Artista narra experiência de ser antifascista na cena Black Metal em texto honesto; leia

Draugr, de projetos como Galdr e Obscurum, fez um texto sincero sobre a relação do Black Metal com o fascismo e suas experiências na cena. Leia!

Draugr fala sobre cena Black Metal
Foto via Decibel

A cena Black Metal é, há algum tempo, ligada ao fascismo e a comportamentos da extrema direita como o conservadorismo e, em alguns casos, a supremacia branca.

Nos últimos dias, inclusive, falamos um pouco por aqui sobre isso em um especial relembrando o triste assassinato de Euronymous, do Mayhem, que acabou influenciando toda uma legião de fãs.

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Muitos passaram a associar o gênero às atitudes de Varg Vikernes e não tardou para que esses comportamentos se alastrassem e servissem até como inspiração para os novos nomes. Não é, no entanto, o caso de Draugr.

O multi-instrumentista dos EUA, que está envolvido em projetos como GaldrAncalagonObscurum, escreveu um texto sensacional para a Decibel relatando suas experiências no meio e avisando que é uma “história preventiva”, ou seja, uma explicação para que outros possam ter uma vivência melhor na cena se forem apaixonados pela música.

Traduzimos todo o texto e você pode conferi-lo logo abaixo!

Relato de Draugr sobre o Black Metal e o fascismo

É uma história preventiva.

Quando eu me interessei pelo Black Metal pela primeira vez como um jovem adolescente por volta de 2005, eu não tinha nenhuma ideia de onde eu me encontrava politicamente. Eu só sabia o que muitas pessoas jovens sabem nesse período da vida: há algo errado com o mundo. As razões pelas quais eram quase complexas demais para ponderar.

Conforme eu cresci, e enquanto meu interesse e atividade dentro da subcultura cresceu, minhas perspectivas se tornaram mais e mais moldadas pelas pessoas ao meu redor além do meu envolvimento em várias redes de Black Metal. Crescer como um branco no norte da Geórgia [estado dos EUA] não me deu exatamente a diversidade de pontos de vista que eu poderia ter utilizado, enquanto elementos das políticas e linguagens de direita se tornaram mais e mais normalizadas para mim através de correspondências, zines, e coisas do tipo do underground do Black Metal. Chegou no ponto onde eu realmente não conseguia reconhecer os gritantes sinais e barulhos de controle de associações da extrema direita. Eu me pensava como alguém inteiramente apolítico. Mesmo nos tempos em que eu tinha reconhecido esses sinais, meu condicionamento havia me permitido, no máximo, reduzir isso ao tipo de coisa do Rock que quer chocar, ou a justificar o comportamento deles como o direito de liberdade de expressão em meio que um fórum aberto hipotético de debate político. E no pior dos casos, absorvia e repetia como um papagaio as ideias e perspectivas daquela zona de pensamento. Eu era impressionável e entusiasmado com a cena e ela englobava o meu mundo.

Ainda jovem e procurando por inspirações e respostas, minhas crenças pessoais que haviam saltado de ser criado em uma casa budista por uma mãe progressista, até um ateísmo digno de Richard Dawkins dos primeiros ‘intelectuais’ do YouTube, até um ‘Inverter o Cristianismo para Satã’ bem inspirado pelo Black Metal estavam abrindo caminho para uma espiritualidade no paganismo que eu sentia que refletia melhor a minha reverência pela solidão e pela natureza, bem como o meu amor pela mitologia e o misticismo. Essa transição também ajudou a borrar as linhas em relação à iconografia da extrema direita e a linguagem para mim infelizmente, e eu fiquei mais do que nunca dessensibilizado às linguagens e ideias da direita.

