Reparação histórica e união preta no Rock: conheça a banda Fuzzuês

Mariô Onofre, uma das cabeças da dupla Fuzzuês, conversou com o TMDQA! sobre o projeto, a presença preta no Rock e reparação histórica. Confira!

Fuzzuês
Divulgação

Um assunto que nunca deveria ter saído de pauta na sociedade, a representação preta tem sido cada vez mais discutida nas últimas semanas. O estopim aconteceu lá nos Estados Unidos com a morte de George Floyd, um homem inocente assassinado por um policial branco — mais um em uma lista longa demais. Mas e aqui no Brasil? E na música?

A força que a morte de Floyd teve por aqui escancarou um problema de anos: o brasileiro precisa que algo aconteça lá fora para pode discutir aqui dentro. Mesmo com pretos morrendo injustamente todo santo dia e com movimentos grandes usando a voz para chamar atenção ao problema.

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No embalo dessa discussão pra lá de necessária, conversamos com o músico baiano Mariô Onofre, que hoje é metade da dupla Fuzzuês. Após se aventurar em outros projetos, o artista encontrou na nova banda mais uma plataforma para enviar sua mensagem, reclamar o que é do povo preto por direito e abrir ainda mais as portas para ouvir Rock nacional.

Sem mais delongas, confira nosso papo pra lá de agregador logo abaixo e conheça o trabalho do duo formado por Mariô e Uly Nogueira.

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Fuzzuês no TMDQA!

TMDQA!: É necessário cavar um pouco fundo pra chegar em um ponto da história da música que mostre, de fato, que a coisa toda teve mão preta desde o início — o Rock principalmente. Além de dar a tua visão sobre isso, como você vê essa reparação histórica acontecendo daqui pra frente?

Mariô Onofre: Olá, pessoal! O primeiro instrumento onde se fez música foi o batuque Afrikano, toda a evolução musical que aconteceu nos tempos de hoje teve sua gênese lá — o principio da raça humana veio de lá, também, como provou o cientista Cheikh Anta Diop.

Já no caso do Rock a gente não precisa cavar muito para ver que os pretos escravos do algodão fizeram nascer o gênero que conhecemos nos dias de hoje como o Blues, que deu vida ao estilo Rock. Artistas como Big Mama Thornton, Sister Rosetta, Chuck Berry e Little Richard chamavam atenção da branquitude, tornando assim um estilo perseguido e visto com maus olhos pela sociedade… porque não era algo que vinha de pessoas brancas. Do mesmo modo que fizeram com o Jazz, Samba, fazem com o Funk carioca, capoeira e o Candomblé. “Tudo que não vem da gente não é bom, é do diabo”, eles dizem (risos). Isso se assemelha muito com a imagem que fazem do Robert Johnson, onde romantizam seu talento dizendo que foi uma obra sobrenatural ou maligna que o fez ser tão bom. O próprio Robert Johnson tirava vantagem disso. (risos)

A reparação histórica só pode partir de nós, pretos. Eu, Mariô, tenho como missão fazer o Rock ser popular de novo e para isso acontecer a periferia tem que ouvir, e ela só ouve quem se assemelha a ela. Com todo o respeito, mas a periferia e a favela não se sentem representadas por pessoas brancas com violão e meias coloridas.

Meu intuito com o Fuzzuês é chegar na criança preta que gosta de guitarra, de bateria, fazê-la se sentir representada. Preto escuta de tudo, preto faz moda e faz tendências, o Rock só não é tendência hoje no Brasil porque caiu no marasmo da branquitude.

TMDQA!: E o que você recomenda pra essa revolução rolar na música atual?

Mariô: Eu recomendo que os centros culturais, mídias e canais que se dizem inclusivos e que pregam diversidade façam isso de fato, porque o que eu vejo é uma diversidade muito grande, mas de pessoas brancas.

Botam a gente dentro da caixinha do Hip-hop e querem que nos viremos com o que dão. Por isso admiro iniciativas da Black Parade e da Kilombo Punk, projetos esses que não são financiados por nenhuma entidade, mas dão vida a artistas pretos que assim como eu não querem entrar na caixa do Hip-hop — que, aliás, amo de paixão.

