Entrevistas

Fran Healy: em retorno à forma no novo disco do Travis, cantor e compositor fala sobre processo criativo, vinda ao Brasil e ser o Karatê Kid original

Em entrevista exclusiva ao Tenho Mais Discos Que Amigos!, Fran Healy fala sobre processo de composição da banda Travis, pandemia e mais!

Travis

Por Nathália Pandeló Corrêa

Houve uma época em que Fran Healy compunha todas as músicas que cantava – e deu certo. Vêm dessa fase todos os grandes sucessos do Travis: “Why does it always rain on me”, “Flowers in the window”, “Sing”, “Writing to reach you”…

Mas a partir do álbum Ode to J. Smith, algo mudou. O processo de composição se tornou bem mais colaborativo, envolvendo o baixista Dougie Payne, o guitarrista Andy Dunlop e o baterista Neil Primrose. Surgiram daí os discos mais recentes, Where You Stand e Everything at Once, que embora não tenham tido o mesmo sucesso comercial, tiveram uma boa recepção da crítica.

Agora, a banda Travis passa por uma espécie de retorno à forma. Healy volta a assumir as rédeas criativas do projeto, compondo todas as músicas do novo disco 10 Songs e gravando remotamente os clipes pra cada um dos singles “A Ghost”, “The Only Thing”, “All Fall Down” e “Valentine”. Não que isso seja novidade: ele estudou Artes na faculdade e sempre manteve uma ligação forte com o aspecto visual do trabalho. E, morando em Los Angeles nos últimos anos, estava mais que acostumado à criação à distância.

10 Songs não é necessariamente um álbum inventivo – o próprio título já anuncia isso. Direto ao ponto, essa nova coleção de músicas traz uma ligação com alguns dos grandes destaques da discografia da banda. Momentos intensos (“Valentine”) e solares (“The only thing”, “Nina’s Song”, “Butterflies”) se encontram com canções reflexivas (“A Ghost”, “All fall down”). O resultado é um trabalho coeso onde todos esses aspectos se entrelaçam e entregam o melhor de Travis: músicas sobre sentimentos verdadeiros.

Esse é o alvo de Fran Healy, pelo menos. Ele comentou sobre o processo criativo do disco e clipes, como estava sendo a vida em quarentena em Glasgow, na Escócia, de onde nos falamos por Skype, e sobre amadurecer, uma possível nova vinda ao Brasil e até sobre ele ser o Karatê Kid original!

Confira o papo abaixo!

TMDQA!: Oi Fran! Como você está?

Fran Healy: Estou muito bem. Estou em Glasgow, onde cresci, e estou fazendo minha quarentena aqui, porque moro na Califórnia. Eu ando meio…

TMDQA!: Confuso com fuso horário? Ando seguindo seus tweets.

Fran: Isso! Mas que horas são agora? 4:31. Acho que estou bem, vai dar tudo certo (risos).

TMDQA!: Mas você se manteve ocupado nos últimos tempos fazendo os clipes. Sei que você tem essa origem na faculdade de artes, então queria saber se é uma forma de você voltar às suas raízes, ou é apenas algo que você sempre faz mesmo, só que nós do público não vemos com tanta frequência?

Fran: Sempre fiz. Eu levo uma vida dupla, de certa forma. Nos últimos 10 anos ou mais, ou mesmo desde que começamos, eu sempre fui muito próximo do lado visual da banda. O primeiro clipe que eu meio que concebi, mas não dirigi, foi “My Eyes”, que foi em 2007. E depois disso eu tive a ideia para uma música em Ode to J. Smith e desde então venho fazendo mais e mais coisas visuais para a banda. É algo que faço desde sempre, fiz faculdade de artes. Acho muito difícil se expressar completamente em música, não é fácil se expressar bem dessa forma. Há muita tentativa e erro. E no lado visual, você recebe muito mais. Se você vê o clipe de “A Ghost”, você vê meu humor e tudo mais. Acho que é por aí. Meu humor não aparece tanto na minha música, e ele é uma parte importante de mim. É engraçado porque as pessoas acham que têm uma ideia de quem eu sou, mas eu penso: “merda, eles não me conhecem” (risos). Sabe como é? Eles não sabem que eu sou de verdade, acham que sabem, mas não fazem ideia… Enfim, tem sido ótimo desenhar de novo, tem sido bem trabalhoso mas tem me distraído dessa loucura do Covid.

