Por Nathália Pandeló Corrêa
O título do novo álbum de Jason Mraz parece um antídoto para o ano de 2020. Em meio a pandemia, protestos, ciclones, invasão de gafanhotos e mais, o cantor americano começa e termina seu sétimo disco de estúdio com a mesma frase: “Look For The Good” (algo como “Veja O Lado Bom” ou “Procure Pelo Bem”). É um otimismo que muitos buscam nos retiros espirituais, longe das timelines que não param de rolar.
Talvez dê pra pensar no Mranch assim. O rancho na Califórnia é a casa de Jason, onde ele planta abacates e café e também grava seus discos. Para esse novo disco, ele reuniu uma enorme banda que fazia jams ao vivo e essa intensidade é sentida nos arranjos desse novo trabalho, onde o artista abraça de vez a sua verve reggaeira sem abrir mão da vocação pop que as suas canções sempre tiveram – seja as românticas, seja as irreverentes e cheias de duplos sentidos.
No atual momento, não há muito que faça um sentido, quem dirá dois. E pra enfrentar esse momento de turbulência, Jason optou por fazer música, se conectar com as pessoas e agir. No dia 19 de junho, quando o álbum foi lançado e se comemora nos Estados Unidos a Proclamação de Emancipação da escravidão nos estados sulistas, em 1865, Mraz anunciou que doaria todo o lucro proveniente de Look For The Good – a começar pelos US$250 mil (mais de 1 milhão de reais) que recebeu de adiantamento da gravadora.
O movimento Black Lives Matter é um dos beneficiários e uma das poucas coisas que fazem sentido atualmente, conta o artista. Conversamos com ele por telefone sobre essas transformações no mundo e as chances de voltar ao Brasil quando tudo se normalizar. Confira abaixo.
TMDQA!: Oi Jason, obrigada por seu tempo e parabéns pelo novo disco! Quero já começar falando dele, porque apesar de você ter influências do reggae há muito tempo, esse é o primeiro álbum em que dá pra sentir a presença desse ritmo em basicamente todas as músicas. E dá pra ouvir essa mudança na sua discografia de tempos em tempos, tipo o que você fez mais recentemente no Yes!. Essa é uma forma de manter o frescor das coisas pra você?
Jason Mraz: Ah, sim! Com certeza. Sabe, também tem muita música no mundo para se ouvir, muitos grooves e músicos diferentes. Então eu acho que quanto mais a gente experimenta e testa diferentes sabores, mais dinâmica e interessante a vida fica.
TMDQA!: Agora falando em pontos de virada, estava reouvindo o We Sing, We Dance, We Steal Things dia desses e me toquei que esse disco tem mais de 10 anos, e já ouço suas músicas há metade da minha vida. Lembro ainda de ouvir “I’m Yours” tempos antes de sair do disco, num áudio pirata de shows seus.
Jason: Nossa!
TMDQA!: Sim! E aquilo gerou uma grande expectativa pra quando a música finalmente saiu em disco e foi aquele sucesso. Desde então, a indústria mudou tanto, está irreconhecível se formos comparar. Como você navega esse ecossistema do streaming agora? Faz alguma diferença nos seus planos para os próximos passos?
Jason: Bem, quando eu comecei nessa jornada, eu basicamente concordei ou aceitei o fato de que eu eu poderia nunca ter sucesso. Sabe, quando você fala para os seus pais que você vai fazer música, eles imaginam que você vai ser pobre e que não vai dar em muita coisa, e isso é provavelmente verdade para muitos músicos nesse planeta.
TMDQA!: Pra jornalistas também (risos).
Jason: (risos) Pois é. Então pensei que minha vida seria assim, aceitei isso e pensei: o que vai me fazer rico é a jornada, de belas canções e do romantismo da composição, e a jornada de descobrir como sobreviver no mundo com um orçamento ínfimo. Então eu entrei nesse jogo com essa ideia, de que eu seria rico através das minhas experiências, e eu tento manter a mesma atitude hoje, sabe? O panorama do negócio da música está sempre mudando, mas o romantismo e o otimismo permanece o mesmo. Não há uma garantia de que nada que você criar irá gerar dinheiro ou mesmo interesse das pessoas. Então eu tenho que fazer a partir da alegria. Mas se tem algo que notei é que se eu faço algo a partir da alegria, terá sucesso, porque o público, os leitores, os ouvintes querem isso, querem vivenciar sua própria alegria através da de outra pessoa. Então se eu fizesse música apenas por motivos monetários, haveria muito pouca alegria nela. Essa é a minha teoria, e eu não posso mudá-la agora. Hoje em dia as coisas são ainda mais improváveis de terem sucesso financeiro, então eu ainda navego tudo isso pela alegria, pelo romance e a paixão pela arte em si, e se eu acertar nisso, então consigo me manter por essa alegria.
TMDQA!: Certo. Agora, tenho uma história pra você: “I’m Yours” tocou no meu casamento. E outra: eu canto “Have it All” pra minha bebê direto, ela ama.
Jason: Ah, que legal!
TMDQA!: Embora ambas sejam verdade, aposto que você ouve muitas histórias assim. Depois de um tempo fazendo o que faz, é meio inevitável marcar a vida das pessoas e as músicas ganharem outro sentido. Como compositor, como você lida com essa nova interpretação que as pessoas dão pra algo que você criou?
