#TBTMDQA: neste momento é impossível não falar sobre "Fuck Tha Police", do N.W.A.

Censura, confusões em shows e, principalmente, a coragem para falar algumas verdades. Venha saber tudo sobre "Fuck tha Police", do N.W.A..

N.W.A. - Fuck Tha Police

Possivelmente você deve estar ciente dos trágicos e revoltantes casos envolvendo a morte de pessoas negras que ganharam repercussão recentemente. Uma delas, George Floyd, foi assassinada no último dia 25 por um policial em Minneapolis, nos Estados Unidos. Outro caso que ganhou visibilidade foi o do jovem João Pedro Mattos, de 14 anos, morto durante uma operação policial na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O fato é que essas mortes ilustram casos de abuso de autoridade e de comportamento abertamente racista.

Nem todas as pessoas que vão ler esse texto vão entender o que, de fato, significa abuso de autoridade. Existem privilégios impressos em parâmetros regionais ou raciais que mascaram a visão sobre o modo pelo qual as pessoas são tratadas no mundo. E muito da história do hip hop se desenha a partir de uma nova ótica desse descaso com determinadas camadas sociais.

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Dito isso, hoje vamos falar sobre um dos maiores hinos da história do gênero: “Fuck Tha Police“, do grupo N.W.A., já que mesmo lançada em 1988, a música consegue ter um contexto sempre atual em qualquer lugar do mundo.

Essa grande afronta à abusiva força policial, originalmente presente no emblemático disco Straight Outta Compton, causou muita discussão e perturbou muita gente por aí.

Confira algumas curiosidades sobre a história e sobre a repercussão deste grande hit:

 

Contexto

Não há como negar que Nova Iorque é o berço do hip hop, mas também não podemos pensar que o desenvolvimento do gênero se deu exclusivamente por lá. No outro canto dos Estados Unidos, na Califórnia, essa cultura começou a ganhar gradativa visibilidade no final dos anos 80, inicialmente através de DJs techno até a chegada do que ficou conhecido como “gangsta rap”.

A proposta de criar um supergrupo foi o que motivou Arabian Prince, Ice Cube, DJ Yella, Eazy-E, MC Ren e Dr. Dre a formar o N.W.A. (sigla para Niggaz Wit Attitudes). Naquela época, a disputa entre gangues era a semente para um cenário violento que dominava a cidade de Compton. O grupo, em meio a tantas mortes e problemas sociais, precisou se posicionar a respeito.

Daí nasceu Straight Outta Compton, a estreia do N.W.A. que mudou para sempre a história da Califórnia e do hip hop como um todo.

 

Composição

Ice Cube é o principal compositor da canção. Ele escreveu a maior parte da letra que protesta contra a brutalidade da polícia e contra o preconceito racial.

A música é um dos pontos altos de um dos episódios da série documental Hip Hop Evolution, da Netflix. Questionado sobre sua concepção, Cube conta:

[Dr.] Dre estava tendo problemas com a polícia. Ele foi preso três, quatro semanas seguidas. Eu pensei ‘fodam-se esses policiais. Eles estão prendendo caras legais e deixando os verdadeiros criminosos livres.’ Enquanto isso, eu olhava para todo canto e via esses traficantes pela ruas. Fiquei frustrado e fiz a música. (…) Quando mostrei para as pessoas, elas ficaram preocupadas. Perguntavam ‘Você realmente vai dizer essas coisas com o Departamento de Polícia de Los Angeles por aí?’. Eu respondia que precisávamos fazer algo a respeito.”

 

Inversão de papeis

A canção é ambientada em um tribunal. No entanto, o julgado da vez é o departamento policial de Los Angeles, que está sob a tutela do “juiz” Dr. Dre e dos “advogados” MC Ren e Ice Cube. A introdução da música, por si só, já nos habitua a essa inversão de papeis apresentada.

A acusação segue com a exposição de alguns fatos sobre o lado reprimido pelas autoridades. Versos como “Procurando meu carro em busca em busca de algo, pensando que todo negro está vendendo narcóticos” são listados ao longo da música como forma de denunciar as atrocidades racistas cometidas.

