Entrevistas

"Empoderar as pessoas": Gavin Rossdale (Bush) fala ao TMDQA! sobre novo álbum, Brasil, legado e mais

Ícone do Rock dos Anos 90, Gavin Rossdale fala exclusivamente ao TMDQA! sobre o novo álbum do Bush, "The Kingdom", e o legado e planos da banda. Leia!

Bush
Divulgação

Gavin Rossdale é um ícone dos Anos 90 e não tem grandes problemas com esse rótulo, mas o Bush mostrou em 2020 que ainda está muito vivo e pronto para fazer novas e poderosas músicas com o ótimo The Kingdom, que chegou no último dia 17 de Julho.

Liderado pelo single “Flowers On a Grave”, o disco é o oitavo de estúdio e mostra Gavin e seus companheiros de banda em uma de suas melhores formas — se não a melhor — desde o seminal Sixteen Stone (1994) e seus inesquecíveis hits como “Machinehead” e “Glycerine”.

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Os elementos que marcaram a carreira do Bush estão todos em The Kingdom: riffs excelentes carregados pela voz de Rossdale e canções como “Bullet Holes” (presente na trilha sonora de John Wick 3 – Parabellum), que poderiam ter saído diretamente dos discos mais icônicos da banda.

Com exclusividade, conversamos com Gavin Rossdale sobre o processo de concepção e lançamento desse baita álbum, além de diversos outros assuntos como o carinho pelo Brasil, a vida na quarentena e o status de “clássico” que o grupo ganhou nos últimos anos. Confira a seguir!

Entrevista com Gavin Rossdale (Bush)

TMDQA!: Oi, Gavin! Espero que esteja tudo bem por aí. Queria começar te parabenizando pelo novo disco, que está realmente sensacional e mostra que o Bush chegou com tudo em 2020. “Quicksand”, especialmente, virou minha preferida!

Gavin Rossdale: Um prazer estar falando com você e obrigado!

TMDQA!: Eu fiquei surpreso com o The Kingdom porque tem tanto tempo que você faz isso, e é incrível o quanto parece que você nunca fica sem combustível. Como você faz para manter essa paixão acesa?

Gavin: Desespero. [risos] Eu amo essa vida, tanto, e eu tenho tantas reclamações que a combinação de reclamar em cima de um palco e tentar empoderar as pessoas e a mim mesmo… Eu diria que nem consigo entender. Quando fizemos o primeiro disco, não havia um horizonte. Agora, obviamente eu vejo horizontes na minha vida, e eu acho que a vida é tão boa e deve ser vivida de forma plena e quando eu era mais novo eu sofri muito mais com a depressão, a tristeza e a alienação, essas coisas que todo mundo passa.

E me parece hoje em dia um desperdício de tempo tão grande me sentir tão mal assim. Eu acho que as pessoas são emotivas, quer elas mostrem ou não, e todos temos problemas, quer mostremos ou não. E eu só aprendi conforme ganhei mais experiência na vida sobre o que funciona que você só deve ficar depressivo se você realmente precisar ficar depressivo. Para algumas pessoas é uma condição médica, mas para muito de nós é uma decisão, e para mim era uma questão de mudança de perspectiva e eu só acho que o único arrependimento que você deve ter é o de não fazer o que você planejava fazer no futuro. Todo mundo deveria só viver, porque é uma coisa tão bonita se deixar ir e viver a vida.

E esse disco é sobre isso! Empoderar as pessoas, se levantar contra os desafios que recebemos, e todos nós ficamos tão comprometidos pela vida. Somos como ratos em rodas de exercícios, escravos dos nossos trabalhos, das melhores versões de nós mesmos, não temos tempo pra nada… Tudo está em todo lugar e estamos sempre correndo, correndo, correndo, e alguém te decepciona mesmo assim. E eu gosto dessa ideia de que a nossa hora vai chegar [“Our Time Will Come”] e o disco todo é uma sequência nessa ideia, terminando com “Falling Away” que aborda essa questão de nos perdermos.

“Quicksand” [“Areia Movediça”], que você falou, nós estamos bem no meio de tudo — a vida tentando nos puxar pra baixo enquanto queremos ir pra frente! Aquela sensação de estarmos dando cinco passos pra trás e um pra frente. E é tão bom só ser honesto e dizer essas coisas porque é a forma das pessoas se relacionarem conosco; você pega “Blood River”, por exemplo, onde eu canto que temos “mil machucados” e que “você não está sozinho se está comigo”. São coisas poderosas.

