A banda paulistana O Terno resolveu compartilhar em sua conta no Instagram algumas curiosidades sobre seu disco mais recente, <atrás/além>, lançado no ano passado.
Para abastecer seu feed durante a quarentena eles fizeram uma série de posts contando sobre o processo de criação e produção de cada uma das doze faixas do material e é isso o que você confere logo abaixo.
Todos os textos foram postados no perfil da banda O Terno no Instagram e só estão sendo reproduzidos aqui no TMDQA!.
“Tudo Que Eu Não Fiz”
Essa música chega com o clima de abertura orquestral para o disco. O clima banda mais arranjões e as dinâmicas que vão rodear esse disco. Fala sobre a abertura que vem da quebra de algum destino idealizado. Sobre o mundo real às vezes ser mais aberto de caminhos que um mundo sonhado que tem alguma obrigação de acontecer de um jeito estrito. Sejam relacionamentos, momentos, projetos, fases. Sobre o encontro com a fase adulta e aceitação do fim da fase anterior.
A gente gravou essa música num sítio, quando fomos ensaiar o disco. A versão do sítio tinha tanta onda que acabamos escolhendo ela e usamos apenas a introdução e o fim da base que gravamos de fato no estúdio em SP.
Curiosidade: ao invés de chimbal, o Bielzinho está batendo a vassourinha dele num livro (Verdade Tropical, do Caetano Veloso. Fica a dica).
“Pegando Leve”
Essa música foi o segundo single que saiu do disco. E saiu com o clipe da gente naquele barco-metáfora-dia-da-marmota, apertados no meio de vários simbolozinhos da nossa história e ensaiando um pulo pro aberto total do oceano.
A gente quis colocar ela entre os singles também porque ela parecia uma ponte (um barco?) entre uma onda pop maluquinha que existia no Melhor Do Que Parece e as orquestrações, existencialismos, reflexões sobre a vida adulta e a nossa geração que moram no <atrás/além>.
“Quero me encontrar, mas quero ‘deixar fugir’, já me apaixonei mas já me desiludi (‘Como Eu Me Iludo’)”. “Já cheguei no fim, ‘recomecei’ e aqui estou eu no fim de novo” (o Recomeçar do Tim nesse meio todo).
São alguns dos vários ”easter eggs’‘ que aparecem pelo disco, meio nesse clima de amarrar o fim da temporada, a década que vivemos e fizemos nossos discos até aqui. Curiosidade: nos shows o Tim “atualizou” o verso “já fiquei sozinho e já me sobrevivi”.
“Eu Vou”
Essa foi uma música que era sempre legal ensaiar na época de levantar o disco. De alguma forma, com ela a gente foi explorando e encontrando um lance de “power trio de violão de nylon” que é uma filosofia que existe no meio do disco. De tocar no pique dos roquenrous que formaram a gente, na liberdade meio jazz de tocar solto e improvisado, e com os timbres e caminhos que levassem pra esse não lugar, que não remetesse nem à um rolê brasilzão, nem gringo, nem nada.
Quando ia para um lado a gente puxava pro outro. Para ficar mais no terreno das emoções e do que a canção pedia. Uma música bem otimistazona e que conversa com a faixa 1 de alguma forma. É um clima ela, tem um clipe em super 8 no YouTube que ajuda nesse clima também!
Curiosidade: essa música do Tim foi gravada também pelo Paulo Miklos, do Titãs!
“Atrás/Além”
Essa música dá nome ao disco. Muitas músicas tratam desse assunto de atrás/além, algumas até vão mais fundo que ela, mas de alguma forma ela sintetiza bem o conceitão com simplicidade. Aquela simplicidade e economia que não é sinônimo de simplificar algo, mais de ser uma síntese, de dizer a coisa toda com menos elementos.
O arranjo é assim também, tem muitos vazios e silêncios entre o atrás (primeira metade da letra) e o além (segunda metade). A gente sempre brinca que o lance no <atrás/além> é essa barra “/”. Essa música dá esse espaço sensorial pra ela, o presente, o tempo, o espaço. Enfim, canção pop simples porém com muitas viagens por trás. Isso é o barato do disco como um todo talvez.
Curiosidade: ela se relaciona com a coisa gráfica da capa. a brincadeira entre o html millenial e a poesia concreta brasileira. Gosto de reparar que as duas palavras, mesmo o atrás, tem um acento inclinado pra frente.
