Quem viveu as festas do início dos anos 2010 certamente já se viu dançando embalado por alguma música do Two Door Cinema Club, trio da Irlanda do Norte que teve um sucesso estarrecedor com seu álbum de estreia, Tourist History.
A obra está completando 10 anos de idade e, para celebrar a ocasião, os músicos resolveram lançar um EP intitulado Lost Songs (Found) que compila uma série de lados B, raridades e até canções anteriormente perdidas que fizeram parte dessa fase da banda.
A faixa mais marcante do novo lançamento é “Tiptoes”, que tem uma história curiosa: ela deveria estar em Tourist History, mas a versão finalizada foi perdida e a demo não foi considerada boa o suficiente para entrar no disco.
Para ajudar a entender essa história e também relembrar esse álbum tão influente no Indie Rock e tão marcante para muitos de nós, batemos um papo exclusivo com Kevin Baird, baixista e responsável pelos sintetizadores do grupo. Confira a seguir!
Entrevista com Kevin Baird (Two Door Cinema Club)
TMDQA!: Oi, Kevin! Como estão as coisas por aí? É um prazer estar conversando com você e eu já queria começar te dizendo que sou um grande fã do Two Door. No entanto, tenho certeza que vocês sabem que aqui no Brasil em geral vocês são muito queridos! Estão com saudades de vir pra cá?
Kevin Baird: Olá! Tudo certo por aqui e obrigado! [risos] Olha… a gente não deveria ter preferidos, mas o Brasil é um dos nossos preferidos sim. [risos] E, bom… É tipo quando você conhece alguém pela primeira vez e você toma alguns drinks e vocês têm uma noite louca e selvagem juntos, sabe? E aí não importa muito quanto vocês se falaram ou se conectaram ou falaram sobre cultura, enfim, mas você sente que serão amigos para a vida toda. E o Brasil foi meio que assim pra gente, desde o primeiro momento que chegamos aí e toda vez desde então, a gente sempre se diverte pra caramba! Amamos a atmosfera, amamos as pessoas, os shows, e eu acho que vocês têm um lugar tão querido nos nossos corações. Eu realmente espero que a gente possa voltar logo — aliás, queria que a gente pudesse ir mais vezes — então, sim, amo o Brasil e estou com saudades!
TMDQA!: A gente também queria receber vocês mais vezes! Bom, estou abrindo a entrevista perguntando sobre isso porque o novo EP, Lost Songs: Found, vem das sessões do Tourist History. E esse disco eu posso dizer com firmeza que foi trilha sonora de muitas festas Indie/Alternativas da última década e muita gente tem memórias sensacionais dessas faixas. Como são as suas? Como foi revisitar tudo isso para preparar esse material?
Kevin: Eu acho que, inicialmente, quando começamos a pensar sobre isso… nos deixou um pouco nervosos porque foi como olhar um pouco pra baixo do tapete e dar uma espiada no que estava ali. Eu acho que porque essas músicas, que acabaram no EP, eram meio que as músicas que 10, 12, 15 anos atrás nós falamos pra nós mesmos que elas não eram boas o suficiente para entrar no álbum, sabe? Claro, tem a demo original de “Something Good Can Work” ali, mas fora isso todas foram assim, nós pensamos que elas não eram boas o suficiente. E recentemente, quando começamos a pensar nisso, nós ficamos um pouco cautelosos, sabe? “Será que vamos passar vergonha com essas músicas?”. [risos]
E pra ser sincero nós não ficamos! Foi meio tipo, “Olha só! Até que isso é legal. Talvez a gente fosse bem bom naquela época”. [risos] Mas foi legal, eu acho, foi uma onda legal de nostalgia bem no começo do lockdown e nos levou a um tempo mais simples onde não tínhamos celulares com câmeras e coisas do tipo, e podíamos ir a shows… Foi uma boa lembrança de como as coisas eram 15 anos atrás.
Lost Songs (Found)
TMDQA!: Eu imagino! Eu queria falar um pouco sobre “Tiptoes”, que é praticamente a canção principal desse projeto já que deveria estar no álbum original mas teve toda a situação dela ter sido perdida. Por que vocês não regravaram na época e você lembra o que era diferente na versão final?
Kevin: Eu honestamente não lembro, e eu olhei em todos os meus HDs, todos os meus computadores, tentando encontrar essa versão. [risos] Mas assim, não sei o que rolou pra ela se perder, o que sei é que nós nunca terminamos porque a gente… Bom, basicamente tínhamos esse álbum pra gravar, que acabou sendo o Tourist History, e tínhamos toda intenção de que “Tiptoes” estivesse nele. E francamente nós chegamos no estúdio e nós tínhamos praticamente nenhum dinheiro! [risos] A gente realmente estava no limite, fazendo o máximo que podíamos, e basicamente gravamos e mixamos o disco inteiro em duas semanas. Então começamos a trabalhar em cada faixa e meio que fomos com as que já estavam finalizadas, porque a gente já tinha escrito tudo — inclusive “Tiptoes” — mas quando a gente foi gravar, sentimos que algumas, incluindo ela, precisavam de algumas mudanças. E pra ser sincero, a gente só não tinha o tempo pra isso!