Enfim, resposta enorme! Eu não consigo me conter! [risos] Em resumo, é isso, sabe? Eu tenho esse fogo em tudo que eu faço, toda conversa que eu tenho é assim. As pessoas são importantes pra mim, o trabalho é importante pra mim, minha banda é importante pra mim. Eu amo viajar, conhecer pessoas, eu prefiro muito mais fazer grandes turnês, turnês internacionais, tipo ir pra América do Sul, do que viajar pelos EUA de novo. Eu só amo essa vida! Quando fizemos aquela última turnê pela América do Sul, com o Stone Temple Pilots, foi uma maneira incrível de voltar. Onde você está, exatamente?

TMDQA!: Eu estou em Brasília! Não consegui ir nesses shows, infelizmente, mas queria muito.

Gavin: Ah, não! Cara, eu queria muito tocar no Rock in Rio, eu imploro pra todo mundo a minha vida toda! [risos] Enfim, espero que a gente volte logo e que passemos por mais cidades porque, sério… O Brasil, uau!

TMDQA!: Eu ia te perguntar sobre essa turnê, inclusive! Eu não pude ir mas vários amigos elogiaram muito as apresentações e me deixaram muito ansioso pra ir assim que possível. Vocês têm planos de trazer os shows do The Kingdom pra cá?

Gavin: Sim! A gente estava conversando sobre a possibilidade de fazer o Lollapalooza, tivemos uma reunião com uma galera do Lollapalooza do Chile, e nós pensamos tipo “Isso é perfeito! Todo mundo vai lembrar da gente, vamos manter essa pegada boa”, mas aí nos falaram “Ah, vocês estiveram na América do Sul ano passado? Tem que esperar um ano então”. E ficamos muito chateados. Então, eu espero que a gente volte logo pra poder tocar no Brasil que eu amo, e comer uma feijoada nas ruas do Rio, é incrível e tão exótico! Eu amo o Brasil.

Movimentos sociais

TMDQA!: Bom, quero falar um pouco mais sobre o The Kingdom, obviamente. Eu achei quase engraçado o quanto o álbum é relevante no meio de tudo que tem acontecido no mundo, ainda que tenha sido escrito antes em mente. Essas conversas estavam na sua cabeça há algum tempo, né?

Gavin: É bizarro, não é? Olha, por um certo tempo, tivemos uma grande discussão sobre ser ou não a melhor hora para lançar o disco. Ironicamente, é a hora mais perfeita! Obviamente a gente não pode fazer shows, mas é a hora mais perfeita para lançar essas músicas e essas palavras e, pra falar a verdade, e eu peço desculpa por isso, mas é como as coisas funcionam, a gente não lança um disco e vai direto pro Brasil. A gente lança o disco e tem todo um ciclo antes de ir pra América do Sul. Não sei porque isso acontece, não fui eu que inventei, mas é o que eles nos dizem.

Então, não faz diferença para os fãs do Brasil que nós não estamos tocando em Ohio hoje, sabe? [risos] Por que diabos vocês ligariam? Vocês não vão nos ver em Birmingham, no Alabama, sabe? Aquela coisa de “Oh não, estamos perdendo o disco”. [risos] Bobagem. O disco é o disco e essas coisas…

O último single do último álbum, “This Is War”, foi escrito sobre a situação de Charlottesville que envolveu aquele protesto dos supremacistas brancos e tudo mais. Eu escrevi “Isso é guerra / Esta é uma fruta estranha / Este é o fim de mim / Este é o fim de você”, a revolução será televisionada. Algo assim. E é uma letra super Gil Scott-Heron, sabe? A gente precisa começar um diálogo. Então tem letras inspiradas na Nina Simone, no Gil Scott-Heron, e ninguém fala disso porque ninguém estava falando dessas coisas.

E aí vemos as pessoas ainda falando sobre ser morto na rua. Teve um rapaz chamado Eric Garner [em 2014], que foi morto tentando vender cigarro ou algo do tipo e eles só pularam em cima dele e o enforcaram! Obviamente teve o Rodney King em 1992 e isso nos leva até o George Floyd agora, assassinado durante quase 9 minutos. E precisou disso para todo mundo acordar!

