Rap

Sylvia Robinson e a história da mulher negra que "fundou" o Hip Hop

Na época em que o Hip Hop era considerado "não gravável", Sylvia Robinson fundou a Sugar Hill Records e mudou a história com "Rapper's Delight". Conheça!

Sylvia Robinson

Perto do final dos anos 70, o Hip Hop era considerado um estilo musical “das ruas”, no sentido de que ele não deveria ser gravado — era para ser consumido ali, naquele momento efêmero.

Felizmente para tantos de nós, Sylvia Robinson surgiu para mudar isso com a ajuda de um trio que viria a ser conhecido como The Sugarhill Gang, formado por um pizzaiolo, um aprendiz de barbeiro e um estudante. Juntos, eles deram vida à inesquecível “Rapper’s Delight”, lançada em 1979 e amplamente considerada a primeira música mainstream de Hip Hop da história.

Sylvia Robinson e “Rapper’s Delight”

Michael “Wonder Mike” Wright“Big Bank Hank” Jackson Guy “Master Gee” O’Brien foram encontrados de maneiras bastante peculiares — e até hoje incertas — por Sylvia para realizar seu plano de formar o primeiro grupo de Rap do mundo.

Segundo a maior parte dos relatos, Joey Robinson Jr., filho da produtora, foi quem descobriu inicialmente “Big Bank Hank” ao ouvi-lo fazer Rap na pizzaria onde trabalhava. O “teste” para o grupo foi ali mesmo, assim como o de “Master Gee” ocorreu dentro do próprio carro de Robinson.

Com mais de 17 minutos em sua versão original, a canção foi gravada em um único take e conta com uma banda de apoio que certamente merece reconhecimento, afinal todo o instrumental baseado em “Good Times”, do Chic, foi gravado de forma mecânica.

Eventualmente, a música foi moldada para que pudesse ser executada em rádios e afins e chegou a um formato mais acessível, que é o mais conhecido pelo público em geral.

O sucesso foi instantâneo: boates e programas por todo os EUA começaram a tocar “Rapper’s Delight” e dali — mais especificamente da linha “Hip-hop, hippie to the hippie, to the hip-hip-hop” — surgia o que viria a ser o movimento conhecido como Hip Hop.

Carreira Solo e Polêmicas

É claro que o Hip Hop já existia antes do lançamento de “Rapper’s Delight”. O que a música fez foi, basicamente, popularizar um estilo que antes se via refém de sua própria comunidade e acabava sendo constantemente marginalizado, como se fosse uma brincadeira e não um gênero musical propriamente dito.

Por isso, Sylvia teve de lidar com muitas críticas e acusações. Parte da letra, por exemplo, teria sido escrita por Grandmaster Caz em um livreto e foi descartada até ser utilizada na música. Além disso, o próprio Nile Rodgers (Chic) ouviu a música em uma festa e ficou extremamente irritado ao reconhecer a linha de baixo de “Good Times”, já que a banda não havia recebido créditos por isso.

Mas Sylvia Robinson sempre esteve acostumada a lidar com polêmicas. Bem antes de lançar “Rapper’s Delight”, ela aprendeu a tocar guitarra para compor suas próprias músicas e, depois de alguns anos com uma carreira relativamente bem-sucedida baseada em parcerias, estourou de vez com “Pillow Talk”.

A sensualidade de Sylvia foi algo de difícil digestão para o público da época. A própria “Pillow Talk” foi inicialmente oferecida para Al Green, que recusou a gravação por achar que era uma canção “vulgar” demais — agora imagine o quão difícil foi para uma mulher convencer uma gravadora a aceitar a faixa em 1973.

Ao falar sobre a música (em entrevista à Dazed), Sylvia cravou:

Eu só queria dizer as coisas que as mulheres queriam dizer mas tinham medo. Eu cantava sobre pensamentos sexy e fantasias.

Assim, enquanto algumas portas se fecharam, inúmeras outras se abriram para uma mulher que aprendeu desde cedo a não depender de mais ninguém para fazer suas próprias músicas. É claro que esse foi o embrião para que surgisse a Sugar Hill Records, que por sua vez deu vida a toda a cena Hip Hop.

Grandmaster Flash

Pioneira em “Rapper’s Delight”, ela expandiu ainda mais seu vanguardismo ao corrigir o que muitos consideravam o maior erro da Sugarhill Gang: dar maior palco aos rappers do que aos DJs, considerados os grandes responsáveis pela cena na época.

Foi com a ajuda de Grandmaster Flash que ela consertou isso, colocando uma verdadeira lenda urbana em evidência para o mundo todo, mas é claro que isso também não veio sem polêmicas. A própria produtora falou sobre Flash, ainda na mesma entrevista com a Dazed:

Meu primo trouxe esse grupo até mim e eles eram chamados Grandmaster Flash and the Furious Five e eu pensei, uau, que nome fantástico. Então todos os discos saíram com esse nome, mas o Flash na verdade não tinha voz em nada, e eu digo nada mesmo, que eu gravava. Ele era um ótimo DJ mas era só isso, sabe.

De toda forma, foi com a inesquecível “The Message” que teve início a politização do Rap, algo que hoje é quase uma obviedade dentro do gênero.

Com trechos como “Não me provoque, porque eu estou perto de explodir / Eu estou tentando não perder minha cabeça / É como uma selva de vez em quando / Fico pensando como eu consigo não ir pra baixo da terra”, a canção liderada por Melle Mel Ed “Duke Bootee” Fletcher deu o tom para o discurso de nomes atuais como Kendrick LamarChildish Gambino e tantos outros.

Legado

Da ambição de Sylvia veio a Sugar Hill, e por conta da ambição de Sylvia a Sugar Hill se viu em problemas. Eventualmente, as tentativas de obter créditos e participações em situações onde não se aplicavam, ainda que compreensível devido ao histórico apagamento que as mulheres sofriam à época, não colaborou para os negócios.

Tal apagamento, aliás, é citado por Robinson quando ela fala de Ike & Tina Turner. Ela jura ter sido responsável por produções da dupla, e garante que gravou as guitarras de “It’s Gonna Work Out Fine”, nomeada ao Grammy. Ela fala, inclusive, que ensinou a canção a Tina — mas o crédito da produção foi para Juggy Murray, dono da Sue Records.

Certamente também não colaboraram as acusações de sonegação e outras práticas questionáveis que foram se acumulando com os anos, mas nada disso jamais apagará o legado musical deixado por Sylvia antes de seu falecimento em 2011, aos 76 anos de idade.