Ave Sangria lança primeiro clipe da carreira e fala com o TMDQA! sobre passado, presente e futuro

Em entrevista ao Tenho Mais Discos Que Amigos!, a lendária banda brasileira Ave Sangria fala sobre seu primeiro clipe, o vídeo para "Vendavais".

Ave Sangria no clipe de Vendavais

Por Bruce Rodrigues

A Ave Sangria, um dos principais expoentes da cena musical psicodélica pernambucana, teve sua carreira encurtada nos anos 70 quando a ditadura a silenciou, retirando seu álbum de estreia de circulação um mês após seu lançamento. O balde de água fria acabou resultando no fim do grupo… que ficou em hiato por mais de quatro décadas.

O que a Ave Sangria não contava era que a popularização de uma tal de Internet faria com que seu som continuasse ecoando em fóruns online. O disco, que não havia sido lançado em CD, foi pirateado e passou a ser cultuado pelos jovens, que se tornaria o atual público da banda. O terreno estava pronto para um novo voo.

Em 2019, 45 anos depois de sua estreia, a Ave Sangria anuncia retorno, trazendo junto seu segundo álbum de inéditas, Vendavais. Pouco mais de um ano desde a novidade, para celebrar a receptividade e importância dos fãs, a banda preparou uma grande surpresa e lança hoje, dia 07 de agosto, o primeiro videoclipe de sua carreira.

A música escolhida para a produção foi a faixa-título do trabalho e a direção ficou a cargo de Pablo Polo, cineasta e filho do vocalista da banda, Marco Polo. Você assiste ao clipe de “Vendavais” logo abaixo:

Ave Sangria e seu Primeiro Videoclipe

Para saber um pouco mais sobre a produção, e também sobre a história da Ave Sangria, conversamos com Pablo, Marco e com o guitarrista Almir de Oliveira. Segundo Marco, a escolha da música “Vendavais” para o clipe se deu pela sua letra, que fala, de forma explícita e abrangente, sobre temas que a banda questiona e se interessa levantar.

Pablo completa e explica que o lirismo da canção traz os vendavais como energia de mudança e de reação, e conta que a intenção do vídeo era representar a relação dos fãs com a banda através dos performers, que interagem com os músicos e os tiram da inércia, enquanto vão se libertando das suas batalhas individuais:

Eu tentei estabelecer uma certa narrativa, para que não fosse só um clipe figurativo ou alegórico. Eu não queria usar a banda tocando instrumentos, eu queria agregar. O que fez a banda não deixar de existir foi exatamente a relação muito forte com os fãs. [No clipe] são eles que dão movimento pra banda, pra que todo mundo, numa grande comunhão parta para um movimento de celebração e libertação de possibilidade. Eu fui na essência da música, nunca pensei em ser literal, até porque eu conheço a poesia do meu pai, que é visual e narrativa, e eu nunca optaria por um caminho óbvio.

Como bem reforça Marco, “o clipe é uma tradução visual da letra, e foi capaz de dinamizar e ampliar o seu significado”. A elaboração da produção durou em torno de dois meses, ainda em 2019, e as gravações rolaram em um casarão do Coletivo de Teatro Magiluth, em fevereiro de 2020, antes do isolamento… em maio, tudo já estava pronto, aguardando os preparativos para sua estreia.

Pablo afirma que estabelecer parcerias foi essencial para realizar o projeto apenas com custo de produção. Para isso, reuniram uma equipe de profissionais e amigos, que são fãs da banda e estavam a fim de realizar um projeto autoral:

Eu queria fazer algo que me conectasse com a banda e contasse uma história. Essa participação dos jovens foi essencial. A gente trouxe a expressão de cada performer. Criamos um grupo, discutimos quais objetos poderíamos ser usados para trazer essa ideia de opressão e libertação, e cada movimentação veio do próprio artista, não houve coreografia. A gente queria que fosse os corpos e as presenças de cada um, e a gente dançou junto.

A banda nunca havia estado em um set de filmagens, e, sobre o clima das gravações e a experiência para aqueles que debutaram em frente às câmeras, a resposta foi unânime: “Foi muito bom”, como explica Marco:

Foi bom porque a gente tava muito à vontade, e o pessoal que contracenou com a gente eram jovens, mas muito experientes em suas áreas… pessoas as quais a gente já conhecia e tinha amizade. Então houve uma integração muito grande e também uma alegria ainda maior em fazer aquilo. Fui um dia de trabalho que passou como se fosse um segundo.

Almir, que aparece dançando no vídeo, concorda e conta que foi seu melhor momento para as gravações:

Com a volta da Ave Sangria, eu comecei a me expressar mais no palco, dançar, fazer caretas… Passei a transmitir mais o que eu sinto através do meu corpo. Uma coisa que talvez tenha sido tirada de mim naquela época. Antes eu me sentia muito introvertido.

O diretor assina embaixo, e afirma que as gravações foram uma verdadeira celebração:

Foi uma delícia o set. Tava todo mundo da equipe entrosado. A grande maioria gosta e conhece o trabalho da banda. A banda foi super acessível, se divertiu. Eles sabiam pouco o que iam fazer, mas houve muita entrega. Estavam muito disponíveis. A energia que você sente no clipe, estava no set. Apesar das cenas serem um pouco agressivas, os performers estavam muito conscientes e a vontade. Ninguém sofreu nas gravações [risos]. Teve uma troca muito bacana.