E olha, as pessoas falam como se 2020 fosse o pior ano de todos e tem esses ótimos memes sobre 2020 acabar, ir embora, mas há muita mudança por vir. Muita mudança boa, que irá marcá-lo como um ano importante e muito especial, que nos fará ter orgulho de dizer às nossas crianças que nós nos levantamos e dissemos que tivemos o suficiente.

Há mudanças estruturais acontecendo! Essa questão do “defund the police” [que pede menos verbas para a polícia] é algo extraordinário! Extraordinário! Eu não sou uma dessas pessoas que é tão extrema que joga fora a sociedade, que quer ser um anarquista. Você precisa trabalhar dentro da sociedade para implementar mudanças. O movimento de direitos civis é um movimento pacífico que tenta emplacar mudanças através de discussões significativas, legislações, mudanças de leis.

E olhando agora, a polícia era superutilizada. Era pedido deles que eles fizessem coisas erradas, eles precisam ser trabalhadores sociais! É um conceito incrível mexer nas coisas e tem que haver alguma mudança acontecendo. Infelizmente, sempre teremos pessoas terríveis — há pessoas terríveis em todo lugar, você nunca se livra delas. Mas certamente, o resto de nós — e não somos inocentes, apenas tentamos fazer o nosso melhor — estamos construindo um mundo melhor e é isso que queremos. Tudo que eu quero fazer é ficar de boa com todo mundo e fazer o meu trabalho e ter uma banda e ficar com os meus filhos e vê-los serem pessoas felizes. Contribuir para o mundo, fazê-lo um lugar melhor, é bem simples. A vida é bem simples! Todo mundo deveria contribuir para a sociedade! Seja legal com as pessoas, seja educado com as pessoas, independente do seu trabalho, você tenta fazê-lo da melhor forma. É tão simples! As pessoas tentam complicar tudo, mas não é complicado! É tipo: “Seja legal! Se curta! Beba uma cerveja depois de terminar o seu trabalho! Brinde o aniversário dos seus amigos! Beije quem você ama! Seja bom para os seus filhos! Não bata no seu vizinho!”. Não é tão difícil assim simplificar a vida. Ou talvez eu seja simples demais.

The Kingdom e legado do Bush

TMDQA!: É o segredo da vida, né? Agora eu queria voltar um pouquinho no tempo. É meio inevitável que tudo que você ou o Bush façam vai ser comparado com o Sixteen Stone, mesmo tanto tempo depois do álbum ser lançado. Isso te incomoda ou já te incomodou?

Gavin: Primeiramente, eu queria dizer que é um luxo enorme. Sério, só de ter um contrato com uma gravadora foi como se eu tivesse morrido e ido para o céu do sucesso — crescendo em Londres, é uma coisa tipo “Quem é aquele cara?”, “Ele tem um contrato!”, “Meu Deus, ele tem um contrato? Caramba, como ele conseguiu um contrato?”, sabe? Só o fato de ter assinado, e aí fazer aquele disco estando no anonimato… Aquilo não eram as músicas das nossas vidas! Eu estava na banda há um ano, um ano e meio quando fizemos aquele disco.

Então acaba sendo meio que como o The Kingdom: é uma seleção de músicas que foram escritas durante um punhado de anos, então eu só fico um pouco confuso quando as pessoas viram pra mim e falam “Ah, o Bush é uma banda dos anos 90” e eu só penso “Ótimo, prazer em te conhecer, estamos em 2018, 2019!”, sabe? [risos] “Ah, sim, eu amo os anos 90…”, e eu tipo “Feliz Ano Novo, estamos em 2020”. Sabe? O U2 você não vira e fala “Ah, os anos 80!”, é o U2! Deixa disso! Bruce Springsteen! “Ah, os anos 70…”. “Ninguém teve uma década de 70 como o Springsteen!”, e é uma coisa meio “Ai, tá bom”. É tipo quando a sua mãe está te arrumando pra ir pra escola e fala “Você vai usar isso hoje”, e você fala tipo, “Beleza…”. E você usa, porque você tem uma casa, comida, e ela é sua mãe.

