O lendário Caetano Veloso sempre tem muito a dizer, e uma entrevista de três horas com o jornal inglês The Guardian nos permitiu finalmente ouvir melhor a sua perspectiva sobre toda a situação atual do Brasil.
Uma das primeiras citações do músico brasileiro de 77 anos de idade é justamente a declaração de que estamos vivendo um “verdadeiro pesadelo” em relação aos fanáticos da extrema-direita que, liderados pelo presidente Jair Bolsonaro, vem promovendo um retorno dos militares ao poder.
Caetano completa, sobre o tema:
Ter um governo militar é péssimo e o Bolsonaro é tão confuso, tão incompetente. Seu governo não fez nada. O que o Executivo brasileiro fez no período desde que ele assumiu a presidência? Nada. […] Não há nenhum governo — apenas um monte de insanidades.
Ele ainda reforça que o que temos visto é “mais sobre destruição” do que sobre renovar propostas e resolver problemas, algo que ele relembra que fez parte da campanha do atual presidente: oferecer soluções simples para problemas complexos.
O músico afirma:
Tudo que tem sido feito na Amazônia é para encorajar a desflorestação; tudo que tem sido feito na esfera cultural tem sido sobre desmantelar […] museus, grupos de teatro, criadores de música e filmes.
Caetano ainda aborda a questão do Coronavírus por aqui, onde já temos quase 90 mil mortos pela doença em meio a constantes tentativas de Bolsonaro de minimizar a crise e oferecer soluções milagrosas, como seria a hidroxicloroquina, dizendo que a posição do presidente é “bestial”.
Ele ainda revela que só saiu de casa uma vez desde a pandemia, por conta do nascimento de seu neto Benjamin, e tem passado a quarentena bem graças à companhia de sua mulher e filho e dos livros do italiano Domenico Losurdo, além de filmes clássicos de Glauber Rocha, Alfred Hitchcock e Michelangelo Antonioni.
Entrevista de Caetano Veloso para o The Guardian
No papo, Caetano Veloso também relembra o exílio em Londres e alguns episódios com Gilberto Gil, como por exemplo a comemoração da vitória na Copa do Mundo de 1970 que viu a dupla estender bandeiras do Brasil por sua casa e gerar confusão pelo símbolo ser associado à ditadura.
Explicando a situação e fazendo um paralelo com os dias atuais, ele conta:
Eu diria: ‘Não, a ditadura não é o Brasil!’. Mas é claro que nós sabíamos que a ditadura era um sintoma do Brasil, uma expressão do Brasil — e isso era o que o Brasil estava sendo naquele momento, assim como está sendo um monte de coisas hoje que para nós não são fáceis de engolir.
Você não pode dizer que o Bolsonaro não é o Brasil. Ele é muito como vários brasileiros que eu conheço. Ele é muito similar ao brasileiro médio — na verdade, a habilidade dele e de sua turma de ficar no poder depende em ressaltar essa identificação com o brasileiro ‘normal’.
Há algo bastante ridículo sobre isso — mas você sabe que as experiências europeias do Século 20, na Itália e na Alemanha, nos ensinam que muitas das coisas que parecem ridículas — e de fato são — também podem ter resultados trágicos que duram por muito tempo, para muitas pessoas.