TMDQA!: Mas falando pessoalmente, tem uma música sua que me ajudou a superar uma depressão. Então pensando por esse lado, as pessoas sentem que te conhecem porque desenvolvem uma conexão com muito forte com a música.

Fran: Poxa, que legal. É bom ouvir isso, porque é por isso que eu faço música. Eu acho que ter depressão é uma condição humana. Ou talvez nem isso, basta ter um cérebro. Muitos outros animais passam por isso, é parte da vida. E a depressão é muito estigmatizada e transformada em negócios farmacêuticos, pra vender pílulas e fazer as pessoas se sentirem melhor. Quando na verdade é algo que ocorre de forma muito natural e a música pra mim me ajudou nisso. É quase como vomitar, sabe? É algo que precisa sair do seu sistema. Como um trauma, algo que aconteceu antes de você mesmo conseguir falar e você tem que tirar de dentro de você de alguma forma… Enfim, fico feliz que isso tenha te ajudado também.

TMDQA!: Muito! Mas eu estava pensando enquanto você falava sobre se expressar, de que houve uma mudança em especial com Ode to J. Smith, no sentido de que a parte de compor se tornou um pouco mais colaborativa entre vocês, se compararmos com os primeiros discos. Ainda não vi os créditos de 10 Songs, mas mesmo antes dessa pandemia e gravar clipes remotamente, vocês tinham que lidar com uma relação à longa distância, basicamente. Queria que você contasse um pouquinho do processo criativo e como ele mudou ao longo dos anos.

Fran: No primeiro disco, Good Feeling, eu escrevi todas as músicas. O segundo, escrevi todas. O terceiro, escrevi todas. O quarto disco foi… 12 Memories e teve uma música do Dougie no quinto disco e depois colaboramos totalmente no sexto disco, que foi Ode to J. Smith. Aí tivemos uma grande pausa e fizemos os dois últimos discos de forma colaborativa. Pessoalmente, eu não consigo. Não gosto, tenho dificuldade de cantar as músicas de outras pessoas. Aí precisei dizer para os caras, eventualmente: “olha, não consigo mais fazer isso”. Sinto que não consigo me posicionar na cabeça de outra pessoa, e nos nossos melhores momentos, Travis foi a minha banda, sabe? Como eu falo, como me coloco, me expresso… e quando você tem a música de outras pessoas, é como forçar – pelo menos pra mim. É tipo usar o sapato de outra pessoa. E alguém pode dizer: “coloca meu sapato”. E não te serve. Aí dizem “vai lá, corre uma maratona com ele”. Me sinto melhor agora que estou escrevendo novamente. Todas as músicas são minhas. Levei quatro anos compondo e devo ter escrito centenas e centenas de ideias até chegar nas 10 músicas. Acho que é a coleção de músicas mais forte que eu escrevi nos últimos… 17 anos, talvez. Talvez mais.

TMDQA!: Uau.

Fran: É. Mas é que pelos últimos 14 anos eu estava focando em ser pai, e isso é o mais importante… Bem mais importante que tudo é ser um bom pai, e isso tomou todo o meu tempo. Os últimos três discos eram OK, mas não eram eu. O Travis não estava recebendo meu foco total, e agora está. Eu diria que estamos mais focados. Sabe o que quero dizer?

TMDQA!: Sei sim. E também sou mãe, então sei como é algo que no mínimo consome todo o seu tempo (risos). Mas estava pensando em algo que você disse, que você meio que completou todo um ciclo aí. Você disse que sua primeira ideia pra clipe foi “My Eyes”, que é uma música sobre seu filho estar pra nascer, certo? Você estava prestes a ser pai. E agora seu filho tá até te ajudando a fazer os clipes, então acho que deu tudo certo.

Fran: Sim, verdade.

TMDQA!: Mas falando das músicas em si, você canta sobre alguns temas como envelhecer, coração partido, perdas, nascimentos, morte… desde sempre, acho. Mas com cada disco, dá pra sentir que você está falando de um lugar de mais maturidade, porque é assim que a vida funciona (risos). Você acha mais fácil tocar em um assunto mais pesado quando já tem mais familiaridade com ele? Ou essa zona de conforto, digamos, é algo que você tenta evitar?