Jason: Ah… Eu espero que as pessoas tomem as músicas para si, isso faz parte da visão e a forma como eu consigo fazer o que faço. E a partir do momento que eu gravo e jogo no mundo, o ouvinte pode fazer o que todo ouvinte faz. E se outro músico faz um cover de uma música minha, eles têm de fazer como se ela fosse deles, e isso faz parte. Eu me sinto muito honrado quando alguém coloca a sua própria história e dá o seu próprio toque, com certeza.
TMDQA!: Tá certo. Agora, acho que você é um cara do tipo “copo-meio-cheio”.
Jason: Com certeza, sou sim.
TMDQA!: Ok, mas isso não significa ser alheio ao mundo à sua volta. Você doou os lucros desse disco pra organizações em que acredita, por exemplo. Mas a questão é: como equilibrar isso? Como participar do que acontece e não se deixar ficar pessimista com o mundo? Porque assim, muitos de nós estão tentando fazer justamente isso e não é fácil (risos).
Jason: Realmente, não é fácil… Eu equilibro basicamente fazendo essas músicas. É como eu estava dizendo, eu não esperava ter qualquer tipo de sucesso. Então eu me jogo na música em busca da minha própria alegria. O mesmo pode ser aplicado aqui. Ok, o mundo não parece muito bem. Estamos entrando num caminho sombrio, ou então já estamos nele, mas estamos tentando nos acordar, para que possamos corrigir a situação e torná-la melhor para os outros. E como fazemos isso? Temos que nos jogar nisso, com alegria, temos que ver como uma boa revolução, como um bom despertar. E a música é incrível nesses momentos, porque ela nos dá poder, energia, um ritmo para marchar. Nos dá uma trilha e letras para cantar que dizem que somos esperançosos e otimistas. Então temos que nos energizar para enfrentar todas essas injustiças, obscuridades, tristezas. A gente tem que comer um grande café da manhã para enfrentar um dia importante e pra mim esse café da manhã grande é o amor. É a arte. É a alegria. E é isso que eu acho que pode nos ajudar a superar esses dias – é o que me ajuda a superar, pelo menos.
TMDQA!: Ainda meio nesse tópico, você é bem aberto sobre suas visões políticas nas redes sociais, e às vezes dá pra sentir nas músicas uma abordagem de assuntos voltados pro meio ambiente, por exemplo. Mas a música e a política pra você não se misturam muito, e entendo isso. Só queria saber: o que você acha que o Curbisde Prophet ou o Geek In the Pink diriam de 2020? Acha que eles conseguiriam entender a atualidade?
Jason: Uhm… (longa pausa)
TMDQA!: Eles são de outra época.
Jason: Exatamente. E pra te ser sincero, nem eu consigo entender 2020, hoje! Tipo… Eu não sei. Não sei o que está acontecendo. Acho que o que faz sentido é o movimento Black Lives Matter, isso faz sentido perfeito. Existe um pedido por igualdade há muito tempo. Estou apoiando e ajudando esse movimento. Isso faz sentido. Eu não entendo o Covid-19, me sinto completamente indefeso e tenho dificuldade com isso. Então estou meio que levando um dia de cada vez, e torcendo para que nossa ajuda dê sustentação para que consigamos vencer essa situação com o Covid, voltar à estrada e dar continuidade a esse despertar espiritual e político que precisa acontecer ao redor do planeta.
TMDQA!: Falando nisso, sei que não dá pra pensar ainda em quando haverá turnê novamente, mas estou curiosa sobre como você vê esse repertório ao vivo. Quer dizer, você gravou tudo em casa e às vezes tinha 14 músicos tocando todos ao mesmo tempo, ao vivo. Ao mesmo tempo, nas suas lives no YouTube, fazia as músicas no ukulele. Você chegou a pensar no formato que levaria pra estrada?
Jason: Bom, vamos ter que ir com banda completa no palco. Vai ser um grupo muito grande, o maior possível. Eu não imaginei que estaria em casa sozinho, não pensei nisso.
TMDQA!: Acho que nenhum de nós.
Jason: Pois é, então eu acho que as músicas sofreram de muitas formas pelo fato de eu estar sozinho em casa, fazendo o meu melhor para compartilhar aquelas canções. Elas realmente pedem a força da nossa banda. Assim que for possível, vamos nos unir novamente.
TMDQA!: E você sabe que preciso perguntar: alguma chance de virem para o Brasil com essa turnê?
Jason: Acho bom! (risos) Acho que o Brasil adoraria ouvir essas músicas ao vivo! O Brasil gosta de dançar! Nos muitos anos que fui fazer shows aí, se eu não tenho um repertório que inspire o público a dançar, eu corto um dobrado no palco! E eu saio com a sensação de que não fui bem. Mas com esse disco, o público pode dançar com literalmente todas as músicas, então acho que seria bem divertido ir ao Brasil com esse disco e ver o que acontece!
TMDQA!: Bom, eu só te vi ao vivo uma vez e o público foi muito receptivo, imagino que isso aconteceria novamente. De qualquer forma, esperamos te ver aqui novamente quando isso tudo passar.
Jason: Obrigado, eu também!