The Weeknd, Rage Against the Machine, Nirvana, Beastie Boys, Guns N’ Roses, Red Hot Chili Peppers, No Doubt. O que todos esses nomes têm em comum? Uma grande influência do Bad Brains.
Surgido em 1977 na capital dos EUA, Washington, D.C., o grupo que atendia pelo nome de Mind Power começou com uma sonoridade Jazz Fusion que veio na onda de bandas como o Weather Report e o Mahavishnu Orchestra. Porém, tudo mudou quando aqueles jovens ouviram as músicas do The Clash e do Sex Pistols.
E não foi só para eles que tudo mudou. A cena Punk, até o momento, era composta basicamente de músicos pouco qualificados; Sid Vicious, por exemplo, mal sabia tocar seu próprio instrumento. Imagine, então, o que aconteceu quando o trio Gary “Dr. Know” Miller (guitarra), Darryl Jennifer (baixo) e Earl Hudson (bateria), acostumado a tocar as virtuosas peças do Jazz Fusion, entraram no meio do gênero.
Mas faltava algo, é claro. E era o vocalista Paul “H.R.” Hudson (H.R., no caso, é uma sigla para “Human Rights”, ou direitos humanos em português), que foi a última faísca em uma bomba prestes a explodir e mudar para sempre a cena do Punk com o surgimento da sonoridade mais agressiva já ouvida até então.
A técnica do Jazz transformada na agressividade do Punk
Ainda que não goste muito do termo “Hardcore”, a banda foi a grande pioneira em um gênero que viria a ser uma das cenas mais fortes daquela época. Mas, antes mesmo do lançamento de seu disco de estreia em 1982, o quarteto já causou polêmica o suficiente para ser banido de sua cidade natal.
Em uma época onde as rádios eram dominadas por músicas pouco aceleradas e que o mainstream era composto, basicamente, por bandas como o Pink Floyd, o Led Zeppelin, os Eagles e tantos outros do gênero, o Bad Brains surgiu como um verdadeiro susto.
“Pay to Cum” (“Pague Para Gozar”, em português), com pouco mais de 1 minuto de duração e uma pegada extremamente rápida e poderosa, foi o primeiro single lançado em 1980 pelos caras e chocou por, além de tudo, ter uma técnica instrumental digna da virtuose de muitos grupos da época.
A confusão — e o incômodo com quatro negros chamando atenção em uma cena predominantemente branca — foi tão grande que, como falamos acima, o Bad Brains acabou banido de todas as casas de shows de Washington. Por isso, eles tiveram que se mudar e, realocados em Nova York, escreveram seu maior sucesso até hoje justamente sobre isso: “Banned in D.C.”, ou “Banido em D.C.”, em português.
Paixão pelo Reggae, sucesso e diferenças entre integrantes
Além do Punk, os integrantes do Bad Brains tiveram uma gigantesca influência da música de Bob Marley e geraram alguns momentos bem curiosos em suas músicas, com canções estupidamente agressivas sendo precedidas ou sucedidas por outras totalmente focadas no Reggae.
É o que acontece no álbum de estreia, na transição entre a própria “Banned in D.C.” e a relaxante “Jah Calling”, como você pode ver abaixo ali pela marca de 7:30.
Todos os membros da banda se encontraram eventualmente na comunidade Rastafári, mas as diferenças de opinião no âmbito musical causaram problemas. Enquanto alguns como o próprio H.R. queriam que o grupo seguisse em uma direção cada vez mais Reggae, o guitarrista Dr. Know liderava a porção que queria ir cada vez mais à fundo no Punk.
Apesar disso, os caras continuaram seguindo em frente entre idas e vindas e gravaram o disco Rock for Light (1983) com produção do saudoso Ric Ocasek (The Cars), se tornando cada vez mais proeminentes e influentes na cena com sua mistura tão característica.