Nas outras músicas, como “Undercover Martyn” ou “What You Know”, a gente já sabia o que queria fazer e só gravamos tudo melhor. Por outro lado, “Tiptoes” precisava de mais algum trabalho e infelizmente a gente nunca teve tempo de voltar e terminar. Mas, e infelizmente eu não lembro o que era diferente, a gente chegou a ter uma versão relativamente finalizada dela e provavelmente pensamos algo tipo “não é muito melhor do que a demo” e deixamos por isso mesmo.
TMDQA!: Gente como a gente, né? [risos] E, bom, essas músicas todas estão no catálogo de vocês há muito tempo e algumas como “Not in This Town” são realmente sensacionais. Eu realmente viciei nessa. [risos]
Kevin: [risos] Obrigado!
TMDQA!: Enfim, mesmo com tudo isso, vocês praticamente nunca tocam essas músicas ao vivo — pelo que chequei, há apenas um registro de 2008 de vocês terem tocado “Not in This Town”, por exemplo. Isso pode mudar agora?
Kevin: Eu diria que a gente já tocou todas elas ao vivo, mas só na Irlanda e provavelmente pra ninguém. [risos] Então só aquela meia dúzia de gente que estava nesses shows as viu. Mas, bom, não sei… Acho que essas músicas e esse EP são meio que uma cápsula do tempo, sabe? Acho que nós nos sentimos confortáveis olhando pra ele de uma certa distância. [risos] Não sei se queremos trazê-las para os shows, porque seria muito difícil não querer mudá-las e melhorá-las. São demos, sabe. Elas nem têm bateria, porque na época nós não tínhamos baterista, a gente programava as coisas. Então a gente teria essa urgência no sentido de mudá-las, fazê-las funcionar no meio das novas músicas mais bem produzidas e acho que isso meio que estraga um pouco a magia de tudo isso. Acho que preferimos deixá-lo como uma cápsula do tempo mesmo!
10 anos de Tourist History
TMDQA!: Faz sentido. O EP, aliás, é uma forma de celebrar os 10 anos desse disco tão importante pra vocês e pro Indie como um todo, né. Vocês tinham alguns outros planos pra essa comemoração que foram impedidos pela pandemia, como tocá-lo na íntegra em uma turnê, e ainda pretendem fazer algo com isso quando for viável?
Kevin: Vamos ter que esperar os 20 anos então, né. [risos]
TMDQA!: [risos] Nem brinca!
Kevin: Olha, a gente não realmente queria fazer muito barulho sobre o aniversário de 10 anos. Sabe, a gente ama esse disco e temos muito orgulho dele, do fato de que ele nos fez iniciar a nossa jornada e pra tanta gente ele ainda é o álbum preferido, o álbum que as pessoas lembram quando se fala no Two Door Cinema Club. A gente não sente nenhuma vergonha disso, na verdade temos muito orgulho. Ao mesmo tempo, a gente ainda sente que queremos ser atuais e seguir em frente e lançar novas músicas; sentimos que a gente ainda não está no fim das nossas carreiras pra ficar olhando pra trás, sabe? Talvez daqui uns 10 anos, ou 5 anos, ou talvez a gente se arrependa de não ter feito nada daqui 10 anos. [risos]
Eu só sinto que, sabe, ainda há tanto a vir no futuro de nós e sentimos que ainda não era a hora de meio que sentar e nos dar um tapinha nas costas. [risos] Nós não sentimos que chegamos nesse ponto ainda.
TMDQA!: Eu queria te perguntar também justamente sobre essa questão do Two Door ser instantaneamente associado ao Tourist History. E claro, em questão de números, é disparado o seu maior trabalho; mas em questão de qualidade, tem muita coisa boa depois dele e eu mesmo diria que prefiro o Beacon do que ele. Vocês já se sentiram frustrados por esses álbuns, mesmo sendo pelo menos tão bons quanto o Tourist, não terem tido a mesma atenção?
Kevin: Bom, certamente em alguns momentos a gente se frustra um pouco por ter colocado tanto tempo e atenção nesses trabalhos e eles não terem recebido os mesmos minutos de fama. Ao mesmo tempo, a gente é muito ciente da condição humana de que somos obcecados por coisas novas! Um álbum de estreia é algo que a gente nunca vai repetir, essa descoberta de uma nova banda pelas pessoas… É da natureza humana. Eu não necessariamente acredito que as músicas dos outros álbuns não são tão boas quanto as do primeiro, eu só acho que muito é realmente da natureza humana.