O veredito, como vocês já devem imaginar, condenou a polícia. Nas palavras do juiz Dr. Dre, “o júri considera você culpado por ser um racista branquelo e um filho da puta covarde”.

 

Detroit

Não restam dúvidas de que “Fuck tha Police” é uma música polêmica. A crítica, no entanto, não alegrou muito a galera da “ordem”. E isso não foi apenas na Califórnia.

Em 1989, o N.W.A. se apresentou na Joe Louis Arena, na cidade de Detroit. Na ocasião, o grupo recebeu um aviso das autoridades locais para não “estimular violência”. Ice Cube até comentou com o público, antes da performance, que foram aconselhados a não tocar “Fuck tha Police”, mas, para a alegria dos presentes, tocaram logo depois.

De volta para o hotel, no entanto, os membros foram interceptados pela polícia. Em entrevista na época do episódio, Ice Cube contou:

Eles nos levaram para um lugar pequeno. Tudo o que fizeram foi falar conosco. Eles falaram que queriam nos prender enquanto estávamos em cima do palco, na frente de todo mundo mesmo, para mostrar que não se pode dizer ‘Foda-se a Polícia’ em Detroit.

 

Censura

Em 1989, a rádio australiana Triple J colocava “Fuck tha Police” constantemente em sua programação, até ser proibida pela Corporação de Transmissão Australiana de tocar novamente o hit. Em resposta, a rádio colocou “Express Yourself“, outra música do N.W.A., para tocar sem parar durante 24 horas. Que afronta!

Em um episódio mais recente, em 2011, o músico dub neozelandês Tiki Taane foi preso por tocar a música em um show na cidade de Tauranga. O músico ficou surpreendido, já que a música é constantemente parte de seu repertório.

 

Treta com o FBI

Até o surgimento do N.W.A., o FBI nunca havia demonstrado preocupação com movimentos musicais. “Fuck Tha Police” mudou isso.

Milt Ahlerich, então diretor-assistente do escritório de assuntos públicos do FBI, enviou uma carta para a gravadora Priority Records, acusando Straight Outta Compton de estimular violência e desrespeito com autoridades da lei. O documento ainda cita a contagem de 78 policiais mortos durante o cumprimento de seus deveres.

Na época, a carta gerou controvérsias e discussões, já que não refletia a opinião da entidade como um todo.

Foto: Reprodução / Newseum

 

Outras versões

“Fuck tha Police” ficou eternizada na cultura hip hop. Além de virar uma espécie de slogan do que ficou conhecido como “gangsta rap”, a música já foi homenageada por vários artistas ao longo dos anos.

Algumas das mais notáveis estão nas versões lançadas pelos grupos Bone Thugs-n-Harmony e Kottonmouth Kings. No entanto, as releituras não estão restritas apenas à estética do hip hop. O Rage Against the Machine já tocou a canção ao vivo, e a banda de metal Dope tem uma impressionante e pesadíssima versão.

 

George Floyd

“Fuck tha Police” é uma faixa que, infelizmente, envelheceu mostrando-se atemporal.

Não à toa, a música foi considerada uma das 500 melhores canções de todos os tempos, de acordo com uma lista divulgada em 2004 pela influente Rolling Stone. A música já foi homenageada por diversos filmes e artistas ao longo dos últimos 30 anos, inclusive servindo como referência para grupos brasileiros como Planet Hemp e Racionais MCs.

Com o recente caso do trágico assassinato de George Floyd, a canção ganhou um número gigantesco de reproduções ao longo dos últimos dias, em paralelo aos protestos de Vidas Negras Importam (ou Black Lives Matter, em inglês). De acordo com o provedor de análise de dados Alpha Data, entre os dias 27 de Maio e 1 de Junho, a quantidade de streams subiu cerca de 272%.

Mas essa não foi a única música a “ressurgir” diante dos movimentos de protesto e de valorização das vidas negras. Kendrick Lamar também foi um nome muito pesquisado graças à canção “Alright”, de 2015. Childish Gambino e sua “This Is America” (2018) também ganharam notoriedade no período analisado, tal como a também emblemática “Fight The Power” (1989), do Public Enemy.

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