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A Volta da Ave Sangria

Ave Sangria
Foto por Flora Negri

Logo no início de nossa conversa, Almir demonstra bastante gratidão e fala sobre a importância do novo público para o retorno da Ave Sangria:

Foram vocês [jovens] que trouxeram a gente de volta para os palcos. De lá pra cá, a gente não imaginou que isso pudesse acontecer, principalmente porque cada um dos músicos originais tinha seguido seu caminho. Mas foi a juventude que fez a gente voltar a tocar, não houve um produtor por trás disso. Entrei no Orkut e vi uma comunidade do Ave Sangria, alguém pirateou um disco e compartilhou isso. […] Não se deve tirar o que é do povo, pois um dia volta para o povo, e isso tá mais que demonstrado. A gente era jovem e os mais
velhos encarceraram a nossa obra musical, agora nós somos os mais velhos e os jovens nos libertaram do cárcere cultural.

Marco reforça a importância dos jovens no retorno da banda e conta que o embrião da volta da Ave Sangria começou ali. Ele e Almir se reuniram e passaram a se apresentar tocando músicas da banda:

Lembro que nos dois primeiros shows que fizemos, em 2008, 80% do público ainda era a galera das antigas, mas, a partir do terceiro, o público jovem foi invadindo e hoje é maioria absoluta. Eu acho que é porque a nossa música reflete um pouco a atitude da juventude em geral, que é uma atitude de questionamento, de crítica, de iconoclastia, de rebeldia, de inconformidade com as coisas ruim da vida, principalmente questões sociais e políticas, e econômicas. É isso que dá essa liga entre a música da Ave Sangria e a juventude. É uma identificação.

Todas as músicas do álbum “Vendavais” foram compostas entre 1969 e 1972, com exceção do instrumental “Em Órbita”, de Paulo Rafael, composta na época da gravação do disco. Segundo Almir, a banda buscou manter as composições tais como foram feitas naquela época, e Marco nos conta que o processo de seleção foi bastante sério e prazeroso, e durou quase dois meses:

Reunia eu, Paulo e Almir, com violão e gravador, fazendo a seleção de música, até chegar nessa unidade do disco. Quando a gente começou a pegar o material antigo, percebeu que ele ainda era atual, não imaginávamos que iríamos cair nesse abismo que caímos [risos], o que tornou o disco ainda mais atual, mais necessário, inclusive. Mas foi um processo muito gostoso, porque a gente percebeu que tinha uma material de boa qualidade, e a intenção era justamente isso, era o nosso segundo disco, pouco importa que tenha sido 45 anos depois ou 1 ano depois, a intenção era essa, dar continuidade ao trabalho, e acho que a gente conseguiu.

As gravações do primeiro disco da banda rolaram às pressas, com pouco tempo de estúdio, nenhuma experiência, e falta de tecnologia para captar a energia que a Ave Sangria tinha ao vivo. Sobre as gravações de “Vendavais”, Almir traça um paralelo e conta que tiveram liberdade e tempo para alcançarem a sonoridade que gostariam:

Gravamos no Rio de Janeiro, foi muito bom. Nos 70 a gente passou uns 6 meses ensaiando. Só que nós nunca tínhamos escutado o que a gente tocava, e quando a gente gravou foi a primeira vez que ouvimos nosso som. O que foi um problema, porque, no meio das gravações, por exemplo, a gente começava a fazer experimentos, tínhamos ideias massas, mas não dava tempo de trabalhar na ideia para incluir no disco. Dessa vez não, foi totalmente diferente.

O Futuro da Banda

Ave Sangria
Foto por Helder Tavares

De acordo com Marco Polo, “Vendavais” foi um ato de justiça ao passado roubado da banda, mas também uma celebração e continuidade. Atualmente, o músico tem aproveitado a quarentena para compor e o grupo tem planos para um terceiro álbum, que, inclusive, já está sendo elaborado e deverá se diferir dos dois primeiros, principalmente por incluir composições recentes.

Em tempo de pandemia, Almir relata que têm aproveitado para brincar com sua netinha, mas também está se dedicando fortemente as leituras e tem estudado sobre ritmos e gêneros musicais, o que também deve influenciar nas novas composições da Ave Sangria.

Mas os planejamentos não param por aí: Pablo Polo conta que também gostaria de trabalhar em novas produções audiovisuais com a banda. Ele já tem dois roteiros engatilhados e gostaria de fazer um clipe para o injustiçado primeiro álbum, de 1974. “Vamos ver se os artistas compram a ideias [risos]”.

Atualmente, Ave Sangria é composta pelos integrantes originais Marco Polo (vocal), Almir de Oliveira (guitarra base, violão e vocal) e Paulo Rafael (guitarra solo e viola), e conta ainda com Juliano Holanda (baixo e backing vocal), Gilu Amaral (percussão) e Júnior do Jarro (bateria e backing vocal).