Talvez elas não sejam tão boas também, sei lá. [risos] Mas não cabe a nós julgar, todo mundo é diferente e prefere coisas diferentes, então ficamos felizes de estarmos seguindo em frente e apreciamos que muitas dessas pessoas ainda estão conosco e ouvem as novas músicas por causa dessas músicas antigas, e ao mesmo tempo nós queremos dar às pessoas o que elas querem — em especial em relação aos shows — e portanto a gente pensa muito nisso pra ter certeza de que as pessoas saiam das nossas apresentações e elas se sintam satisfeitas independente de qual seja o álbum ou música preferida delas. Enfim, não nos incomoda não. [risos]
TMDQA!: Ainda sobre o Tourist History, queria comentar com você que nós recentemente fizemos uma lista com riffs marcantes de cada década no site e “What You Know” esteve na seleção de 2010!
Kevin: Ah, que legal!
TMDQA!: Sim, foi uma daquelas escolhas fáceis. [risos] E, bom, todo o instrumental de vocês foi muito influente na música e inclusive pessoalmente — no meu caso, as suas linhas principalmente, já que também toco baixo.
Kevin: Obrigado por falar isso! Ninguém nunca aprende as linhas de baixo, eu fico feliz de saber que tem alguém por aí que se deu ao trabalho. [risos]
TMDQA!: [risos] Sem dúvida! Foi uma influência enorme, “Sun” e tantas outras também! Enfim, tudo isso pra dizer que essa música, “What You Know”, é possivelmente uma das mais importantes da última década. Você lembra como foi a concepção dessa música, que acabou sendo o maior hit da banda?
Kevin: [risos] Ai meu Deus. Faz uns 11 anos. É difícil. [risos] Ela foi uma das últimas músicas que fizemos antes de gravar o Tourist History e deixar a Irlanda, provavelmente uma das últimas músicas que fizemos por lá. Eu não lembro muito do processo de composição dela, mas eu lembro… Lembro que temos que dar o crédito ao Alex [Trimble, vocalista e guitarrista], porque eu e o Sam [Halliday, guitarrista] e uma boa parte da nossa equipe não achava na real que “What You Know” era o hit do álbum.
A gente pensava que era uma boa música, definitivamente ia entrar no disco, mas eu nem lembro se a gente teve a ideia dela ser um single inicialmente. E eu lembro do Alex dizendo “Não, ‘What You Know’ é A música”. E ele insistia tanto nisso que uma hora pensamos “tá bom”, a gente confiava nele e ele tinha muita certeza. Então pensamos, “Ok”, nós gostamos de todas as músicas e temos muito orgulho de todas.
Aí lançamos o primeiro single, que foi “Undercover Martyn” ou “Something Good Can Work”, algo assim… acho que foi “Something Good Can Work” primeiro, aí “Undercover Martyn” e por último “I Can Talk”. E enfim lançamos o álbum e, bom, não tínhamos Spotify ou qualquer outra forma de conseguir dados assim instantaneamente mas tantas pessoas vieram falar com a gente que “What You Know” era a preferida deles, e recebíamos muitos pedidos para tocá-la ao vivo… E aí pensamos, “Bom, parece que o Alex acertou”, e aí resolvemos torná-la um single.
Era tão fora dos planos que a gente nem tinha uma capa pra lançá-la como single e o clipe, cara, o álbum já estava lançado há um bom tempo antes de o fazermos. Então, bom, o que posso dizer é que todo o crédito vai pro Alex porque ele sabia que essa era a música.
TMDQA!: Tem coisa que realmente não tem como evitar, né? E o sucesso dessa música era uma dessas, eu acho. [risos] Minha última pergunta, já que nosso tempo está acabando, é sobre o futuro de vocês! Tivemos o False Alarm no ano passado, que é um belo álbum. O que vem por aí?
Kevin: Obrigado! A gente meio que está lidando com uma pandemia global no momento. [risos] Não sei se você ouviu falar.
TMDQA!: [risos] Um probleminha, né?
Kevin: [risos] Mas obviamente a gente tinha muitos planos em termos de novas músicas, novos shows, e aí o maldito Coronavírus apareceu e a gente meio que está se ajeitando cautelosamente e fazendo planos para o ano que vem. Não queremos realmente pensar em algo muito concreto agora porque ninguém sabe o que vai acontecer, mas no mínimo pensamos em fazer alguns shows e temos trabalhado em algumas músicas novas. Tem muita coisa pra vir por aí, podem ficar de olho!
TMDQA!: Beleza! Muito obrigado pelo seu tempo, Kevin, e até mais!
Kevin: Sem problemas! Um prazer falar com você! Até a próxima!