Há anos temos aqui no Brasil uma das grandes ferramentas de fomentação à cultura no formato da meia-entrada.
O ingresso mais barato destinado a estudantes e outros grupos que têm direito ao benefício por lei é um fator fundamental para viabilizar a ida com maior frequência ao cinema, mas a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e o Ministério da Economia estão pensando em extingui-lo.
Como conta a Fórum, a agência abriu uma consulta pública sobre a viabilidade e os efeitos dessa obrigatoriedade legal, propondo uma discussão que fica aberta para contribuições até o dia 13 de Agosto. O Ministério, no entanto, já se posicionou a favor de retirar o benefício de vez.
O motivo da decisão da Ancine é que as vendas de ingressos do tipo inteira têm caído ano após ano, e em 2019 o percentual ficou em apenas 21,6%. O problema, segundo o secretário de Defesa do Consumidor e diretor do Procon-SP, Fernando Capez, é que retirar o “direito consolidado do consumidor” não garantiria preços melhores no geral:
Isso é retirar um direito consolidado do consumidor. Não há nenhuma garantia de que isso vai resultar em ingressos mais baratos.
É possível traçar um paralelo entre essa situação e o que ocorreu anos atrás com as companhias aéreas, que passaram a cobrar valores separados para funções como despacho de bagagem e marcação de assento, mas os impactos não foram sentidos positivamente pelo consumidor.
O ex-secretário de Política Econômica e presidente do Insper, Marcos Lisboa, afirma que o maior problema da prática é a criação de “distorções”, ou seja, alguém tem que pagar a conta dos subsídios oferecidos pelo governo. Ele explica:
O Brasil tem há muitos anos essa prática de criar distorções, em que se oferece preço diferente a um certo grupo. Esse custo tem de ser coberto, e o preço cheio acaba ficando muito maior. Se todo mundo paga meia, a meia vira entrada cheia. Isso expulsa quem paga o preço cheio do mercado, e o preço tem de subir mais ainda. É um ciclo vicioso.
Meia-entrada no Brasil
No ano passado, como falamos acima, quase 80% dos ingressos de cinema tiveram preço de meia-entrada. No entanto, apenas 60% estiveram diretamente relacionados às leis sobre o tema; o restante pode ter vindo, por exemplo, de promoções realizadas por sites de compra coletiva.
Acontece que no meio de tudo isso ainda há uma fiscalização muito precária quanto aos que de fato têm direito ao benefício. É o que explica Iago Montalvão, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE):
A solução para qualquer problema que impacte nas receitas dos cinemas não deve ser atacar um direito conquistado e histórico da classe estudantil, mas justamente o de criar formas de garantir a verificação da validade das carteiras conforme padrão certificado pelo ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação). Infelizmente, na maioria das salas de cinema do Brasil, essa verificação ainda não é feita.
Até o momento, a discussão parece ter ficado apenas no ramo do cinema — ou seja, não há qualquer informação de que a extinção do benefício também possa ocorrer em eventos como shows e festivais.
Vale usar como exemplo o festival Lollapalooza Brasil, que atrai em sua grande maioria o público jovem e tem o ingresso de três dias da edição 2020 custando (neste momento) R$1.050 no formato de meia-entrada, direcionada a estudantes, jovens de baixa renda, idosos, PCD e demais beneficiários.
Se por acaso essa medida fosse adotada para a indústria musical também, certamente seria necessário repensar muita coisa.