“St. Anger ao redor do meu pescoço / Ele nunca consegue respeito”. A letra que abre a faixa-título de St. Anger, lançado há exatos 17 anos pelo Metallica, parecia premeditar o que aconteceria após o álbum chegar aos ouvidos do público.
Com 1h15min de duração, sem nenhum solo de guitarra, um dos timbres de bateria mais criticados da história e uma sonoridade muito mais próxima do Alt Metal anos 2000 do que do Thrash que consagrou o grupo, o trabalho de 2003 está certamente entre os mais criticados da história.
O que aconteceu, então, para uma banda tão aclamada seguir por um caminho tão questionado — mesmo sucedendo a dupla Load (1996) e Reload (1997) que já havia recebido uma repercussão negativa?
As tensões internas do Metallica
O processo de gravação do St. Anger estava marcado para começar em Janeiro de 2001, quando o então baixista Jason Newsted anunciou que estaria saindo do grupo por “motivos pessoais e privados e [pelo] dano físico que fiz a mim mesmo durante os anos enquanto tocava as músicas que eu amo”.
Como se não bastasse, em Julho daquele mesmo ano — ainda sem baixista, já que a banda preferiu colocar Bob Rock para gravar as partes do instrumento antes de arrumar outro integrante, que viria a ser Robert Trujillo — o vocalista e guitarrista James Hetfield teve que entrar na reabilitação por conta de seus vícios.
O filme Metallica: Some Kind of Monster mostra em detalhes como foi esse processo tão difícil, já que quando retornou à banda (em Dezembro) James só poderia trabalhar entre 12:00 e 16:00 e o clima entre Hetfield e o baterista Lars Ulrich estava quase insustentável. E, claro, Kirk Hammett se via no meio de uma treta em que pouco poderia fazer.
O resultado de toda a canalização dessa tensão é o que vemos em St. Anger. O álbum é, de certa forma, uma “lavada de alma” de um Metallica que poderia muito bem ter acabado ali se não tivesse direcionado toda essa raiva ao disco.
Como diz uma resenha da época, “ainda que seja uma bagunça em alguns momentos, o que você ouve nesse álbum é uma banda tocando com paixão pela primeira vez em anos”. E isso é inegável: canções como “Frantic”, “Some Kind of Monster” e a própria “St. Anger” estão entre as mais verdadeiras que o Metallica já fez até hoje.
O disco, em si, é uma viagem por todos os machucados que a banda foi acumulando ao longo dos anos.
17 anos de St. Anger
Ainda que seja um defensor da importância e, de certa forma, até da qualidade do St. Anger, é inegável que a forma como foram gravadas as baterias de Lars Ulrich não caiu bem com praticamente ninguém.
Mais do que isso, o som de lata de tinta era um baita exemplo do descaso que o grupo tinha no momento. E não necessariamente de um jeito pejorativo: o importante ali não era, de forma alguma, obter os melhores timbres e as melhores performances de cada um. A ideia era simplesmente despir o Metallica à sua forma mais crua — com toda e qualquer escolha questionável sendo mantida.
Ainda assim, 17 anos depois do lançamento, já passou da hora de St. Anger ter o devido reconhecimento. Claro que o disco não se compara ao pioneirismo do início de carreira do Metallica e alguns podem até argumentar que, depois dele, a banda conseguiu se encontrar novamente nos subsequentes Death Magnetic (2008) e Hardwired… to Self-Destruct (2016).
Porém, isso só foi possível graças a essa obra. A grande sessão de terapia que chegou aos ouvidos de milhões de pessoas certamente marcou o fim de um período de tensão no Metallica, e mesmo com todos seus defeitos, ouvir o St. Anger continua sendo uma experiência no mínimo curiosa.
Talvez hoje, com uma cabeça um pouco mais aberta, seja hora de revisitar esse álbum e perceber que ele não é nem de longe o pior trabalho do Metallica.