Foi nessa época que comecei o meu projeto Galdr, por volta de 2008. Até então, meus colegas de banda e eu estávamos lançando fitas de nossos projetos nós mesmos ou através de qualquer pequena gravadora aceitasse trabalhar conosco. No entanto, eu sabia que eu queria um apoio de gravadora melhor para o disco que eu vinha escrevendo. Eu comecei mandando uma versão demo do álbum para várias gravadoras com mais seguidores que eu encontrei no MySpace, esperando que alguém iria responder querendo lançar um CD. Durante esse tempo foi quando eu esbarrei na página do MySpace da Darker Than Black. Por fora parecia uma gravadora de Black Metal bastante típica, com o seu bordão sendo algo tosco como ‘Arte Antissocial, Pessoas Antissociais’. Mas eles tinham uma boa quantidade de seguidores, então eu olhei o catálogo de bandas deles para ver se algum deles chamava atenção. Parecia estar majoritariamente composto de umas coisas vagamente marciais misturadas com algumas coisas de Black Metal pagão sem muita opinião política. Olhando pra trás, eu entendo que havia provavelmente alguma motivação em manter o catálogo cheio de bandas politicamente ambíguas e pagãs, e eu sinto um tipo de raiva e vergonha que a minha arte possa ter sido usada para essencialmente amolecer a imagem pública de um monte de fascistas. No entanto, eu vi que o Absurd estava ali no topo do catálogo. Naquela época, meus pensamentos em relação a essa banda não eram ‘Eita porra, eles são uma banda de NSBM [Black Metal Nacional-Socialista, com associações ao fascismo]’ — eu não ligava, eu poderia passar completamente batido pelo fato de eles terem ideias e ligações da extrema direita, afinal, era o direito deles e eu senti que ao aceitar isso, eu estava tendo uma posição completamente apolítica no assunto. A única coisa que apareceu na minha cabeça depois de ver o Absurd foi ‘Eita porra, essa é aquela banda que matou alguém, igual ao Burzum!’. Então eu peguei o endereço e mandei uma fita para quem eu não sabia que era o Hendrik Möbus do próprio Absurd. A resposta foi bem rápida, eu acho que passou uma semana ou duas antes da Darker Than Black me contatar. A mensagem era basicamente que eles estavam interessados em lançar quaisquer discos que eu completasse. Eu falei a eles que eu tinha um pronto para rodar e músicas escritas para um outro inteiro com mais pelo futuro, então foi decidido na época que trabalharíamos juntos para lançar minhas coisas pelo futuro próximo.

Para os primeiros álbuns, a coisa funcionou de forma relativamente tranquila. Eu segui em frente e sem saber fui absorvendo perspectivas dos piores cantos da comunidade Black Metal e eu ainda fui capaz de manter a minha perspectiva ‘apolítica’ apesar de ter entrado em contato com personagens cada vez mais suspeitos através da Darker Than Black e de ter aprendido coisas estranhas sobre a gravadora, como eles terem sido enquadrados pela polícia (por vender NSBM). Na minha cabeça eu pensei ‘isso é ridículo, arte é arte, todas as ideias são válidas’, mas a realidade e a gravidade da situação começaram a se fazer aparentes em algumas partes da minha mente de que muitas das coisas que eu estava aceitando e me associando com tinham efeitos no mundo real e eram ofensivas de formas que eu não entendia no começo. Nessa época, tendo trabalhado em empregos que pagavam salários baixos por alguns anos e subsequentemente analisando a minha identidade e a minha situação enquanto ainda ouvia as experiências das pessoas de diferentes caminhos da vida, minha politização começou a mudar, minha perspectiva sobre o mundo ganhou maturidade e eu comecei a formar os começos de um caminho para a consciência de classe e a interseccionalidade radical.

Por volta de 2014 tinham se passado alguns anos desde que eu tinha mandado à Darker Than Black as gravações do terceiro disco e eu estava em turnê com o Ancalagon. A Darker Than Black estava enrolando para fazer o lançamento do último CD com atrasos, mudanças de cronograma, etc.. E eu me tornei mais desencantado e pra falar a verdade depressivo em relação ao Galdr a cada dia. Nessa época, eu era de forma bem sólida o que eu consideraria um ‘liberal’. Eu basicamente tinha um punhado de visões sociais e fiscais que são da base do lado Democrático da política dos EUA, incluindo o emprego da liberdade de expressão absoluta, o que em troca continuou permitindo a minha associação com a Darker Than Black. No entanto, meu gosto por eles havia começado a amargar enquanto eu me tornava mais forte no meu posicionamento político, o que me levou a considerar abandonar o Galdr completamente. O desapontamento no meu eu do passado que cresceu com a minha maturidade política fez com que eu quisesse me dissociar inteiramente do projeto e das associações que ele tinha.

