Temos várias ressalvas sobre o Brasil, especialmente no que diz respeito à política.
A desigualdade social, o racismo estrutural e mais elementos também nos impedem de dizer que vivemos em um país perfeito. No entanto, não importa de onde você seja ou o seu nível de conhecimento acerca da música brasileira, você certamente conhece (e canta) esses versos:
Moro num país tropical
Abençoado por Deus
E bonito por natureza
Mas que beleza
“País Tropical“, talvez a principal contribuição de Jorge Ben Jor para a música brasileira, surgiu ao público durante o ano de 1969. Incorporando elementos do rock, do samba jazz e da música africana, a canção se tornou um marco para a história da MPB.
Polêmicas à parte, trata-se de uma canção que sempre será associada ao Brasil, à felicidade e ao orgulho do brasileiro.
Abaixo, separamos algumas “curiôs” sobre este hit “abençoá por Dê e boní por naturê”.
Confira:
O Rio de Janeiro continua lindo
Sabemos que a exaltação é feita ao país como um todo, mas, como todo carioca orgulhoso, Jorge Ben usou referências de sua cidade natal para enfatizar a beleza do Brasil. Isso vai desde a ideia de ser um lugar “abençoado por Deus” (em referência ao Cristo Redentor) até a paixão pelo time do Flamengo.
Em entrevistas, o compositor já disse que o cenário do Rio, com todas as suas belezas naturais, como as praias, e construídas, como o estádio do Maracanã, serviram de inspiração para a faixa.
Gal Costa
Desde 1963, quando lançou o emblemático Samba Esquema Novo, Jorge Ben era visto como um compositor especial. Suas canções já haviam sido gravadas por diversos artistas ao longo dos anos, mas “País Tropical”, de fato, impulsionou seu nome de forma avassaladora.
Isso vem, em grande parte, do interesse de dois artistas em específico: Gal Costa e Wilson Simonal. Gal, que na época estava tendo um caso com Ben Jor, tinha seu maior destaque musical até então associado à contribuição no movimento da Tropicália, cujo disco havia saído um ano antes.
A versão entrou em um álbum homônimo, lançado no próprio ano de 1969, com participações de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Wilson Simonal e a caminhada para o sucesso
Apesar da versão anterior, foi Simonal o responsável por transformar a canção no cartão-postal do país. Associado a um carisma incomparável, o cantor teve seu primeiro contato com “País Tropical” em julho do ano em questão, quando acompanhou Jorge Ben em um show de Gal Costa.
Encantado pela letra e pela melodia, o músico marcou horário em um estúdio no fim do mesmo mês e fez questão de que o compositor desse as caras. Lá, ele apresentou a música à banda de Simonal, que prontamente organizou o popular arranjo.
A gravação do próprio Jorge Ben também datou de 1969, mas somente em novembro, após a canção já ter explodido nos inconfundíveis vocais de Simonal. De qualquer maneira, a parceria entre a dupla foi benéfica para a carreira de ambas as partes.
A origem do “patropí”
Muitos associam a curiosa e divertida divisão silábica da música à gravação de Simonal. No entanto, a brincadeira surgiu do próprio Jorge Ben.
Questionado sobre o surgimento disso tudo em uma entrevista, o compositor disse que expressões como “patropí” e afins surgiram um show em São Paulo. A ocasião, apesar do pouquíssimo público, contou com as participações notáveis de Toquinho e Paulinho da Viola.
Mas a fama, de fato, veio por Simonal, que, na época, estava estouradíssimo. Vale lembrar que o cantor tinha uma capacidade quase única de difundir gírias que rapidamente eram incorporadas ao vocabulário popular do brasileiro. Qualquer versão de “País Tropical” gravada depois disso levou em conta a divertida brincadeira originada por Jorge.
A nega Tereza era branca?
Tereza é indiscutivelmente uma famosa personagem da obra de Jorge Ben. Além de cair na boca do povo em “País Tropical”, ela também protagoniza o sucesso “Cadê Tereza”, lançado no mesmíssimo disco.
Neste ano, a jornalista carioca Kamille Viola escreveu “África Brasil – Um Dia Jorge Ben Voou Para Toda Gente Ver“, em homenagem ao disco em questão. No entanto, o livro também conta com informações interessantes sobre o homem em si. No livro, ela deixa claro que nunca houve uma musa chamada Tereza na vida de Jorge.
