Um dos maiores baratos do mundo da música é acompanhar suas tendências. Da noite para o dia, surgem novidades estéticas que podem vir a ditar padrões rítmicos e melódicos. Imagine como foi quando, no final da década de 80, a lambada conquistou o mundo.
Conhecido por seu ritmo envolvente, o gênero teve como seu grande carro-chefe o grupo Kaoma, formado a partir da visão dos produtores musicais franceses Jean Karakos e Olivier Lorsac. E o grande sucesso foi a canção “Lambada“, também conhecida por alguns como “Chorando Se Foi“. Contagiou rádios e corpos não apenas no Brasil, como também em toda a Europa. Assim, vimos mais uma onda musical brasileira banhar o planeta.
Mas a história por trás deste inquestionável hit não é tão clara assim. Por isso, viemos contar para vocês detalhes sobre sua produção e seu legado. Confira após o vídeo:
Bolívia
Calma, não vamos falar de política por aqui. No entanto, é bom cortarmos as asinhas logo no início: “Lambada” não é uma canção original. De fato, é uma das melhoras versões “abrasileiradas” de músicas gringas, mas o Kaoma sequer consultou os autores originais para isso.
Lançada em 1981, “Llorando Se Fue” é uma composição dos bolivianos Ulisses e Gonzalo Hermosa. A primeira gravação foi feita pelo grupo Los Kjarkas, em seu álbum A La Mujer De Mi Pueblo.
OK, mas como isso chegou no Brasil?
https://www.youtube.com/watch?v=sKCzgJTfAa4
Minas Gerais > Bahia > França
A versão repaginada sob a estética da lambada foi gravada pela cantora mineira Márcia Ferreira e teve a letra escrita por José Ari em 1986. E é agora que chegamos (finalmente) à construção da versão que tanto amamos!
O já citado Lorsac, passando férias em Porto Seguro (BA) em 1988, ouviu a música tocando na rádio e se impressionou com a energia que o ritmo entregava. De volta à França, sob o pseudônimo Chico de Oliveira, rebatizou a música e a registrou em um cartório. Este é o momento do nascimento de “Lambada”.
O próximo passo era montar seu próprio grupo, e é aí que uma personagem importante entra na história: Loalwa Braz.
Loalwa: de Jacarepaguá para o mundo
A voz que ficaria conhecida como “a voz da lambada” nasceu em uma família de músicos em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em 1985, ela foi morar na França para investir em sua carreira. Na época, Lorsac e Karacos estavam à procura da pessoa que se tornaria a face do grupo.
Os produtores procuravam uma jovem entre 19 e 25 anos. Na época, Loalwa já tinha passado dos 30, mas não tinha como ser outra opção. Por sinal, foi ela que deu o nome ao grupo.
“Lambada” integrou o disco de estreia do grupo, World Beat, lançado em 1989. Mas uma galera não quis que isso passasse batido sem envolvimento com a Justiça.
“Pior que plágio”
Bom, como em todo #TBTMDQA nós relembramos uma história de plágio, aqui vai mais uma. A editora EMI Songs, que representava os autores da música, entrou na Justiça junto a Márcia.
Não deu outra: venceram a ação. Mas precisamos ser justos. Afinal, o processo de registro de “Lambada” não foi dos mais limpos. Em entrevista ao Programa do Gugu, em 2015, Loalwa defendeu o posicionamento tomado pela editora e pelos autores da letra: “Não foi plágio. Foi pior que plágio. Foi mão grande”.
O clipe
Justo ou não, o processo não foi o suficiente para barrar o sucesso de “Lambada” em termos nacionais e internacionais. O grupo voltou ao Brasil para a gravação do clipe da música. Com uma atmosfera tropical (que a música tecnicamente exigia), o vídeo foi gravado no distrito de Trancoso, em Porto Seguro.
Um marco interessante para o solar vídeo é que ajudou a fortalecer, para o exterior, a ideia da dança como uma arte da felicidade, da celebração e do movimento. Na história, um jovem casal é perseguido pelo pai da menina, que desaprova que a filha dance lambada. Ao final do clipe, no entanto, o pai é seduzido pelo poder da dança e deixa os dois em paz.