“Nada/Tudo”
Essa fala muito desses opostos que aparecem pelos títulos das músicas do disco. Silêncio pra cantar, em branco pra escrever, o nada vai dizer tudo o que pode ser.
Essa parada desses contrastes aparecerem sobrepostos e não necessariamente como opostos. E sim um como condição pro outro. Um retrato sobre os sentimentos, os amigos e a vida em tempos de mudanças. O vazio e o silêncio que apareciam ali em “Pegando Leve” aqui estariam tipo se transmutando. Tudo nesse climão doido da orquestra que chega junto com a gente. Às vezes um instrumento só, às vezes uma porrada. Contrastes.
Curiosidade: esse em branco tem a ver também com a capa do disco. De usar esse vazio pra construir em cima. Sabia que pra fazer o esboço da capa a gente “estragou” nosso álbum branco dos Beatles? Para poder usar as influências como pano de fundo pra nossa própria coisa.
“Pra Sempre Será”
Essa a gente gravou no sítio também. Tudo valendo: voz, baixo, batera e violão. Tudo num “takão”. Estava um astralzão gravar ela. A gente deve ter feito uns 20 takes. Esse aí foi o favorito e a gente trouxe pra São Paulo pra colocar as cordas do Felipe Pacheco e o vibrafone do Beto Montag.
A letra é de um olhar carinhoso pra coisas bacanas que se encerraram mas com a good vibe de saber que a gente carrega isso com a gente mesmo depois que passa.
Curiosidade: tem coisinhas escondidas no meio da canção de amor também. Não vamos contar todas, mas por exemplo: tem uma citação ali de “Coração Vulgar” do Paulinho da Viola.
“Volta e Meia”
Essa gravação tem um carinho especial por conta dos ilustríssimos convidados que participam: Devendra Banhart e Shintaro Sakamoto. Já eramos fãs deles, tínhamos conhecido o Devendra abrindo o show dele em São Paulo, mas num festival na Alemanha onde tocamos todos rolou uma grande de uma buena onda entre nós, assistindo juntos um o show do outro.
“Volta e Meia” já estava em produção e pedindo um discurso emocionado, então tivemos a ideia de ser o Shintaro recitando em japonês, seguido pelo Devendra cantando o verso em espanhol. Convidamos eles por e-mail mesmo, e cada um mandou sua parte do seu país. Quando juntou tudo a gente pulava comemorando pelo estúdio sem acreditar. Uma alegria intercontinental.
Curiosidade: quando vimos a tradução do discurso que o Shintaro criou a música mudou de sentido. Ele fala sobre “estou num quarto escuro/não reconheço o homem no espelho que me observa/meu eu do passado segue me perseguindo”.
Isso foi um baque, porque inverte todo sentido amoroso da faixa e do disco pra essa ótica de estar numa busca interna. Quem eu era, quem eu sou, quem eu vou ser. Isso está pelo disco todo e é como um sentido paralelo e secreto para todos os “vocês” do disco. Uma relação com si mesmo e com o passado. Uma reflexão sobre os caminhos futuros.
“Bielzinho / Bielzinho”
A gente meteu essa barra no título na real só pra zoar o conceitão do disco, porque não tem o menor significado lógico. O conceito do disco é sério e tem zil viagens profundas, mas poder dar essa auto zoada dá um belo respiro pra coisa toda.
Como disse o famoso rei do baixo: “é a hora do recreio do disco”. Foi uma farra de gravar. Quando o Biel ouviu pela primeira vez ele ficou ali meio sem jeito, meio contente, poucas palavras. Depois ficou meio espantado quando viu que eu tava falando sério “vai entrar no disco real”.
Curiosidade: o coro dessa música é de peso nessa nossa música brasileira. Ana Frango Elétrico, Tulipa Ruiz, Maria Beraldo, Luiza Lian e Maria Cau Levy (que é também quem faz a parte gráfica do álbum).
A gente cria muito um imaginário de que música de amor significa música de um relacionamento conjugal, mas essa é uma música de amor entre amigos, simples e sincera.
“O Bilhete”
Essa música veio da sensação de encontrar mesmo um bilhete antigo. Essas memórias que ganham uma outra cara quando estão desbotadas. Aí foi virando essa canção de um amor antigo.
