Em meio a tantas discussões sobre racismo no Brasil e no mundo nos últimos tempos, temos mais um episódio triste e escancarado para relatar e que aconteceu bem aqui nas nossas terras.
Em seu Instagram, a advogada Thayse Pozzobon compartilhou uma denúncia ao comportamento da juíza Inês Marchalek Zarpelon, que escreveu em uma decisão judicial que Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, era “seguramente integrante d[e] grupo criminoso, em razão da sua raça”.
No processo, a juíza ainda destacava que “nada se sabe” sobre a conduta social do homem, e ainda ressaltava que Natan era réu primário. A postagem de Thayse veio acompanhada de um desabafo:
O nome do SER HUMANO violado com as palavras proferidas pela magistrada é Natan Vieira da Paz, homem, 48 anos, negro. Autorizada pelo cliente estou divulgando o nome na esperança de que repercuta mais ainda.
Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira.
Organização criminosa nada tem a ver com raça, pressupor que pertencer a certa etnia te levaria à associação ao crime demonstra que a magistrada não considera todos iguais, ofendendo a Constituição Federal.
Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira.
O Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a Magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal.
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Caso de racismo envolvendo juíza
Como conta o UOL, a declaração gerou muita repercussão e chegou até Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Brasil. Ela afirmou que esse fato é “apenas um exemplo” do racismo institucional e de como este “assume dimensões estruturais” no Brasil e “fundamenta a organização dessa nação”.
Ainda de acordo com a reportagem, a juíza Inês divulgou um comunicado oficial sobre a decisão informando que “em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor”, e ressaltando que “a linguagem […] pode causar dubiedades”.
Ela ainda se disse entristecida se “fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender”.
Ainda assim, Inês só pede a famosa desculpa “se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença” ofendeu alguém e não explica qual foi o sentido da frase “em razão da sua raça” dentro do contexto em que foi utilizada.
Você pode ler a nota dela abaixo, novamente via UOL.
Pronunciamento da juíza
A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social. A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender. A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada — e nem poderia — como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo. Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pág. 117), ofendi a alguém.