E por falar nesse casal…
Chico & Roberta
O protagonismo do clipe não ficou para os integrantes do Kaoma. Isso porque a dupla formada pelos então jovens dançarinos Chico & Roberta roubaram a cena com uma performance cativante. Por sinal, o casal teve canções escritas por Loalwa. Era a grande cena de lambada se fortalecendo no Brasil.
Na época, Chico tinha 10 anos e Roberta, 12. O sucesso da coreografia os levou a gravar o álbum Frente a Frente, lançado em 1990. Mas eles largaram a música logo depois, apesar dos dons para a dança. Chico é, atualmente, pastor em uma igreja evangélica. Já Roberta se tornou veterinária.
A comercialização do requebrado
Desde “Jailhouse Rock” até “Rapper’s Delight”, canções que exaltem o gênero em que se enquadram são normais durante sua fase inicial, como forma de apresentar um então novo mundo ao ouvinte. Mas “Lambada” foi indiscutivelmente uma jogada comercial bem pensada, a começar pela mudança a princípio maliciosa no nome da música.
O próprio World Beat nos mostra isso. Todos os títulos do lado A do disco contam com referências à palavra “Lambada”. É lambada até dizer “chega”, mas o movimento deu certo.
De acordo com o jornalista e escritor Nelson Motta, “Lambada”/”Chorando Se Foi” teve tanto impacto quanto os clássicos do início da bossa nova ou quanto “Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló. A diferença, no entanto, é que foi um sucesso mais breve.
Sexualização da lambada
O ritmo virou um fenômeno cultural mundial. Para se ter uma noção, em 1990, um filme norte-americano intitulado “The Forbidden Dance” (“A Dança Proibida”, em português) foi produzido com inspiração na dança brasileira. No entanto, a trata de forma exagerada e erotizada, o que fica centralizado em uma personagem que é uma princesa amazônica que simplesmente não consegue parar de requebrar. Para o crítico de cinema Renzo Mora, trata-se do oitavo pior filme de todos os tempos, à frente até mesmo de “Mulher Gato” (sim, aquele filme horrível de 2004 baseado na clássica personagem da DC).
A hipersexualização da lambada também foi feita pelo desenho Os Simpsons. No polêmico episódio “A culpa é de Lisa” (que foi criticado pelas autoridades brasileiras), a família visita o Brasil e é apresentada à lambada através de uma escola de samba (o erro já começa aí). Na cena, o professor ainda ensina uma nova dança, chamada “penetrada”, que segundo o personagem, faz “sexo parecer coisa de Igreja”.
Até em Um Maluco no Pedaço é feita uma referência à tal “dança proibida” em um episódio em que Geoffrey dança agarrado com uma mulher, logo na primeira temporada da série.
Sucesso (e ritmo) incontrolável
Só em 1989, “Lambada” vendeu mais de 5 milhões de cópias, se provando um verdadeiro “hit de verão”. A canção chegou ao topo das paradas em 11 diferentes países na Europa, incluindo França, Alemanha, Grécia, Portugal e Espanha. Até no Japão a música ganhou certificado de Platina!
Trata-se do melhor single em termos de venda no continente naquele ano. Não à toa, ganhou surpreendentes versões em outras línguas.
Outras versões, samples e mais
A contagiante atmosfera de “Lambada”, como todo grande hit que se preze, recebeu diversas homenagens ao longo dos anos 90. Isso inclui inusitadas versões em japonês (da cantora Akemi Ishii) e em turco (de Rüya Çağla).
Mas é claro que as versões não ficaram restritas à lambada em si. O árabe Joseph Salame deu à canção uma estética mais “disco”. Abaixo, também destacamos versões nas vozes de artistas das Filipinas e da Grécia.
Isso sem falar nas referências. A linha melódica que conquistou o mundo foi sampleada das mais criativas formas ao longo dos ano. Um exemplo recente e impactante disso é o megahit “On The Floor“, parceria entre Jennifer Lopez e Pitbull que foi para o Top 3 da Billboard Hot 100 em 2011.
No Brasil, obviamente, a canção fez um baita sucesso, ganhando versões nas vozes de artistas grandes como Ivete Sangalo e Fafá de Belém. De menção honrosa, vamos deixar para vocês o funk “Mamando Ela Foi”, de MC Timbu.