Eventualmente eu mudei o meu foco inteiramente para trabalhar em outros projetos e parei de ligar para o que aconteceu com o Galdr ou o terceiro álbum. Parecia um peso que, ao invés de ser o poço de inspiração que foi uma vez, era algo com o que eu tinha que “lidar”, alguma espécie de bagunça que eu tinha de limpar. Finalmente, em algum momento do ano seguinte, a Darker Than Black escreveu para mim e me informou que meu terceiro disco estava prestes a ser lançado e para mandar o meu endereço para a minha parte dos CDs. Nesse ponto da vida. do Galdr, eu me senti o mais desconectado possível com a minha arte sob o projeto, sentindo uma combinação de frustração comigo mesmo e falta de esperança na ideia de agora ter que achar uma gravadora para relançar três álbuns que só haviam sido lançados naquele ano/alguns anos atrás. Eu só queria esquecer disso. Quando os CDs finalmente chegaram, provavelmente 50-60% deles estavam com as caixinhas totalmente quebradas, mal embalados. Foi basicamente a última gota, eu não fiz nenhuma tentativa substancial de promover o Galdr mais e eu deixei a presença do Galdr na internet e nas correspondências ser negligenciada.

Depois desse período, o meu ativismo político aumentou, me dirigindo mais à esquerda e focando na expansão da minha concepção da situação do mundo. Minha expressão artística oscilava entre mídias e projetos, desenvolvendo uma visão mais forte de mim mesmo e da minha filosofia como um artista e ator político. Meu foco espiritual voltou à raiz da minha educação religiosa no budismo e no taoísmo e eu me percebi como o um e todo do presente. Com todo o poder da criação e do nascimento direcionado à expressão artística. Como resultado, o questionamento sobre o Galdr voltou à mente com uma certeza e confiança nas ações que eu deveria ter para reconquistar o amor pelo meu próprio projeto que uma vez me inspirou. Então eu apenas loguei novamente na página do Galdr, fiz um comunicado em relação ao que eu penso sobre política e sobre a Darker Than Black, finalizando as questões em relação às ligações com a gravadora, e assim foi. Foi refrescante. E agora eu estou feliz em anunciar que a trilogia original do Galdr vai ser relançada em breve (talvez no ano que vem) em uma gravadora ainda sem nome (sem essas merdas de NSBM!).

A cena Black Metal foi um terreno difícil de navegar para mim enquanto artista jovem, entusiasmado e eu fiz algumas escolhas seriamente erradas, mas eu estou feliz em ver que nesses dias há uma grande corrente de Black Metal explicitamente e vocalmente antifascista ascendendo na subcultura. É uma luta que vale a pena lutar, pela arte que amamos e as pessoas que se tornarão apaixonadas pelo gênero no futuro. Eu acredito que esses tipos de espaços podem ser liberados das mãos de estranhos fascistas com um esforço bem ensaiado.

Eu não sei quanto dinheiro a Darker Than Black ganhou com as minhas músicas, e me deixa com dor de estômago imaginar que a Darker Than Black pode ter usado dinheiro da minha arte para financiar atividades da direita. Minha única resposta a isso deve ser ceder o meu apoio e esforço completo e imortal à causa antifascista. Agora eu faço o melhor que posso me organizando com meu sindicato e lutando por populações vulneráveis das formas como eu puder. E você pode apostar que esse dinheiro dos relançamentos do Galdr e de outros CDs da One Void Collective por nós irá diretamente às organizações que lutam pela liberação e mudanças radicais. Uma delas é um grupo chamado ‘Solutions Not Punishment Collective’ da minha cidade natal de Atlanta que foca em encerrar a violência policial direciona às mulheres trans negras bem como construir um poder político às pessoas negras ‘queer’ na cidade toda. Nós como coletivo acreditamos que o caminho para qualquer tipo de futuro promissor é fundamentalmente através da liberação negra.

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