#TBTMDQA: Brasil, Baudelaire e tudo que fez de "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones, uma das mais polêmicas músicas já feitas

"Sympathy for the Devil", lançada originalmente em 1968, é responsável por uma grande quebra na música pop feita até então. Confira algumas curiosidades.

The Rolling Stones em 1967
Foto: Michael Cooper

Representações religiosas sempre serviram como uma forma de explicar a vida de uma forma que transcenda a mera existência humana. De maneira quase didática, algumas religiões personificam determinadas características, como o bem e o mal. O diabo, para a tradição cristã, é a representação do mal, por exemplo. Ele também é, por sinal, o eu-lírico de um dos maiores hits da banda The Rolling Stones.

Sympathy for the Devil” foi lançada originalmente no final de 1968 como parte do disco Beggars Banquet. Desde uma inovadora resolução instrumental até uma temática polêmica, a música ganhou fama tanto negativa quanto positiva. Separamos abaixo algumas curiosidades sobre esse hit para você!

Confira abaixo:

 

Sinais de ocultismo (ou não)

Originalmente intitulada “The Devil Is My Name”, a “Simpatia para o Diabo” foi apenas a gota d’água de uma série de associações dos Rolling Stones ao ocultismo. A banda já era alvo de críticas de grupos religiosos por conta de seu disco anterior, intitulado Their Satanic Majesties Request (1967).

Esse aparente interesse pelo ocultismo acabou, no fim das contas, sendo uma ótima jogada de marketing da banda. Aliás, a mídia da época passou a retratá-los como garotos maus, o que ainda ajudou a alimentar certa rivalidade com os “anjinhos” dos Bealtes.

Em entrevistas, o vocalista Mick Jagger já tentou deixar claro que a música não é uma celebração do satanismo, defendendo que ela foi escrita, na verdade, sobre “o lado sombrio dos homens”.

 

Sambinha (ou não)

Buscando agregar novos elementos ao rock feito na época, os Rolling Stones incorporaram elementos percussivos que, com toda a certeza, foram essenciais para o sucesso da canção. Em algumas entrevistas, Jagger já falou que a parte rítmica foi muito inspirada pelo nosso samba. Afinal de contas, ele havia visitado o país no início do ano, e certamente ficou encantado com a nossa cultura percussiva. Mas a canção está bem longe de ser considerada um “samba rock”.

Isso porque o groove da música tem origens em um território um tanto distante do Brasil. Os padrões rítmicos, comandados com maestria pelo baterista Charlie Watts, na verdade têm mais em comum com o mambo afro-cubano. Essas referências já estavam presentes desde os anos 40, sendo adaptadas por bandas norte-americanas. Sem falar que a conga, instrumento primordial na montagem dessa base, não está (pelo menos inicialmente) ligado às raízes do samba.

 

Discursos raciais problemáticos

A adição dos elementos percussivos, que acabaram virando um dos principais elementos de “Sympathy for the Devil”, foi uma sugestão do guitarrista Keith Richards. Em meio a essa insistente e majestosa potência rítmica, o próprio Satã se apresenta ao público nos versos iniciais.

Em entrevista à Rolling Stone (metalinguagem?) em 1995, Jagger falou sobre esse diferencial rítmico que não está presente em nenhum dos outros sucessos da banda:

[A música tem] Um tremendo poder hipnótico, porque é um ritmo africano, sul-americano, afro-primitivo ou seja lá como você queira chamá-lo. Para os brancos, existe algo muito sinistro quanto a isso.

No entanto, a alegação soa um pouco controversa. Aliás, a música acaba traçando um paralelo entre a percussiva cultura africana e o mal que é associado ao protagonista da história. A percussão toda serve como uma espécie de “invocação do capeta”, o que é problemático do ponto de vista sociocultural.

Essa infeliz apropriação estética põe a África como uma representação da depravação humana, do sinistro e do macabro. Este é apenas um dos vários exemplos em que isso se mostra presente na produção cultural norte-americana. “O ritmo de inspiração africana era um mero ponto de referência com associações vagamente ‘bárbaras'”, concluiu o autor Ronald Radano em seu livro “Lying Up a Nation: Race and Black Music”, em 2003.

 

Composição e gravação

Em entrevista, Jagger já disse que pensou originalmente a canção a partir de uma “estética Bob Dylan“, voltada para o folk. Em um dia, durante um belo pôr-do-sol, ele foi até a casa do baterista Charlie Watts e tocou a música em voz-e-violão. Considerando o conteúdo lírico, acreditamos que Watts tenha ficado um tanto assustado.

Já com a música toda esquematizada, um trecho de sua gravação foi registrado por Jean-Luc Godard em um documentário que leva justamente o nome da música. O filme, originalmente intitulado “One Plus One” mistura documentário com cenas fictícias.

