Que o pop brasileiro vem se transformando ao longo dos últimos anos, você provavelmente já sabe. Um movimento jovem tem incorporado com maestria elementos do R&B, criando uma nova perspectiva sobre o pop verde-e-amarelo. Ao mesmo tempo, a cena do nosso hip hop também tem ganhado cada vez mais força, catapultada por uma leva talentosíssima de rappers que não poupam palavra em seus caprichados versos.
Unindo essas duas vertentes expressivas na atual música brasileira, temos a cantora curitibana Olívia. Com grande gama de referências e talento de sobra, ela já teve uma de suas composições na trilha sonora de uma novela da TV Globo. O mais recente capítulo nessa trajetória é o lançamento de seu primeiro álbum, intitulado Camisa 10. Em dez faixas, a artista entra em campo com a bola toda, mostrando potencial de artilheira.
(Alerta: mais metáforas futebolísticas – boas ou não – a seguir)
Não, não é sobre futebol
A simbologia da “camisa 10” é basicamente uma invenção brasileira criada há aproximadamente 70 anos, mas exportada mundo afora graças ao inquestionável talento de Pelé. Cobiçada por qualquer jogador de futebol, ter o “10” implica carregar consigo um peso e uma grande responsabilidade. Quem olha de fora, respeita.
O nome do disco não é à toa. Olívia, aos 21 anos, não é necessariamente uma virtuosa jogadora de futebol, mas fez golaços com seu disco. “Treinei, virei camisa 10, artilheira da vida. Bandida, roubando sorriso de quem não sorria por entre as batidas”, versa a jovem cantora na faixa título.
O conjunto da obra nos releva mais do que o talento ao qual costumamos associar grandes nomes como Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi ou a lenda que acabou de nos deixar, Maradona. Ele nos representa à autenticidade e à potência de Olívia. Conhecemos seus posicionamentos em seu discurso sagaz e sem rédeas, que permeia temas como empoderamento feminino, liberdade e amor próprio. Sobre isso, ela destaca seu processo de evolução:
Como artista, eu sempre sou o que sou naquele momento, já que estou em um constante processo de evolução. O álbum é a minha identidade, a representação de quem eu sou e de como eu vivo.
Aqueles mais atentos logo irão entender o paralelo entre os ídolos jogadores e Olívia no que diz respeito à ambição na busca de suas conquistas. A diferença, no entanto, é que a cantora não precisa de uma peça de roupa para evidenciar estar no topo. Não à toa, a faixa de abertura já abre com “Lindas palavras, amor. Ainda prefiro as atitudes”.
“Eu sou mulher independente que não tem medo do que sente”
Não é apenas esteticamente que conseguimos colocar Olívia ao lado dos grandes nomes do novo pop nacional. A questão temática também dialoga bem com o que estamos vivendo.
As telas que nos rodeiam e a procura incessante por mais seguidores e likes carimbam uma geração ansiosa e imediatista que precisa buscar afirmação o tempo todo. Enquanto toca em temas importantes, Camisa 10 não deixa a doçura de lado e aborda as questões com calma e experiência. “Tudo influencia no trabalho: as questões sociais que estamos vivendo no momento, meu papel como mulher, a ânsia da juventude e a eterna corrida para alcançar os objetivos”, explica Olívia.
As sutis alfinetadas não machucam, mas martelam a cabeça. “Se Ela Deixar” é um exemplo disso. A faixa, que conta com as participações de Bruna Liz e Razza, é contra qualquer tipo de objetificação ou padrão imposto ao corpo feminino (“Chacoalha essa raba porque ela é braba mesmo se tiver ‘celulu'”). Se o homem não respeita, ele pode ir para aquele lugar (que rima com a licença poética “uh-uh” usada por Olívia). Logo mais, em “Ciclos (Verso Livre)“, ela celebra toda a sua jornada e sonhos, mas ainda reserva um tempo na poesia para direcionar um shade aos preconceituosos: “Eu vou ficar de cara quando eu ver as minas no topo e os pretos dominando o horário comercial”.
Acalantos, danças, versos afiados, curtição, calmaria
A viagem sonora à qual nos convida Olívia acompanha a variedade de temas abordados e se torna algo imprevisível. Proporciona momentos para requebrarmos (bastante até, o que é ótimo), mas também não peca na tentativa de fazer com que suas músicas alcancem o nosso interior e façam com que nos sintamos mais fortes. A faixa “Menina do Luar“, que encerra o disco, é um ótimo exemplo disso.
Ao destoar esteticamente do resto do álbum, com referências no forró e uma acalmada nos beats, essa canção encerra o trabalho com calmaria e fideliza sua flexibilidade musical. Encerramos a audição concordando com a artilheira, que certamente invadiu o campo de qualquer ouvinte: “Foi bonito de ver você me trazendo paz”.
Camisa 10 é, em resumo, um discasso que nos faz pensar em questões pessoais e, ao mesmo tempo, na configuração social de nosso exterior. Se fosse um campeonato, podemos afirmar que ela avançou para a próxima fase com 100% de aproveitamento.