessa nova dinâmica estão aí para serem questionados. Como você acha que o streaming poderia beneficiar melhor os artistas?

Fernando Sanches: Alguns serviços de streaming estão colocando links para o pessoal doar algo extra para os artistas. Acho a ideia ótima. O público se acostumou a não pagar mais por música, então vai ser um processo longo mudar essa cultura. Vamos ver se surte efeito, visto que mais do que nunca o pessoal tem consumido música, cinema, séries, etc., dentro de casa. Os serviços de streaming deveriam, durante essa pandemia, aumentar a remuneração como medida emergencial.

 

TMDQA!: Que outras saídas você acredita serem financeiramente justas e possíveis para a categoria?

Fernando Sanches: Diminuição ou extinção na cobrança de imposto sobre a arte e materiais necessários para esse tipo de produção. Também aumento do incentivo governamental à produção artística nesse momento é extremamente necessário, como o governo alemão vem fazendo. O problema é que a atual administração tem feito exatamente o oposto, o que só piora.

 

TMDQA!: Além do CPM22, você também faz parte de outras duas bandas um tanto longevas no underground nacional, O Inimigo e Againe, as quais têm o hardcore como denominador comum. Gostaria que comentasse um pouco sobre como você enxerga a perenidade desse gênero na cena paulistana, e o que a vivência no hardcore trouxe de mais importante à sua vida pessoal nesses anos todos.

Fernando Sanches: A maior parte das minhas amizades e conexões artísticas vieram da cena punk/hardcore, então não sei bem como minha vida seria sem minha participação nisso. Muita gente que produz coisas nas mais diversas áreas veio desse meio. É uma comunidade bem ativa, que, como tudo na vida, tem ciclos, modas, altos, baixos… Acredito que a parte mais burra e radical ficou no passado. A música moveu pra outros caminhos onde o hardcore mais tradicional dialoga com maior naturalidade com outros tipos de música – reggae, eletrônico, até samba. Ainda tem a ala conservadora, mas cada dia que passa você vê mais um espírito de comunidade do que de gangue. Se reinventar foi o que fez ela continuar existindo.

TMDQA!: Quais são as bandas ou álbuns de que você mais se orgulha em ter gravado no El Rocha? Manda aí um top 5!

Fernando Sanches: É sempre difícil e delicado falar sobre isso. Mas vou tentar pegar alguns mais emblemáticos, que sempre as pessoas citam quando comentam sobre o trabalho do estúdio:

– Todos os discos feitos com o Hurtmold
– O disco Nó na Orelha, do Criolo
– O último disco do BaianaSystem (O Futuro Não Demora), que ganhou um Grammy
– Os trabalhos com o cornetista americano de jazz Rob Mazurek
– E, mais recentemente, os discos do Rakta (Falha Comum) e do DeafKids (Metaprogramação)

 

TMDQA!: O que você acha dessas novas iniciativas de shows intimistas/festivais via live, que têm rolado nas redes sociais? Depois que a pandemia passar, acredita que essa prática pode se tornar uma coisa recorrente?

Fernando Sanches: Acho ótimo. Tenho acompanhado bastante e acho muito legal a iniciativa. Tomara que, mesmo depois desse caos, continue acontecendo. E durante ele, que as lives sejam feitas de maneira segura e de preferência da maneira mais informal do mundo, o artista na sua casa, sozinho. Quando começa a ficar uma coisa mais produzida, a gente sabe que tem mais gente envolvida… Aí já acho arriscado, um desserviço às políticas de saúde pública.

TMDQA!: Qual tem sido a sua playlist de sons nesse período de isolamento social? Tem revisitado ou descoberto umas coisas legais?

Fernando Sanches: Eu voltei a ouvir muito disco de metal antigo. Não sei se é o sentimento de apocalipse, mas tenho ouvido muito Sepultura velho, os três primeiros do Metallica, Slayer… Gosto muito também da Billie Eilish, e quando ela solta algo novo eu sempre vou atrás de escutar. No mais, muito punk velho também… Descendents, Black Flag. E as coisas novas que amigos aqui do Brasil estão produzindo.