Durante o processo, uma lâmpada de um dos equipamentos de Godard deu início a um grande incêndio no estúdio, que acabou prejudicando substancialmente algumas propriedades da banda. Felizmente, ninguém saiu ferido e o fogo foi registrado pelo próprio cineasta.

 

O diabo listando atrocidades humanas

O eu-lírico da canção, após se apresentar cordialmente nos versos iniciais, passa a listar atrocidades da história humana a partir de seu ponto de vista. Esses episódios incluem a morte de Jesus Cristo, as guerras religiosas, a violência retratada durante a Revolução Russa e a Segunda Guerra Mundial. O pior é o fato de que, a partir de 1968 até os dias atuais, sabemos que existe material suficiente para uma versão atualizada da música.

Também são citadas as mortes do ex-presidente norte-americano John F. Kennedy e de seu irmão, Robert F. Kennedy, ambos assassinados. Após levantar um questionamento sobre os autores desses crimes, o próprio diabo responde: “Afinal, fomos eu e você”. A chocante frase carrega a mensagem de que o mal não é necessariamente um ser materializado, podendo estar dentro de cada um de nós.

Ainda sobre esse conceito, Keith Richards explicou certa vez:

Quando essa música foi escrita, foi um momento de turbulência. Foi o primeiro tipo de caos internacional desde a Segunda Guerra Mundial. E a confusão não é o aliado da paz e do amor. Você quer pensar que o mundo é perfeito. Todo mundo é sugado para isso. E você não pode se esconder. Você também pode aceitar o fato de que o mal existe e lidar com ele da maneira que puder. ‘Sympathy for the Devil’ é uma música que diz: ‘não se esqueça dele’. Se você confrontá-lo, você vencerá.

 

“O Mestre e Margarida”

Todo o conteúdo lírico da canção tem inspiração no livro “O Mestre e Margarida“, do escritor russo Mikhail Bulgákov. A obra, que narra uma visita do diabo à cidade de Moscou durante a era stalinista, foi um presente que Jagger recebeu da então namorada Marianne Faithfull.

A escrita francesa também foi essencial para que “Sympathy for the Devil” ganhasse vida. Nisso, Jagger contou com sua influência em Charles Baudelaire, que também era especializado em sátiras sociais.

Capa de "O Mestre e Margarida"
Foto: Divulgação

 

A morte de Meredith Hunter

Um caso que ganhou repercussão mundo, e vale ser citado aqui, é a morte do jovem Meredith Hunter, que tinha apenas 18 anos em 1969. No dia do incidente, os Stones se apresentaram no Altamont Free Concert, um evento de contracultura na Califórnia.

O festival já estava se mostrando um grande erro, visto que, até a hora do show da banda britânica, duas mortes já haviam sido registradas, diante de confusões entre hippies e motoqueiros. Conforme o show avançava, Meredith sacou uma arma bem em frente ao palco em que estavam Jagger e companhia. Os Hell’s Angels, que estavam atuando como “seguranças” da banda, agiram rapidamente e detiveram o jovem com facadas e pontapés. Tudo isso aconteceu durante a performance da canção “Under My Thumb“.

Muitos, porém, só se lembram da infeliz frase dita pelo vocalista para introduzir a performance de “Sympathy for the Devil”, algumas faixas antes do problema acontecer. Jagger soltou uma frase infame, em referências às claras brigas que estavam acontecendo no local: “Cada vez que tocamos essa música, algo acontece. Algo muito estranho”.

De fato.

 

A versão do Guns N’ Roses

Muitos artistas fizeram suas próprias releituras deste clássico dos Rolling Stones, especialmente no mundo do rock. Nomes como Ozzy Osbourne e Jane’s Addiction levaram o legado adiante, mas uma ganhou mais destaque do que as demais. Estamos falando da cover lançada em 1994 pelo Guns N’ Roses.

Em sua biografia, Slash chama essa versão de “som da banda se quebrando”. Dois anos depois, o guitarrista deixou o Guns, em paralelo ao início da jornada de Paul “Huge” Tobias no grupo

Em relação à versão original, a música dá menos peso à icônica linha de baixo da música. Ao mesmo tempo, o destaque para as guitarras (especialmente durante os solos) dão o “toque GNR”.

 

A associação do heavy metal ao satanismo

O heavy metal, conforme foi se tornando cada vez mais popular a partir dos anos 80, também sempre foi alvo de associações ao satanismo. Certa vez, Mick Jagger disse acreditar que “Sympathy for the Devil” foi a canção que deu o “empurrãozinho” para esse estereótipo.

Quando começaram a ver a gente como ‘adoradores do diabo’, pensei que seria uma coisa muito estranha e pontual. Aliás. era uma música apenas. Não era um álbum inteiro, com vários sinais ocultos. As pessoas pareceram abraçar essa imagem com muita naturalidade. Isso tudo levou às bandas de heavy metal de hoje.