A terceira temporada de Dark está aí e não se fala de outra coisa no mundo do entretenimento. A produção alemã já era um sucesso tanto de crítica quanto de público e o encerramento da trama certamente não vai fazer essa avaliação cair.
A complexidade da história é tanta que poderia até complicar na hora de dar um fechamento, mas não foi isso que aconteceu. Apesar de ser difícil acompanhar em alguns momentos, a riqueza de detalhes e a conexão entre eles garante que nada fique sem explicação.
Baran bo Odar, criador e showrunner da série, com certeza já tinha toda a conclusão pronta e dá gosto de ver quando uma produção desse tamanho é bem planejada. Alguns aspectos da terceira temporada complementam detalhes das duas anteriores, tudo muito bem explicado.
O fato de ser bem amarrado, porém, não torna fácil para o espectador a tarefa de entender o que está sendo contado. É como uma aula de física ministrada por um excelente professor. Por mais claro que ele seja, ainda é física.
Por isso, Dark se utiliza de ferramentas técnicas para compor a narrativa e facilitar o seu entendimento. Pelas temporadas anteriores, já tínhamos uma ideia de como a fotografia era um destaque. Os tons que diferenciavam as três épocas já eram muito bem aplicados, deixando claro até para os espectadores mais desligados quando o contexto mudava.
Agora, com a inserção de muitos outros cenários recebendo eventos relevantes, o desafio foi redobrado. A ideia de refletir (literalmente) a realidade alternativa introduzida no final da segunda temporada foi aplicada de forma irretocável. E a vinheta de abertura da série já dava essa dica desde sempre, reforçando o fato de que tudo já estava interligado desde a concepção.
Também é excelente o desempenho do elenco. Interpretar diferentes personagens na mesma obra já é difícil, imagine interpretar o mesmo personagem em diferentes fases da própria vida? E quando essas “fases” ainda interagem entre si?
Nesse quesito, a atriz Lisa Vicari certamente se destaca. É desafiador, a partir de certo ponto, entender quantas versões da Martha existem naqueles eventos e, mesmo assim, ela consegue entregar as sensações que cada uma delas exige: o choque de descobrir a existência das viagens temporais, a confiança para salvar Jonas do apocalipse, a decepção e o medo quando percebe que foi manipulada várias vezes, entre outros sentimentos que oscilam ao longo da temporada inteira.
Outro aspecto digno de nota é a maquiagem, que aposta no envelhecimento gradual para deixar mais crível a passagem de tempo, seja em qual direção for. A história está em expansão tanto para a frente quanto para trás, levando em conta o início em 2019, mas as transições para as diferentes gerações dos mesmos personagens não é brusca e encontra boas saídas para denunciar o envelhecimento – como o Jonas adulto, que em determinado momento aparece sem barba para simbolizar um meio-termo entre as versões que já haviam sido apresentadas.
Detalhes como cicatrizes também se tornaram essenciais para diferenciar os personagens que apareciam de forma duplicada ou onde eles estavam na linha do tempo, caso fossem de épocas distintas.
E o casting… que talento para encontrar atores parecidos entre si, não é mesmo? Créditos para Simone Bär, responsável pelas escolhas.
O diferencial de Dark como uma das melhores séries já feitas é a criatividade para contar uma história que foge da linearidade e é extremamente inovadora nessa fuga. Apresentar uma trama fora da ordem cronológica já é algo recorrente, até por isso é necessário ser inventivo ao apostar nessa estratégia.
Baran bo Odar não apenas subverteu a ordem na qual contou a história, mas o fez de forma complexa e gradualmente mais difícil. Voltando às aulas de física, não dá para começar querendo entender gravitação universal sem passar antes dominar movimento uniforme e as Leis de Newton.
Em Dark, o roteiro começa mostrando aos poucos conceitos como viagem no tempo, paradoxo de Bootstrap para somente na terceira temporada introduzir as realidades paralelas sobrepostas, por exemplo.
Esse cuidado faz com que qualquer espectador consiga entender, mesmo que lá para a frente, o que diabos está acontecendo. Não é preciso pressa para se integrar ao universo, ele mesmo vai se desvendando para nos ajudar.
Para não dizer que tudo é perfeito, alguns pequenos detalhes podem deixar um sentimento misto. Resoluções encontradas repentinamente e personagens pouco desenvolvidos, apesar do imenso tempo de tela para muitos outros, são os principais pontos fora da curva.
Mas não há como negar que o final de Dark é excelente. Concluir uma narrativa que dá tantas voltas já seria naturalmente complicado, mas podemos acrescentar outros detalhes que tornam o feito ainda mais representativo: a pressão do público, uma vez que a série se tornou uma das mais populares do mundo, e a certeza de que esta seria a última temporada. Nada de alongar para ganhar mais dinheiro, nada de reduzir e correr o risco de perder um final decente. Três temporadas era o plano inicial, se manteve e foi o ideal.
Dark conseguiu realizar tudo o que prometeu e se coloca, indiscutivelmente, na prateleira mais alta das séries originais da Netflix.