Nos próximos anos veremos um BOOM da cultura negra em geral. Nesse tempo de exposição do racismo e dos regimes autoritários genocidas dos brancos, a consciência vai pesar e essas entidades vão ser obrigadas a dar voz pra gente. Aquelas, né — ou dá ou a gente toma. É isso o que vai acontecer com a cena alternativa musical de agora em diante. Nova era, meu chapa.

TMDQA!: Teu projeto, o Fuzzuês, é descrito como tendo o intuito de pegar de volta o que sempre foi dos pretos. Me conta um pouco mais da banda e como foi o processo de criar esse rolê?

Mariô: Antes do Fuzzuês existir, eu e Uly Nogueira (guitarrista e um dos compositores) tivemos uma banda chamada Lucian e Os Panteras. Era uma banda preta de Blues com membros do sul e do sudeste, que não durou muito tempo por causa da distância, sobrando assim só eu e ele.

Decidimos compor as músicas só nós dois. A conexão e admiração que eu tenho pelo Uly é de muito tempo, então fazer músicas pra gente se tornou divertido porque, além da amizade de anos, nossa ancestralidade vibrava também. Nossa banda só tem dois membros, mas junto com a gente tem a vontade de todos os ancestrais que morreram na época da escravidão com o sonho da nossa liberdade no futuro.

TMDQA!: Quais as influências sonoras do projeto?

Mariô: As influências não são de artistas específicos e sim de canções sagradas, como pontos de Umbanda e xires do Candomblé. A composição musical se define pelas religiões de Matriz Africana, nossa música é sempre composta por quatro ou cinco versos onde todos os versos parecem ser refrão, é como se fosse um canto de liberdade. O canto dos escravos livres, a revolta com a dureza e a ternura dos Orixás. O canto sagrado.

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TMDQA!: Os protestos que têm rolado mundo afora também vazaram para a música, e o posicionamento de muitos artistas foi criticado nos últimos dias. Qual a tua percepção disso na cena nacional? O que ajuda e o que atrapalha, na tua visão?

Mariô: A minha percepção disso, na cena atual, é que pouco se conhece sobre questões raciais aqui no Brasil. Tudo o que foi ensinado sobre a gente nos livros e escolas foram da visão do colonizador e isso causa desinformação. Vou dar um exemplo, no caso do youtuber Felipe Neto em relação à falta de posicionamento do Neymar: na minha opinião, ser preto nos dias de hoje já é um posicionamento. O papel do youtuber não é cobrar um preto e sim cobrar das pessoas brancas em volta dele uma postura mais consciente e menos escrota.

A esquerda tem essa mania de achar que todo mundo tá no mesmo barco que eles, e isso também aflige a população preta. Nossa questão está sendo diluída em prol partidário oportunista, que está tentando colocar o antifascismo em cima da questão racial e isso machuca muito a gente. Já não basta a cada 23 minutos morrer um dos nossos.

Temos que lidar com Alexandre Frota levantando uma bandeira antifascista como se eles fossem acabar com o racismo. Como se pessoas brancas morressem com um tiro na cabeça lendo livrinho comunista dentro de sua casa no Jardins. (risos) Na minha visão, a luta preta de hoje em dia não tem nada a ver com a luta da esquerda, apesar do inimigo ser o mesmo. Nenhuma ação partidária está nos representando de fato, estão levantando a bandeira deles com nossa morte, e o povo preto está cansado, cansado mesmo. Quando a bomba estourar, vai sobrar pra todos os oportunistas. E sim, também somos antifascistas, mas temos a consciência das questões raciais em primeiro lugar, porque quem morre somos nós.

TMDQA!: Pra fechar, quais bandas e artistas você recomenda pra quem quer conhecer melhor o rock preto no Brasil?

Mariô: Procurem saber sobre Punho de Mahin, Os Haxinxins, Black Pantera, Negro Leo, Giovani Cidreira, Lau e Eu, Jadsa e Boogarins.

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