Sua única musa se chama Domingas Terezinha Inaimo de Menezes, que veio a ser esposa e empresária do músico. Na época do tímido casamento, que não teve muito impacto na mídia por conta da discrepância de Jorge, uma revista chamada InTerValo decidiu dedicar uma página ao acontecimento. A matéria conta com o título “Jorge Ben casou com a ‘nêga’ Tereza”, com as aspas fazendo alusão ao fato de que Domingas é branca.
Há quem pense também que o nome da personagem possa ser uma referência à Madre Teresa de Calcutá ou até mesmo ao bairro carioca de Santa Teresa.
“Sou Flamengo”
Em 1954, o samba “Eu Sou Flamengo“, de autoria de Pedro Caetano e Carlos Renato, foi gravado por Jorge Veiga. Em 1970, os compositores entraram com um processo contra a versão de Simonal por conta de possíveis semelhanças entre as faixas. Vale lembrar que o escudo do time aparece até mesmo na capa de Jorge Ben.
Confira abaixo para tirar suas próprias conclusões.
Ufanismo ou timing ruim?
Não foi à toa que o sucesso de “País Tropical” coincidiu com o período mais tenso da ditadura militar no Brasil. A música era amplamente veiculada em todas os meios de comunicação e passou a ser utilizada como propaganda do regime vigente.
Isso contribuiu para a futura fama de delator que passou a ser atribuída ao nome de Simonal. Durante os chamados “Anos de Chumbo” (68 – 74), aqueles que eram contrários ao regime condenavam o ufanismo, ou seja, o patriotismo excessivo, por acharem que o momento político do país não era digno de orgulho. Simonal, no entanto, entendia tais canções como “músicas nativistas”.
“Paris Tropical”
“Alô, Brasil. Alô, Simonal. Moro e namoro em Paris Tropical”. É assim que o músico Juca Chaves começa a sátira mais conhecida da composição de Jorge Ben. Ácida, a letra ainda põe Tereza no papel de empregada doméstica. O violão e o fusca, tão queridos pelo compositor original, foram vendidos e trocados por um Jaguar. Quanto ao prazer por música, Juca declara: “Só ouço Bach”.
Paris não tem Flamengo, nem Pelé e Tostão
Aqui Brigitte joga em qualquer posição
Francês é o meu esporte do qual sou um fã
Faço do Moulin Rouge o meu Maracanã
Que futebol, que nada! Bom mesmo é o can-can!
A provocação dialoga com o contexto opressor da ditadura militar. Juca, grande crítico do regime, foi exilado para a Europa no início da década de 70, tendo passagens por Portugal e pela Itália.
Mas Jorge Ben não ficou calado e compôs tréplicas pouco tempo depois. As farpas estavam presentes em canções como “Cosa Nostra” e “Aleluia, Aleluia“, parceria com o Trio Mocotó que já se inicia com o verso “Quem dera que Paris fosse tropical”. A última foi gravada também por Simonal, sob o nome “Resposta“.
O ponto final foi colocado por Juca, na apaziguadora “Take Me Back To Piauí“, de 1972. A canção, que mostra o cantor declarando que “Simonal estava certo”, ainda conta com versos como:
Adeus Paris tropical, adeus Brigite Bardot
O champanhe me fez mal, caviar já me enjoou
Simonal que estava certo, na razão do patropi
Eu também que sou esperto vou viver no Piauí
Quando toca, ninguém fica parado
Muitos artistas releram “País Tropical” ao longo dos anos (e essa tendência certamente continuará). Além das gravações originais de Gal Costa e Wilson Simonal, artistas como Paulinho Moska e Maurício Manieri fizeram suas próprias versões do hit.
Não restrita apenas à MPB, a música também ganhou releituras de nomes do pagode, como Os Morenos e Alexandre Pires, e do axé, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Claudia Leitte. Também precisamos destacar a deslumbrante versão gravada ao vivo pelo grupo Monobloco, em um medley-homenagem que também conta com releituras de “Taj Mahal” e “Fio Maravilha”, outros hits de Jorge Ben.
Vale lembrar que as belezas do nosso país também já foram exaltadas por nomes estrangeiros. Afinal, como esquecer quando Shakira convocou Ivete ao palco para cantar “País Tropical”, no Rock In Rio 2011?