Além da questão musical, o comportamento errático de H.R. também causou alguns problemas. Em uma das diversas reuniões da formação original, que duravam pouco tempo até a reunião “definitiva” — ainda que as apresentações sejam esporádicas — em 1994, o vocalista chegou a, em uma mesma turnê, socar o empresário da banda, deitar um skinhead na porrada e bater em um segurança. Em noites separadas, claro.
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Bad Brains e a influência no Nirvana
A influência do Bad Brains, como falado no começo do texto, vai muito além da comunidade Punk. E talvez você não saiba, mas Dave Grohl (Nirvana, Foo Fighters) já deixou muito claro que “Smells Like Teen Spirit” só existiu por conta do baterista Earl Hudson:
Eu ouço o Nevermind [do Nirvana] e há traços aqui e ali que eu peguei do Earl. Ouça ‘How Low Can a Punk Get?’ da coletânea Rat Music For Rat People e ouça a introdução de ‘Smells Like Teen Spirit’. Não são exatamente a mesma coisa, mas são parecidas. E foi assim que eu aprendi.
Grohl é um dos mais vocais ao dizer que a banda foi uma das mais importantes em seu início como músico, e no vídeo em questão aparece inclusive falando sobre como o disco Rock the Light era absolutamente essencial:
Você tinha que ter esse disco. Você tinha que conhecer esse disco. Se você não conhecia esse disco, seus outros amigos do punk rock começariam a suspeitar. Eu sei cada parte de bateria desse disco desde que tenho 14 anos. Sei todas as músicas de trás pra frente.
Mais ainda, foi graças às históricas performances de H.R. que se popularizou o conceito de “moshing”, ou seja, a prática de pular do palco para a plateia e que também ajudou a originar as famosas “rodas punk”, tão populares em praticamente qualquer show de música pesada no mundo.
Relevância para o movimento negro
https://www.youtube.com/watch?v=2pUlNfdnsAM
Em matéria do The Undefeated, um dos fundadores do festival Afro-Punk, James Spooner, falou sobre a sua reação ao ouvir uma fita K7 do Bad Brains pela primeira vez aos 13 anos de idade:
Não havia nenhuma foto da banda no K7. E aí um amigo meu me falou, ‘Você sabe que eles são negros, né?’ e eu fiquei tipo, ‘O quê?!’ Até então, eu nunca tinha visto ou sabido de quaisquer punks negros além de mim e do meu amigo, Travis. Aquilo só validou tudo.
Em outro trecho da mesma publicação, Spooner também citou a importância do Death, que contamos melhor recentemente em outro especial, e sobre o papel das bandas formadas por negros no pioneirismo da cena Punk:
Se você passa qualquer tempo olhando para a fundação da cena Punk, você definitivamente irá ver figuras negras importantes por todo lugar. Mas claramente o Bad Brains se destaca. Não é só por eles serem caras negros. Eles eram músicos incríveis tocando um tipo de Punk Rock que simplesmente não existia antes.
Legado
Os assuntos abordados pela banda em suas letras iam muito além da comunidade negra, de maneira similar ao que vemos hoje com os protestos que acontecem no mundo todo e deveriam ter o apoio de toda a população.
Em “Big Take Over”, por exemplo, a banda diz: “Através de todas essa dita nação / Se prepare para a jornada final / Esse mundo está condenado por sua própria segregação / Só mais um teste Nazi […] Então me entenda quando eu digo / Não há amor por esse EUA / Esse mundo está condenado por sua própria segregação / Só mais um teste Nazi”.
Infelizmente, nem tudo isso foi suficiente para os caras terem um lugar garantido no Hall da Fama do Rock and Roll até agora. Indicado para a classe de 2017, o Bad Brains acabou não sendo convocado mesmo com apoio popular e segue como uma banda cujo legado chega a ser injustiçado, ainda que seja extremamente respeitado, diante de tamanha influência.
Abaixo, você pode ouvir I Against I (1986), uma das maiores obras primas do Punk, na íntegra.