Fran: Eu penso comigo mesmo que, na nossa vida… o que mais há? Estamos lidando o tempo todo com sentimentos e se você olhar bem, o que é um sentimento? Uma emoção? E se você olhar os animais, eles têm também. Cães, gatos, macacos, qualquer coisa que tem um cérebro e um sistema nervoso central. É por isso que um cão abana o rabo, um gato ronrona, é uma vida emotiva. Em geral, a vida emocional é quieta. Animais são quietos, a não ser que estejam sob stress, então eles se manifestam, mas em geral, não há uma língua, um som. E acho que sentimentos emocionais… Nossos cérebros se desenvolveram tanto que temos tanto léxico, palavras, nosso vocabulário é tão avançado que parece uma calculadora, mas nunca vamos conseguir expressar emoções de uma forma realmente verdadeira. E o lance da música que é diferente da linguagem, e o motivo porque nós cantamos há tanto tempo, é que ela, de alguma forma (e não sei como), nos conecta a uma emoção quieta que todos nós temos. E portanto sinto que essa é a minha jornada. Estou sempre tentando traduzir isso, me aproximar disso, pegar esses sentimentos que são anômalos e transformá-los em algo que você possa ouvir e se identificar. É o mesmo processo que sempre fiz, e sim, estou ficando mais velho e mais maduro, mas acho que se eu olhar para canções mais antigas… Não sei, é estranho, estou fazendo essas entrevistas, revisitando o disco, olhando as letras e tentando entender as coisas, e tudo que estou fazendo – e tudo que todo mundo deveria tentar fazer com uma música – é falar a verdade. Ser sincero e contar a minha verdade. Não há muito mais que isso, e é bem difícil ser sincero às vezes. A sinceridade tem um certo tom, que é invisível, mas quando você ouve a verdade, não há nada igual no mundo. É por isso que todas as músicas que você ama, que nós amamos, têm algo de especial nelas, uma verdade universal que mexe com a gente. Então não sei. É bom ouvir que você sentiu que estou mais maduro, mas talvez eu tenha conseguido um verso mais certeiro dessa vez… É difícil dizer.

TMDQA!: Faz total sentido. Poxa, queria que a gente tivesse mais tempo. Só tenho uma última pergunta: você é mesmo faixa preta?

Fran: Sim! Eu comecei a fazer karatê quando tinha 8 anos de idade e quando tinha 13 anos, eu consegui minha faixa preta. Eu fui um dos mais jovens na Escócia a conseguir isso. Eu não passei da primeira vez que tentei, e foi horrível. Foi muito horrível! Porque você falha na frente de umas 200 pessoas. Todo mundo vai pra um lugar específico, vem um cara do Japão e faz o lance das notas. Eu fui reprovado e foi horrível. Eu fui o Karatê Kid original (risos).

TMDQA!: Caramba, nem consigo imaginar a cena! Talvez você devesse postar uma foto disso um dia desses.

Fran: Verdade. Minha mãe tem uma foto boa, vou pedir pra ela e te envio.

Nota do editor: após o papo com Nathália, Fran realmente procurou a foto mencionada acima e publicou em seu Twitter.

TMDQA!: Ótimo, ia adorar ver. Bom, é isso, espero que a gente possa ver o Travis aqui no Brasil em breve, quando passar essa loucura toda.

Fran: Eu ia adorar.

TMDQA!: Porque eu devo dizer, vocês sempre dão um jeito de contornar o Brasil quando estão na América do Sul.

Fran: É, eu sei… A última vez que estivemos aí, tocamos num festival. E queremos fazer shows nossos da próxima vez. Festivais são ótimos para chegar em muita gente ao mesmo tempo, mas não são muito bons no sentido de ter ingressos caros… Os fãs da sua banda não vão necessariamente pagar 150 dólares só pra ir ver você. Eu não pagaria 150 pra ver uma banda só (risos).

TMDQA!: É puxado mesmo (risos). Mas obrigada pela entrevista, Fran, e tudo de bom com esse novo disco.

Fran: Obrigado!