Enfim, eu não me incomodo, mas eu acho que o que eu amo sobre o The Kingdom e as suas intenções — e a de todos os discos, independente de conseguirmos ou não — é ser um disco que faz sentido por si só. Especialmente esse. Você não precisa conhecer o Bush, não precisa saber nada sobre mim. Só aperte o play e deixe as doze músicas tocarem e de repente você vai estar tipo “Uau, ok, talvez o Rock não seja uma merda”. [risos] Não é tão homogêneo!

Tem um monte de bandas que estão no rádio aqui nos EUA que, pra mim, fica difícil diferenciar. Elas soam constantemente as mesmas, e isso é uma pena. Então quando aparece o Deftones, o TOOL… Eu fico “Uau!”, porque essas bandas tem cantores com vozes específicas, o Soundgarden era assim também, o Foo Fighters, o Queens of the Stone Age. O Rock precisa de vocalistas que tenham vozes de destaque, que soem diferentes entre si.

Então às vezes eu fico um pouco perdido quando as bandas são muito influenciadas por esse certo tipo de Rock americano, sabe? Eu às vezes não consigo diferenciá-las e acho que isso é uma pena, porque a coisa mais bonita de bandas é que ainda que haja uma competição pelas paradas e tudo mais, se você fizer um bom disco, sempre há espaço pra você. Ainda mais se você fizer mais de um bom disco!

Eu sempre fiquei nessa de “Que competição é essa?”, porque eu quero fazer um bom disco, mas eu também amo o Smashing Pumpkins e quero que eles façam um bom disco! Se eles fizerem, eu vou pensar “Legal, vamos a uns shows juntos e detonar geral porque ambos temos bons discos!”. Isso é uma forma tão mais saudável de viver!

Mas aí obviamente quando você está no palco você quer ser melhor do que eles! [risos] Você quer deixar todo mundo impressionado, e beleza, isso é natural. Mas eu acho que é sobre ser uma grande comunidade, e eu amo ser amigo de tantas bandas e sair em turnês com eles. É uma baita oportunidade de dar uns rolês, ver suas bandas preferidas! Eu costumava ver o Stone Temple Pilots em turnê toda hora na nossa turnê conjunta, a gente dividia umas cervejas, e a gente rotacionava os horários para ver quem tocaria por último.

Aliás, eu sempre preferi o horário do meio. Porque aí eu posso subir no palco e fazer um belo show, no escuro, e sair de lá e ver os meus amigos tocarem. É maravilhoso! Eu amo isso, apesar de que todo mundo prefere o último horário. Tanto faz. Desde que seja no escuro, vai ser bom.

TMDQA!: Tenho que concordar com você sobre o Deftones, inclusive tenho uma tatuagem do White Pony.

Gavin: Irado! Eu diria que o Deftones é minha banda preferida, provavelmente.

TMDQA!: Aí sim! Bom, nosso tempo está quase acabando e portanto queria ir para uma última pergunta. Você falou dessa turnê com o Stone Temple Pilots e deve ser muito legal ver como essa cena cresceu, se estabeleceu e continua relevante mesmo depois de tanto tempo. De repente, daria até pra dizer que vocês já são bandas “clássicas”, afinal já houve uma mudança de geração e vocês ainda estão firmes e fortes. Tem muitos filhos e filhas indo nos shows e falando “Ah, meus pais ouviam a banda” e coisas assim. [risos] Como você enxerga tudo isso, essas experiências e esse status de clássico?

Gavin: [risos] Cara, eu te entendo. Eu acho que quando você está por aí há tempo suficiente, você é chamado de tudo. [risos] É impossível! Já foi banda dos Anos 90, ou ícones do Grunge, ou qualquer coisa assim. O Grunge teve uma janela de vida muito pequena e quando o Kurt [Cobain, do Nirvana] morreu já ficou aquele estigma do “Ih, acho que o Grunge já era”, a moda passou, meio que perdeu o sentido. Então, sei lá.

Olha, outra perspectiva é: enquanto você for tocar e fazer discos, independente de quem você seja — uma banda clássica ou estabelecida ou o que for — vai ser uma coisa bela e as pessoas te descrevem de diversas formas.

TMDQA!: Faz sentido! Bom, Gavin, muito obrigado pelo seu tempo! Foi um prazer falar com você, espero que você volte logo pro Brasil e traga a turnê desse belo disco que é o The Kingdom!

Gavin: Espero muito que isso aconteça logo! E olha, nos procure e vou te dar uns ingressos de presente, você não pode perder esse show. Até mais!

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