A gente gravou ela bem simples e o centro da coisa é um violão e voz. Quando a gente sentou os três com essa leva de músicas do Tim ficamos pensando nisso: como manter o minimalismo e impulsionar ele no disco. Não tocar os três o tempo todo em todas as músicas. Estar mais como três músicos e produtores construindo uma gravação do que necessariamente como uma banda tocando elas ao vivo. E isso aí, uma simples baladona de amor. Tinzera cantando grave.
Curiosidade: isso que parece uma respiração no começo e ao longo da música é o Biel fazendo os efeitos doidos que ele faz com a vassorinha na caixa dele.
“Profundo / Superficial”
Uma reflexão sobre uma geração que convive num turbilhão de informações, opções, variedades, conexões. Que está isolada e conectada ao mesmo tempo, muitas vezes refém da velocidade dos nossos próprios gadgets. É também sobre a gente receber muito entretenimento instantâneo e constante, e a percepção de estar atrofiando a paciência e a profundidade de se relacionar mais longamente com as coisas. Sobre possibilidades e desapegos (existe uma relação entre essa letra e o verso final de “Desaparecido”, do segundo disco). É meio balada de piano com jazzão maluco.
Gravamos todos juntos na sala essa música, com o piano vazando na bateria, bateria vazando no baixo e tudo mais. Tocar a parte final mais solta e improvisada era massa e o lance era escolher o take depois porque eles eram sempre muito diferentes.
Curiosidade: o Filipe Nader gravou o solo de sax alto no fundo da escada do estúdio, com o microfone lá no alto. a ideia era ter esse som difuso maluco. Um solo que faz base pro arranjo do Tim de cordas/flautas que vão rolando por cima.
“Passado / Futuro”
Essa música tem muito a ver com o conceito todo do disco. Isso de ser de alguma forma sobre a nossa relação com chegar na fase adulta. O fim do que veio antes e o mistério de por onde a coisa continua. O refrão sintetiza esse lance dos opostos. Uma brincadeira com as palavras podendo dizer pouco e muito dependendo de como você bate o olho nelas: nunca mais o meu passado/para sempre o meu futuro/nada certo nada errado/tudo claro tudo escuro.
E os versos contam uma história alegórica dessa cidade com um muro no meio, uma imagem que faz lembrar tantas coisas atualmente (“o presidente quer viver dividido”). É um salto do menino pro futuro também.
Gravar essa música foi uma surpresa. Ela veio violão e voz do Tim, o Biel adicionou umas percussões em cima e depois o Gui meteu o baixo. Ela era quase acústica, mas de repente deu uma virada no meio do processo. A bateria veio como um overdub porrada para empurrar o arranjo de nove sopros que a música tem. Uma doidera!
Curiosidade: “ou quando estamos todos dormindo” faz referencia à música do nosso segundo disco. E “mergulhou na surpresa” é uma homenagem de filho para música do Mauricio Pereira, “Mergulhar Na Surpresa”, frase que o Tim bebê falou por engano na beira de uma represa.
“E no Final”
Essa música foi feita já pensando em encerrar o álbum. Pela primeira vez eu fui compondo um álbum mesmo, e não um conjunto de canções, encaixando as músicas que o álbum ia pedindo. Esse seria meio uma culminância dramática dos assuntos todos do álbum.
Muita gente leu nessa música um fim da banda e veio perguntar com muitas teorias de conspiração. A resposta é que é sem dúvida sobre um fim de temporada. Mas num sentido simbólico. O fim da banda que começamos adolescentes na escola e que percorremos uma fase e década dentro dela e se definindo por ela. O fim dessa fase.
O Terno segue, mas é legal imaginar esse disco como o ritual simbólico despindo e desmontando esse O Terno que existia de uma forma, foi se transformando e hoje é um outro Terno.
Na capa separamos a banda em três células, “o” (o indivíduo, o sujeito, o eu), “ter” (o que a gente carrega, nossa bagagem, o que a gente tem) e “no” (sobre o ‘onde’. onde estamos, onde estávamos, onde queremos ir agora). Uma música sobre o tempo, sobre a vida, sobre crescer.
Curiosidade: no que o Gui estoura o Mizão ali no fim e o Biel começa um solo maluco, a orquestra passa por vários temas de músicas da banda, meio brincando com essas referências e assuntos todos.